Reencontro

Luísa não conseguiu dormir o restante da madrugada. Aproveitou todo o tempo que teve para gravar cada detalhe de seu marido, com medo de que nunca mais o visse novamente. Já ele, estava deitado em seu tórax, com a cabeça repousada abaixo de seus seios enquanto era acariciado no couro cabeludo.

O tempo estava passando rápido para ela, talvez estivesse fazendo de propósito, ou seu nervosismo acelerava ele. Quando se deu conta a manhã estava acabando e a tarde chegando. Embora o marido tentasse animá-la, seu coração ficava pesado a cada minuto, de vez em quando tomando algumas pontadas na boca do estômago. Nem mesmo conseguiu almoçar.

Daniel a levou até a sala e em silêncio a fez dar uma volta segurando sua mão e a trouxe para perto segurando sua cintura com a mão livre, arriscando um passo de dança. De repente os dois dançavam melhor que no dia anterior, dando passos lentos, abraçados e sem música.

- Está passando muito rápido. – Conjecturou Luísa.

- O quê?

- O tempo. – Ela respirou fundo e o olhou suplicante como um cãozinho carente. – Deixe que eu vá com você.

- Nada disso. Vai ficar segura bem aqui. Não posso arriscar que ele queira levá-la a força. Você pode acabar querendo se entregar ao se sentir insegura.

Toda a felicidade que ela alimentou desde o início da semana vazava do coração sem piedade. Tinha a certeza que Franco faria alguma maldade a ele. Luísa amava muito o marido e não suportaria perdê-lo.

Daniel a tocou no rosto sorrindo e ela desviou o olhar.

- Olhe para mim. Senão vou fazer cócegas em você.

Ela virou instantaneamente, odiava ficar refém de cócegas.

- Eu já disse que gosto dos seus olhos?

- Já, mas eu gosto mais dos seus. E se você nunca mais me vir de novo?

- Isso não vai acontecer.

- Você está tão seguro que quase me tranquiliza, me faz parecer uma idiota preocupada. – Luísa o largou e sentou no sofá. – Estou com muito medo, muito mais medo do que já senti em toda minha vida.

Também não houve tempo para pensar no medo. Estava próximo de seis horas da tarde e Daniel foi se arrumar para o encontro. Ele já sabia onde encontrar Franco e o pegaria de surpresa. Enquanto isso, Luísa pegou o celular do marido e ligou para o segundo número que estava registrado nas chamadas recentes.

O homem do outro lado da linha se assustou ao saber que era Luísa na chamada. Afinal, ela não deveria ter um celular em mãos.

- Justino, eu só fiz isso porque Daniel está correndo perigo. Eu sei que você e Franco são muito amigos, mas não confie nele. Por favor, eu te peço que fique por perto, mesmo que eles não saibam. – Ela chorava por Daniel. – Eu conheço meu padrasto, não é possível que você não ame seu filho um pouco que seja. Seu amor por ele deve vir acima dos negócios. Franco é um demônio.

- Por que está me dizendo isso?

- Daniel está indo falar com Franco e eu não consegui convencê-lo a parar com essa ideia.

O homem ficou calado do outro lado da linha, parecia que Luísa estava causando o efeito desejado.

- Meu filho é muito teimoso. – Ele riu anasalado. – Eu o meti nisso.

Luísa teve que encerrar a chamada quando percebeu que Daniel sairia do banheiro. Jogou o celular rapidamente no mesmo local em que estava e se concentrou em secar as lágrimas.

Daniel achou que ainda era o medo e a puxou para um abraço.

- Você vai ver que não precisa se preocupar tanto. Vai ficar tudo bem.

- Será que se eu pedir mais uma vez você desiste? – Ela tocou o rosto de Daniel com carinho. - Você sabe onde vai encontrá-lo? Tudo bem se você quer ir, mas não beba o que ele oferecer e nem coma. Se perceber algo estranho ou o lugar, saia. E... tire a aliança.

- Não vou tirar a aliança. Meu amor, relaxe. Está parecendo minha mãe dando ordens. – Ele riu. – Fique tranquila, nada vai acontecer.

O rapaz pegou o celular e a carteira, Luísa o acompanhou até a porta.

- Lembre-se da promessa que me fez. Eu te amo. – Disse Luísa, triste. Parecia a única e última vez que diria aquilo. – Não vai, por favor. Não me deixe aqui sozinha. – Tentou uma última vez.

- Eu também te amo. – Ele a beijou antes de entrar no carro, ignorando seu último pedido.

Ela ficou assistindo o automóvel sumir no horizonte. Só lhe restava chorar, no escuro, com Jonas a lhe fazer companhia.

Agora, com sua aflição, as horas passavam devagar. Sentia-se solitária na sala olhando os minutos se arrastarem.

“Ele ainda deve estar no carro dirigindo.” Ela pensava tentando se acalmar. Jonas a observava atentamente, deitado no sofá. Ela reparou na aliança mais detalhadamente. Ao redor ela tinha três voltas em relevo, por dentro havia uma data gravada. A data em que assinou os papéis e em que esteve em contato com Daniel a primeira vez. A primeira vez em que ouviu sua voz, que agora lhe parecia muito distante.

O marido saiu às seis da tarde para dar tempo de chegar ao encontro às sete, a hora em que Franco sairia do trabalho. Às sete horas o coração de Luísa deu um salto de tão apertado que quase a fez perder o fôlego. O marido prometeu voltar, então ela se ocupou se arrumando para ele, mesmo que não saíssem. Nove horas e ela estava ao lado de fora tentando ver se o carro aparecia no horizonte. Entrava e saía aflita. Agora ela desejava que as horas passassem mais lentamente, pois se ficasse muito tarde e ele não voltasse ela entraria em pânico. Dez horas da noite, começou a tremer de nervoso e frio. Sua ansiedade era tão grande que seu queixo tremia assim como as mãos.

A campainha tocou e ela sabia que não era seu marido, ele teria entrado direto. Tremendo, ela tocou a maçaneta e respirou fundo antes de abrir. Com o ímpeto de correr, caso fosse necessário.

Um rapaz de cabelos curtos e barba por fazer, jovem como o marido de Luísa, estava à porta. Ele expressava um grande sorriso e trazia uma cesta nas mãos. A garota estava apreensiva quando abriu a porta pensando ser Franco ou Justino. No fundo queria muito que fosse Daniel.

- Onde está o felizardo? Você deve ser Luísa, certo? – Disse o homem entrando sem ser convidado. – Eu sou Felipe, melhor amigo de Daniel. Vim atrapalhar a Lua de mel de vocês para trazer um presente.

- Você tem carro? – Ela perguntou tentando olhar por trás dele.

Felipe ficou confuso com a pergunta repentina da mulher.

- Desculpe, eu.... – Luísa estava desesperada olhando para os lados. – Ele não está... Eu...

Felipe notou o pânico e a levou para sentar em seu próprio sofá, jogando a cesta ao lado.

- Calma, respire e me diga o que houve.

A voz sumiu e ela só conseguia olhar para o rapaz suplicante. Sentia tremer até a alma. O rapaz correu para buscar água.

- Seu padrasto veio aqui?

“Como ele sabe? Daniel deve ter contado.” Ela pensava. Parecia que sua cabeça estava desligando. Estava ficando lenta.

- Não, Daniel foi se encontrar com ele e ainda não voltou. – Seus olhos marejaram instantaneamente.

Felipe estava aterrorizado sem saber o que fazer. A situação era pior do que imaginava. Agora ele pensava que nunca deveria ter encorajado o amigo a desafiar um psicopata.

- Você perguntou se eu tenho carro, quer ir encontrar Daniel? – Perguntou.

Ela só balançou a cabeça positivamente.

- Sabe onde ele foi?

- Foi até a empresa de Franco para encontrá-lo na saída. Não sei se foram para outro lugar.

Felipe puxou o celular e ligou para Daniel, só chamava.

- Não atende. Ele saiu há muito tempo?

- Sim. – A voz da mulher estava fraca, ela evitava ao máximo pensar o pior. Talvez o marido estivesse apenas dirigindo de volta e não conseguia atenter.

O rapaz tentou ligar de novo e continuava chamando.

- Me leva a outro lugar? Preciso ver outra coisa. – Ela tinha uma ideia em mente.

Os dois entraram no carro de Felipe apressados. Foram avançando na estrada com alguns pontos de engarrafamento. Felipe lançava olhares a Luísa de vez em quando.

- Me empresta seu celular? – Ela tentou lembrar o número da irmã, mas havia um bloqueio em sua cabeça.

- Não era para você ter saído. – Felipe se lembrou. – Isso não vai encrencar você?

Ela devolveu o aparelho para tentar se acalmar.

- Eu não me importo, preciso saber se estão todos bem.

Eles chegaram na cidade e aos pouco Luísa foi reconhecendo algumas coisas pelo caminho. Já trabalhou no centro da cidade e conhecia algumas ruas. Felipe foi seguindo por onde a garota apontava. De repente Luísa se viu seguindo pelas ruas de seu bairro. Ela pediu para que o amigo de Daniel parasse o carro na esquina onde ficava o prédio que morou um dia. Uma sensação nostálgica a invadiu. Saiu do carro e andou apressada. Alguém a reconheceu, uma vizinha que costumava cumprimentá-la quando ia para a escola.

- Oi, menina simpática. Faz tempo que não vejo as três mocinhas andando juntas. – A senhora se referia também a sua mãe e irmã. – Você sumiu. O que aconteceu?

“Quer dizer que minha mãe e irmã não andam mais por aqui?” Ela ficou um pouco mais aliviada. Daniel estava certo, elas estavam escondidas e Luísa sabia onde.

- Eu me mudei. A senhora tem visto minha mãe ultimamente?

- Não, vejo sempre seu pai.

“Não diga isso, ele não é meu pai.” Ela pensou com raiva.

As duas se despediram com dois beijos no rosto. Luísa se apressou a ir na direção contrária de onde um dia morou. Viu um grupo de pessoas reunidas num bar que ficava ao lado da entrada do prédio de Isabel, uma amiga de sua mãe, que sabia de todas as brigas com Franco e as ajudou quando fizeram a primeira denúncia de agressão. O padrasto nunca se aproximou dessa mulher e muito menos sabia onde morava. Era o único lugar que Luísa pensava para um bom esconderijo de fuga de última hora. A garota se aproximou e identificou um vizinho conhecido e ele sussurrou um “oi” movimentando os lábios e acenando. Ela tentou ficar o mais tranquila possível. Não podia arriscar que denunciassem sua aparição para Franco. Devia agir normalmente.

Luísa não se recordava do número do apartamento, mas sabia que ficava no terceiro andar. Tocou o botão que lhe pareceu familiar no interfone, torcendo para que fosse o certo. E então reconheceu a voz de Isabel.

- Isabel, é a Luísa. - Os olhos de Luísa se encheram de lágrimas e não ouviu o que a voz através do aparelho falava, quando percebeu o portão destravar, correu pela garagem do prédio até a entrada do pátio.

Um rosto conhecido vinha de encontro a ela pela entrada principal.

- PATRÍCIA! – Gritou Luísa.

A outra garota correu de braços abertos até se chocaram em um abraço apertado.

As irmãs se abraçaram tão forte que chegou a sufocar. De repente as duas choravam e tentavam falar ao mesmo tempo. Luísa sobrepôs o tom de voz para que Patrícia a escutasse.

- Franco sabe onde vocês estão?

- Franco nunca mais falou conosco. Mamãe o denunciou depois que você foi embora e a justiça emitiu uma medida protetiva para que ele não se aproximasse. – Disse a irmã chorando.

- Eu não acredito. – Luísa chorava ainda mais. Chorava de soluçar. Franco a fez de idiota todo esse tempo e agora estava com Daniel em seu poder. – Ele me sequestrou. – Ela falava alto.

As duas choravam como duas crianças de quem seus brinquedos foram tomados.

- Cadê a mamãe?

Patrícia tomou a irmã pela mão e a arrastou pelas escadas até chegarem ao terceiro andar. A porta do apartamento estava aberta e duas mulheres tinham os olhos arregalados, sem acreditar no que viam.

A gritaria foi geral. Agora Luísa abraçava a mãe chorando até perder o fôlego, enquanto Isabel dava graças a Deus e se reunia no abraço coletivo.

- Mãe, ele me sequestrou... Ele me levou embora... – Ela tentava falar entre soluços. – Me ameaçou... Disse que mataria vocês se eu não fosse dele... Me fez casar com um homem desconhecido. Ele me vendeu, mãe...

Laura tinha o rosto da filha entre as mãos.

- Você tinha razão... – Laura falou, mas foi interrompida pela filha novamente.

- Mãe, você sabe onde ele está? Onde ele está, mamãe? Ele pegou meu marido. Eu preciso ir atrás de Daniel.

- Quem é Daniel?

- Depois eu explico... – Luísa tentava se acalmar respirando forte repetidas vezes. – Agora, me diga por onde Franco anda quando sai da a empresa? Quais lugares ele costuma ir? 

Laura pegou Luísa mais uma vez para um abraço sem acreditar.

- Mãe, me diz, eu preciso saber rápido.

- Eu não sei, dois dias depois que você foi embora nós também saímos de casa.

A garota se ajoelhou no chão derrotada. Como encontraria o marido?

- Luísa, eu tive uma ideia. – A voz de Felipe vinha do corredor.

- Quem é ele? – Perguntou Patrícia tirando as palavras da boca da mãe.

- O celular dele... Se ainda está chamando é porque está ligado. – Ele falava arquejante. Correu seguindo Luísa até o apartamento. – Se entrarmos na conta do e-mail dele, podemos ver o GPS de seu celular e saber por onde ele passou. – Ele tomou mais ar. – Eu sei a senha, o computador do trabalho fica conectado direto na conta dele e eu sempre acesso.

Quando Luísa levantou para correr com Felipe sua mãe a segurou pelo braço.

- Para onde você vai?

Luísa sabia que não podia deixar as duas ali, não queria perdê-las de vista novamente, mas outra pessoa igualmente importante precisava de sua ajuda. A mulher se dirigiu a Isabel:

- Por favor, cuide das duas enquanto eu não volto. Eu preciso ir. – Fez o pedido segurando as mãos da amiga da mãe.

Isabel confirmou com um aceno.

- Eu vou com você. – Falou Patrícia quando os dois estavam no início das escadas.

- Não, a gente discute tudo depois. – Gritou Luísa correndo.

Felipe deixou o carro estrategicamente parado em frente ao prédio. Os dois entraram e a porta de trás abriu, Patrícia entrou sem ser convidada enquanto a mãe gritava de longe.

- Não vou perder você de vista novamente. – Explicou a irmã. – Não sabe como senti sua falta. Eu preciso de você, você era minha força... 

- Tudo bem. – Disse Luísa preocupada com a mãe acenando. – Vamos Felipe, não quero que minha mãe venha também.

O rapaz deu a partida e parou duas ruas depois para fazer a pesquisa do trajeto do amigo.

- Vou ajudar vocês, disse para a mamãe que ficaria de olho em você. – Patrícia falou e Luísa deu a mão a ela.

- Consegui. – Comemorou Felipe, mostrando um trajeto marcado em azul num mapa. – Olhem, a saída de casa, a rota pela avenida principal, a chegada nessa rua próxima...

- Onde fica a empresa. – Completou Luísa.

- E essa rua?

- Onde nós morávamos. – Luísa trocou olhares com a irmã.

- Ele ficou um tempo e seguiu caminho para esse estabelecimento. – Felipe indicava.

- Eu conheço esse bar. – Patrícia quebrou o silêncio. – É aquele em que Franco nos levou na festa da dona, que era amiga dele. Lembra, Lu? Onde você ficou emburrada a noite inteira, e onde também foi a festa de batizado da filha do sócio dele.

- Sim, eu lembro quando fui sozinha com ele uma vez e ele bebeu muito enquanto eu ficava assistindo.

- Olha que estranho... – Felipe chamou a atenção das duas para a tela. – Ele ficou um tempo nesse bar, depois passou um pouco mais de vinte minutos em uma rua próxima. Após isso se dirigiu ao endereço de casa. Será que voltou para casa?

Felipe tentou ligar de novo, mas ainda só chamava sem resposta.

- Muito estranho. Qual o motivo de não atender a uma ligação minha?

- É melhor encontrarmos com ele. – Sugeriu a esposa.

Os três correram para a casa. Luísa queria ver seu marido de novo. A mulher olhava a tela do celular de Felipe enquanto ele dirigia o mais depressa possível.

- Vai ver você não precisava ter se preocupado tanto assim. – Falava Felipe.

- Não, você não conhece Franco, não conhece mesmo.

Patrícia apenas assistia, tentando entender o que, de fato, acontecia.

Antes de chegarem na casa, a garota percebeu que o mapa atualizava indicando que Daniel pegara a estrada novamente. A esposa ligou na esperança de que ele atendesse. Só chamava.

- Não é possível que ele não ouça o telefone tocar. – Luísa disse mais para si mesma.

No GPS os dois carros se encontrariam na estrada em três minutos.

- Felipe, pare o carro e vamos ver ele passando. Qualquer coisa nós corremos atrás dele buzinando para que ele pare. – Sugeriu ela.

Atrás, Patrícia assimilava a história aos poucos. Aquele pedaço de estrada estava deserto, então seria fácil ver o carro de Daniel ao longe.

Faltava um minuto para o encontro. Parecia que todos prendiam a respiração na expectativa. Dois faróis altos surgiram, mas nem de longe se assemelhava ao carro do marido de Luísa.

- Espere. – Patrícia reparou em algo. – Esse carro... Franco o comprou antes de nos mudarmos, era um carro usado no trabalho dele.

- Meu Deus...

O automóvel passou em alta velocidade sem reparar no outro parado na estrada. Estava com pressa e só havia um ocupante dentro.

No mapa do celular indicava que Daniel acabara de ultrapassá-los.

- Meu Deus. – Repetiu Luísa. – Ele foi sequestrado também?

Felipe não perdeu tempo, seguiu o automóvel prata a frente com cuidado para não despertar a atenção.

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Comments

Angelica Pacheco

Angelica Pacheco

aí meu deus que Daniel esteja bem e esse mostro seja preso ou morra

2020-03-13

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