O desaparecimento

Daniel foi levado para o hospital em estado crítico e ficou na UTI, Felipe foi quem o encontrou, jogado num matagal na beira de uma estrada, ele cuidou de tudo enquanto Patrícia e Laura ainda estavam hospedadas na casa da amiga, o rapaz acabou explicando tudo o que sabia para as duas.

Felipe foi à procura de Luísa, mas chegou tarde. As pessoas do estabelecimento em que se refugiou informaram que o pai foi buscá-la e a levou desmaiada dentro de um carro com outro homem. Ele se sentia responsável pela esposa de seu melhor amigo e entrou em desespero. Acionou a polícia e pediu ajuda da irmã e da mãe de Luísa. A essa altura ele não poderia dar brechas para mais tragédias. O rapaz acompanhou a polícia até a casa de Daniel e encontrou o cachorro e o bilhete de Luísa, o levou ao veterinário e o que ela dissera no bilhete se confirmou, o animal tinha três costelas quebradas, mas não representava risco e se recuperaria rápido, pelo jeito foi cruelmente agredido. Depois Felipe ligou para Berta e a colocou informada sobre os acontecimentos recentes. A babá se desesperou e correu para ficar com Daniel no hospital.

O marido de Luísa levou dois tiros, um deles teria sido fatal, mas por sorte, pegou de raspão no pulmão e causou somente uma fissura no osso da costela.

A polícia estava consideravelmente lenta para procurar sua irmã, então Patrícia não achou alternativa senão colocar a imprensa no meio da investigação. O caso passou para a polícia federal e foi dado um pouco mais de importância, embora o delegado tenha puxado a orelha de Patrícia, que por ter chamado imprensa, dificultou o elemento surpresa com Franco. A essa altura ele poderia ter ido para mais longe com Luísa ou até cometido assassinato e fugido. Agora ele sempre ficará de sobreaviso com as informações na TV. As instruções eram para que vazassem menos informações possíveis.

Todos estavam apreensivos e vigilantes por qualquer sinal da presença de Franco. Nem mesmo deixavam Daniel sozinho por medo de que fosse atacado. Seu quadro demorou a estabilizar, mas finalmente abriu os olhos e sua primeira pergunta foi sobre onde estava a esposa. Felipe e a babá se entreolharam com receio de dizer a verdade. Começaram pela notícia de seu pai, o que não deixou de ser chocante para ele.

- Ele tentou me proteger e Franco atirou. Eu senti uma dor forte no peito e nas costas e apaguei. O pessoal do bar o encobriu, estavam ajudando em tudo. – Ele falava depois de se recuperar. – Eu lembro que meu pai falava de minha esposa, que ela o convenceu a me ajudar, mas eu não lembro de Luísa em contato com ele para fazer pedidos. Não recordo do que houve depois disso.

Os outros ficavam calados ouvindo.

- E ela? Não está aqui por quê?

- Ela foi levada por Franco e não sabemos onde estão. – Felipe disse de uma vez sem titubear.

- O quê? – Daniel parecia atordoado, sem acreditar no que ouvia.

- Desculpe, não consegui chegar a tempo para buscá-la. – O amigo se desculpou.

- E vocês ficam parados aqui? – Ele fez menção de levantar, mas foi impedido por Felipe.

- A polícia já está investigando. Não há mais nada que possamos fazer...

O homem ficou histérico e gritava como louco até uma enfermeira entrar e ameaçar a lhe dar um calmante. A enfermeira pediu para que todos saíssem e Daniel insistiu para ficar acordado, não queria ser dopado, queria notícias da mulher.

Sozinho no quarto, ele pensou pela primeira vez na promessa que fez a Luísa. Ele não cumpriu e agora ela estava sofrendo com Franco por culpa dele.

- Ela insistiu tantas vezes para que eu não fosse, não a deixasse sozinha. – Ele falava consigo mesmo com os olhos cheios de lágrimas. – Ela disse que não me perdoaria...

Os dias foram se passando sem que houvessem pistas do desaparecimento. Enquanto estava no hospital, a polícia fez um interrogatório completo com Daniel. Ele contou tudo, com sinceridade, desde o início. Nesse meio tempo, conheceu Laura e Patrícia que foram visitá-lo junto com Felipe. As duas não guardavam nenhum tipo de rancor contra o rapaz. Patrícia sabia que a irmã o amava e não o considerava cúmplice, mas sim outra vítima de Franco. Daniel reparou que Luísa não parecia em nada com as duas fisicamente, sua esposa parecia adotada, com certeza puxou ao lado de seu pai biológico. Ele lembrou de quando sua esposa confessou que ela e a irmã eram filhas de pais diferentes.

Daniel recebeu alta e acabou sendo levado para a delegacia, mas liberado em seguida.

- Desculpe por fazer vocês passarem por isso. – Daniel se desculpava a com a babá e o amigo, que foram interrogados pela polícia e também eram suspeitos investigados.

- Tudo bem, mas você sabe que faz mais de uma semana do desaparecimento. Já pensou na possibilidade de Franco ter feito alguma besteira para que ela não ficasse com você e depois fugiu?

- Ela não está morta. – Daniel retorquiu irritado. – Eu pedi para que ela resistisse. Minha esposa não pode morrer.

Felipe sentia um pouco de pena de Daniel. Ele mal se alimentava, não fazia mais nada e nem ia trabalhar. Ficava o tempo todo de olho em notícias e nem sequer cuidava de seu lado imobilizado por causa das costelas. Berta não sabia o que fazer, sofria vendo seu menino sofrer.

O rapaz se sentia de mãos atadas, mas prometeu fazer tudo que pudesse para ter Luísa de volta e viva.

[...]

TV:

Repórter 1:

“Bom dia, voltamos ao caso ‘Luísa’, que hoje completa duas semanas de desaparecida, e estamos em frente a delegacia onde o caso está sendo investigado. Segundo novas informações o suposto marido compareceu ainda esta madrugada para prestar novo depoimento. Mesmo com sua prisão preventiva decretada, o mandado não pôde ser cumprido por ele ainda estar em recuperação devido ao tiro que levou e que passou de raspão pelo pulmão. Seu advogado também conseguiu que fique em liberdade por não ter havido acusações formais. Vale lembrar que foram ouvidas outras testemunhas, inclusive a senhora Roberta Santana que foi considerada cúmplice no cárcere da vítima durante os meses em que não esteve em contato com a mãe.”

“O delegado que investiga o caso nos informou que tanto a empregada, quando o amigo de Daniel, Felipe Braga, deram depoimentos semelhantes e convincentes. Dando detalhes, inclusive, da convivência de Daniel e Luísa como realmente um casal. Outra nova informação é que um médico, que atendeu a vítima há alguns meses e constatou as agressões feitas pelo padrasto, virá a delegacia prestar depoimento. O que se sabe é que Daniel a levou até o hospital onde o médico trabalha por estar passando mal e lá a mulher confessou ter sofrido agressões físicas por Franco, que também não se tem notícias desde o desaparecimento.”

“Por enquanto, a imprensa não pode ter acesso às informações que foram dadas pelas testemunhas, o que sabemos é que, para a mãe Laura e a irmã Patrícia, Franco contou que a menina fugiu de casa por fazer uso de drogas e ele estaria ajudando a procurá-la. Já no pouco contato que Luísa teve com Patrícia, antes de desaparecer de vez, ela contou que o padrasto a mantinha vigiada com a ameaça de que se tentasse fugir ele mataria as duas, mãe e irmã, por isso evitou de fazer denúncia ou tentar pedir ajuda.”

“A questão que fica é que todos estão cada vez mais convencidos de que Luísa está mesmo em poder do padrasto e que desde o início Daniel, que não é oficialmente marido da vítima, estivesse falando a verdade.”

Repórter 2 estúdio:

“Há informações do estado em que se encontram a mãe e Daniel, o suposto marido?”

Repórter 1:

“A informação que conseguimos levantar é que a mãe chora todos os dias, inconsolável e está a base de remédios, por isso não falou publicamente. Já o marido pediu privacidade e não quis se comunicar com a imprensa. A irmã acompanha a mãe que não sai em público para evitar perguntas e também a protestos de pessoas que a culpam por ter deixado a filha sofrer tanto tempo nas mãos de seu ex marido, de quem acabou pedindo a separação após perder a filha.”

“O delegado disse que em seu depoimento, Laura nunca imaginou que a filha estivesse passando por toda essa situação porque Franco também a enganava da mesma forma que mentia para Luísa.”

Repórter 2 estúdio:

“E o que aconteceu com os policiais investigados envolvidos no caso?”

Repórter 1:

“Sabemos que Franco subornava e pagava propina para ao menos vinte e sete policiais, sendo onze deles envolvidos na vigília de Luísa e três braços direito que o acompanhavam constantemente e eram ligados diretamente ao cárcere, pois tinham também informações detalhadas da garota. Um desses policiais acabou entregando Franco em troca de benefícios, uma delação premiada. Fora as pessoas, cidadãos comuns, que eram pagas por ele para que dessem informações da enteada em todos os passos que dava fora de casa antes de ser sequestrada. Depois que alguns desses policiais subornados foram submetidos a interrogatórios, estão surgindo mais informações importantes ligadas ao caso, como por exemplo, a participação de um Juiz e um promotor que agora fazem parte da linha de investigação.”

“Tivemos acesso também ao contrato firmado entre Franco e Justino que entregava Luísa a eles por um período de dois anos. Nesse contrato ainda havia a assinatura do casal para firmar um casamento forçado, porém o papel nunca chegou as mãos do juiz e nem mesmo a ser registrado em cartório. O que caracterizava mais uma farsa de Franco para pressionar psicologicamente a enteada.”

Repórter 2 estúdio:

“Estamos recebendo informações em tempo real e o que o diretor acaba de nos dizer é que a polícia analisa imagens de câmeras de segurança ao longo da avenida em que Luísa foi pega novamente pelo padrasto. As testemunhas do estabelecimento onde Luísa chegou a entrar e fazer uma ligação, dizem que foi um carro prata com Franco e um policial que estacionaram para pegar a garota. Ainda houve uma tentativa de fuga, ela conseguiu feri-lo, mas foi levada desmaiada para o interior do veículo. Agora o que a polícia federal procura são imagens desse automóvel e por onde ele passa. Até agora um carro semelhante foi localizado por câmeras, mas ainda não há a certeza de que seja o mesmo do sequestro. Até porque próximo ao interior não há muitas câmeras de vigilância, elas se encontram chegando mais para o centro.”

“Agora, em notícia de última hora, foi pedida a quebra de sigilo telefônico de todos os envolvidos.”

“A polícia também cogita usar cães farejadores para fazerem buscas pelas redondezas onde forem encontradas mais evidências de onde Luísa possa estar, mas devido a uma informação sigilosa dada por Daniel a policia adiou o uso dos cães, por enquanto, e pretendem fazer as buscas com a peça de roupa usada mais recentemente pela mulher.”

“Torcemos agora para que a menina seja encontrada e com vida, porque sabemos que esse homem é extremamente perigoso e está armado.”

Após ouvir a última frase, Daniel desligou a TV. Ele não podia aceitar que Luísa estivesse morta. Teriam que achá-la viva.

Agora os jornais só sabiam noticiar sobre Luísa, foi o único meio pelo qual Patrícia conseguiu acelerar as investigações, já que a polícia não estava disposta a correr com o caso inicialmente. Ele também já sabia que seria considerado cúmplice e acusado de cárcere. Só lamentava ter envolvido Berta e seu melhor amigo.

Já a informação que preferiu manter sigilo foi sobre a possibilidade de Luísa estar grávida. Os hormônios gerados pela gestação dificultam os cães a acharem o rastro correto, mesmo assim vão tentar com a peça de roupa usada mais recentemente. Franco ficaria furioso se soubesse que Luísa poderia estar grávida. Daniel temia por sua vida.

Daniel soube por Franco, no dia da briga, que nunca esteve casado de verdade com Luísa. O ex padrasto da mulher fez um falso contrato para dar uma falsa segurança a Justino. Isso levou os dois a fúria.

Agora, enquanto esperava o desenrolar da polícia, ele fazia sua própria investigação dos fatos. Decidiu que encontraria a esposa de qualquer forma.

Daniel pedia que Felipe lhe explicasse a história desde o início várias vezes em busca de alguma informação que deixaram passar, e foi o que o outro fez, não escondeu nenhum detalhe, devia isso ao amigo.

- Ela ainda me pediu várias vezes para que não fosse. – Ele ficava mais atordoado enquanto os dias passavam. – Não achei que fosse acontecer isso tudo. Me conte de novo, quero saber como posso encontrá-la, deve haver algum detalhe que deixamos passar. – Pedia Daniel.

- A polícia...

- A polícia vai demorar, preciso encontrar minha esposa. Entenda, agora ela é a única família que tenho.

- Nós seguimos o seu rastro pelo celular... – Felipe começou a narrar a história pela milionésima vez, perdeu as contas até.

- A polícia foi nesse hotel onde Franco parou?

- Sim, foram lá e revistaram quarto por quarto, não encontraram qualquer pista.

- Isso está errado. E onde ele a pegou?

- No matagal atrás desse bar. Acharam uma faca com o sangue de Franco.

- Ela tentou lutar com ele...

- Provavelmente. Os policiais estão interrogando a todos os envolvidos.

- Não vou descansar até encontrá-la. É uma promessa.

A partir daí passaram-se dois meses.

[...]

- Amigo, tudo bem? – Felipe perguntava trazendo uma xícara de café.

Daniel não respondeu. Ele voltou ao trabalho convencido por Felipe e Berta para que se distraísse. Segundo os dois ele estava enlouquecendo sem ter notícias de Luísa e precisava ocupar a mente. A imprensa ainda comentava do assunto, por vezes, mas aos poucos esfriava por falta de novidades. Contudo, mesmo no serviço, ele acessava notícias enquanto trabalhava no computador. Eram só informações que ele já sabia, mas lhe dava conforto ler sobre Luísa.

Fazia tanto tempo que ele não lembrava mais como era sua voz. Por vezes sonhava com sua fragilidade e seus grandes olhos inocentes que era o elemento mais expressivo nela. Ele nunca se preocupou em tirar fotos dela, as fotos que apareciam na TV foram cedidas pela mãe. Enquanto estava em casa dormia com alguma peça de roupa dela que ficou para trás.

Ficaram juntos por pouco tempo, mas para ele significavam anos. Nunca sentiu por ninguém o que sentia por ela, a amava de verdade.

- Daniel, me ajuda com a atualização de contratos de condomínio? – Felipe ainda tentava chamar sua atenção.

- O dia demora muito a acabar. – O rapaz comentou – Eu não aguento mais ficar trancafiado aqui.

- É sua empresa. Você tem que fazer alguma coisa. – Felipe deu tapinhas nas costas de Daniel. – Se você ficar pensando nessa situação o tempo todo o tempo não vai passar. Não adianta você se torturar desse jeito, você já fez tudo o que podia.

Daniel estava quase perdendo as esperanças. Ele não queria pensar na possibilidade de morte, mas depois de todo esse tempo, era cada vez mais provável que a mulher que amava estivesse morta.

No fim do expediente ele foi até o terraço do prédio para assistir o pôr do sol.

- Ei, cara. Não está pensando em se jogar, não é?

Daniel olhou o amigo de relance com as mãos nos bolsos da calça e voltou sua atenção para o horizonte.

- Ela era tudo o que eu tinha.

- E eu? Eu sei que não fico bem de saia, mas sou simpático.

Daniel riu anasalado, maneando a cabeça com a piadinha.

- Eu sei que está sofrendo. – Felipe continuou. – Até mais do que sofreu pela morte de sua mãe, mas não se torture. Você está definhando e precisa estar bem para cuidar dela quando for encontrada.

- Essa foi a coisa mais sábia e legal que você me disse. Tem razão. É melhor nós irmos para casa e descansar. Amanhã é um novo dia e vou tentar ficar melhor.

Os dois desceram para fazer os últimos preparativos para fechar a empresa. Felipe desligava seu computador enquanto Daniel organizava os arquivos para finalmente partirem para suas casas. Na sala onde ficavam havia uma TV que Daniel mantinha ligada, algo chamou a atenção de Felipe.

Daniel havia comprado um novo celular com urgência, desde que saiu do hospital, para receber notícias da mulher pelo delegado. Ele não deixava nada passar com medo de perder informações importantes. Agora, o telefone tocava. Rapidamente atendeu, no mesmo instante em que Felipe gritava por seu nome.

Parado no meio da sala, Daniel ouvia os dois ao mesmo tempo, a TV e o delegado. Finalmente notícias novas sobre Luísa.

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