O celular de Daniel tocou quebrando o silêncio constrangedor que ficou entre os dois depois do abraço.
- Oi, Berta! – Ele sorriu ao atender. – Está tudo bem. Quer falar com ela?
Ele entregou o celular, Berta iniciou se desculpando, Luísa a cortou.
- Daniel está cuidando muito bem de mim. Você tinha razão, seu menino é um bom garoto. E não se preocupe, vou ficar bem.
Depois de se despedir ela entregou o celular relutante se deveria ou não ligar para a irmã, mas não queria colocá-las em risco.
- E então, vai querer jantar?
Luísa se animou a acompanhá-lo. A janta foi comida chinesa, o entregador estava de mau humor quando chegou e não era para menos, ele percorreu uma boa distância, a casa se localizava longe de qualquer centro comercial. Daniel fez o favor de recompensá-lo. No final, o marido jogou para Luísa um pacote contendo um biscoito da sorte. Eles ganharam três biscoitos um para cada um, incluindo Berta, que só teria o seu no dia seguinte.
A garota não sabia o porquê, mas esperava encontrar uma mensagem positiva, embora não acreditasse em biscoitos da sorte.
- “Época propícia para terminar antigas tarefas.” – Falou Luísa dando de ombros.
- “Você terá sorte em muitas coisas.” – Daniel recitou o dele.
- Eu acho que você deveria ter me dado esse aí. – Brincou Luísa.
- Não faz mal, nós trocamos. – Ele ofereceu o dele.
- Assim não vale...
Daniel colocou o outro biscoito na frente da esposa.
- De repente esse seja melhor. Berta não vai se importar. - Disse Daniel.
Ela abriu.
- Esse combina mais comigo: “Faça o necessário, depois o possível e logo estará sobrecarregado.”
O celular de Daniel tocou mais uma vez, fazendo ele levantar da mesa, não antes de lançar um olhar apreensivo para Luísa, que percebeu.
Quando Justino ligava Daniel tinha certeza que era algo a ver com Franco, já que, normalmente, seu pai nunca ligava.
Ao voltar para a mesa Daniel sorriu, mas Luísa tinha faro para detectar omissões e mentiras.
- Pode me dizer, não me esconda. – Ela recolheu as mãos que estavam em cima da mesa, escondendo no colo para que o outro não a visse tremer. – É com a minha mãe e minha irmã?
- Meu pai foi embora com Franco ontem e ele o ouviu xingar várias vezes ameaçando a fazer alguma coisa com as duas. Hoje ele ligou para reforçar a segurança com você porque parece que houve alguma coisa grave. Depois disso seu padrasto não atende mais o telefone.
Luísa prendeu os lábios e começou a chorar de cabeça baixa. Daniel tentou ir em sua direção, mas ela se desviou e subiu as escadas correndo. A visão da faca estava mais viva ainda em sua mente. Ela abaixou em direção onde jogara o embrulho, ajoelhou no chão, mas o rapaz entrou no quarto fazendo seu coração dar um salto. O rapaz a segurou e levantou do chão.
- Vamos fazer o seguinte, amanhã você viaja comigo e mando procurarem as duas. Agora se acalme, tudo bem?
- Não está tudo bem, Daniel. Eu não aguento mais, não aguento mesmo. Me deixe na rua, em qualquer lugar, não suporto mais. Eu só quero sumir.
- Tudo bem, não quero te ver assim. Amanhã de manhã vamos sumir antes que Franco pense em vir atrás de você. Vem descansar comigo e antes de amanhecer podemos sair. - Luísa o abraçou forte.
- Ele fez alguma coisa a elas duas. – Ela se lamentou chorando no peito de Daniel.
- Não, não fez. Vou ligar para meu pai e pedir que ele descubra o que está acontecendo. – Ele a afastou segurando sua cabeça com as duas mãos e a olhou nos olhos. – Tome um banho quente, eu já volto. Com certeza não houve nada grave.
Luísa não se deu por satisfeita, pensar sobre o que Daniel pretendia fazer desafiando a tirania de Franco a deixava extremamente nervosa. Aproveitando que o marido saiu para fazer a ligação foi em direção ao artefato escondido embaixo da cama e retirou do esconderijo. Desembrulhou-a do pano e fez o movimento que planejara cautelosamente em seus pensamentos. Passando a lâmina na garganta seria o jeito mais fácil de acabar com tudo. O objeto prateado e polido estava posicionado no local, logo estaria manchado por seu sangue. Fechou os olhos e respirou fundo para tomar impulso forte o suficiente para fazer um serviço rápido e completo.
A mão que segurava o cabo doeu como se fosse esmagada, lhe faltou a respiração por dois segundos e a voz de Daniel lhe soprou ao ouvido baixa e ao mesmo tempo desesperada.
- Solte. Vamos, solte!
Daniel a abraçava por trás, segurando a mão de Luísa que ainda se agarrava a faca. Ela se mantinha de olhos fechados respirando forte beirando as lágrimas.
- Largue isso, Luísa.
O homem mesmo forçou para que a esposa largasse o objeto pressionando sua mão. Seu próximo movimento foi virá-la para si e a abraçar enterrando sua cabeça em seu peito. Ele a levou de cabeça baixa para seu próprio quarto, a trancou nele e foi em busca da faca. Daniel jogou a arma fora e voltou rapidamente para junto da mulher que se encontrava sentada na beirada da cama de cabeça baixa chorando.
Nesse momento ele não sabia o que dizer, apenas sentou-se ao lado e lhe afagou os cabelos, trazendo-a para mais perto.
- Não faça mais isso, por favor. Não sabe o desespero que me deu. – Ele sussurrou. – Desculpe, eu realmente não sei pelo que está passando para querer tirar a própria vida. Se eu não tivesse voltado para pedir que arrumasse uma mochila para a viagem não a teria visto e a tragédia teria acontecido. Deus, não quero nem voltar a pensar.
O rapaz a colocou de pé ainda chorando e começou a lhe tirar as peças de roupa vagarosamente. Luísa não reagiu, apenas deixava que o outro a manipulasse. Daniel a levou para o banho e a deixou embaixo da água morna enquanto saiu para pegar uma toalha.
- Encontre elas, por favor, encontre elas... - Luísa começou a pediu com a voz trêmula e esganiçada ainda dentro do box com o chuveiro ligado.
- Eu vou fazer isso, agora se acalme, tudo bem? vai ficar tudo bem. - A olhava apreensivo, sabendo que ela estava em algum tipo de ataque de pânico, se tremendo e implorando como se alguém fosse matá-la a qualquer momento.
Ele mesmo a vestiu como se fosse a uma criança, com as roupas dele, dispensando roupas íntimas, uma camiseta e uma calça de moletom que ficaram folgadas demais por serem masculinas e ela muito magra. A aconchegou embaixo dos cobertores, lhe deu um beijo na testa e foi para seu lado. Em poucos minutos Luísa dormiu depois de tanto tremer. Ele até pensou que talvez tenha desmaiado por causa do choque.
Após esse episódio ele não conseguiu dormir tão cedo, ficava a observá-la através do breu e ouvindo a respiração, também deixou a porta trancada, caso ela acordasse e pensasse em sair para fazer besteira enquanto ele estivesse dormindo.
Luísa estava vencida pelo cansaço e ansiedade, mas não durou muito tempo seu descanso. Na metade da madrugada acordou assustada depois de ter um novo pesadelo com o padrasto. Daniel que cochilava em alerta, também acordou.
- Não quero viajar. Quero saber como elas estão. – Luísa falou afoita sentando na cama.
- Quando amanhecer eu vou investigar, mas descanse.
- Eu não consigo, me empresta seu telefone.
Daniel acabou por levantar e buscar o celular para ela. Ela encarou a tela ligada, porém não conseguia lembrar do número de nenhuma das duas.
- Não consigo lembrar o número delas.
- Você está nervosa. Quando se acalmar vai lembrar. – O rapaz tirou o celular da mão da mulher. E a fez deitar novamente.
- Não quero sair daqui. Preciso saber o que está acontecendo de verdade.
- Então não vamos sair. Só não quero que faça alguma bobagem por causa desse monstro que sua mãe se casou. Nada disso é culpa sua.
Uma montanha russa de emoções atingiram Luísa novamente. É claro que ela não era culpada, mas não deixava de pensar que esse peso era todo seu. Quem mais sofria era ela, a perseguição era com ela, a implicância com ela, o desejo por ela. Luísa não era o centro do mundo, entretanto, para Franco, tudo girava em torno de sua possessão por ela.
Intimamente, Luísa começou a orar. Orar para que se Deus a estivesse vendo, que ele a aliviasse, ou que ao menos terminasse com isso tudo, de qualquer jeito que fosse. Nunca procurou por Deus, mas seu desespero era tanto que foi vencida e sua alternativa desesperada ela Ele.
Fazendo sua oração desajeitada, começou a chorar novamente. Chorar já era normal, estranho seria se ficasse feliz e sorridente o dia inteiro. Daniel chegou mais perto e a abraçou. Deitado com ela na cama, a trouxe para seu peito e a segurou ali. Impulsionada pelo carinho que recebia, Luísa também o abraçou, envolvendo o tórax e usando o peito do marido, molhado por suas lágrimas, para encostar a cabeça. Ele lhe acariciava a cabeça passando os dedos entre os cabelos e também massageava levemente suas costas. Assim, Luísa dormiu novamente.
Ao amanhecer, ele ainda esperou que a esposa acordasse para então ir trabalhar, mesmo que Berta estivesse junto. A atitude da noite anterior o fez sentir medo de acontecer uma tragédia e acabar por perdê-la.
- Estou indo trabalhar e vou aproveitar para pedir informações ao meu pai. – Ele a deu um beijo na testa e completou. – Não faça nenhuma besteira, se precisar de mim, me ligue. Volto correndo.
Ela não respondeu. Ficou a observá-lo até que saísse do quarto. Ali ela ficou. Preferiu ficar na cama dele, sentindo o cheiro dele entre os cobertores, no travesseiro. Um perfume masculino diferente daquele que a enchia de terror.
Berta aparecia para olhá-la de vez em quando. Luísa só aceitou o almoço quando passava das quatro horas da tarde.
- Minha filha, você é tão linda, nova, tem uma vida inteira para ser feliz.
- Ser bonita é minha maldição. Eu não queria passar por isso. - Uma lágrima escorreu e logo seu rosto esquentou, entupindo o nariz.
- Mas quem poderia adivinhar que esse infeliz seria desse jeito. Nem mesmo sua mãe tem culpa.
As duas trocaram poucas palavras, Luísa não se sentia bem. Antes de Daniel chegar, tomou um banho para tirar as roupas dele, embora quisesse ficar com elas, e esperar o marido chegar com novidades.
Ele voltou um pouco mais tarde, deixando a esposa tensa. Berta se despediu e ele foi direto conversar com a mulher.
- Franco está ocupado mobilizando algumas pessoas. Meu pai disse que, ao que parece, sua mãe e irmã fugiram quando ele passou a tarde toda aqui. Não é certeza, mas pelas atitudes de Franco em mobilizar seguranças e não querer que você saiba, pode ser isso.
Luísa levou as mãos a boca sem conseguir acreditar e deixou escapar uma risada, mas ainda não podia baixar a guarda.
- Agora eu não posso ir embora mesmo. Tenho que verificar se é verdade. Minha mãe pode estar me procurando. – Ela segurou os dois lados da cabeça, puxou os cabelos e respirou fundo, aliviada pela primeira vez em dias. – Minha cabeça está quase estourando de tanto pensar. – Completou sorrindo.
O marido lhe ofereceu remédio e ela foi para o quarto, ainda estava muito cansada. Um trovão soou ao longe e Daniel colocou o cachorro dentro de casa. Este correu para a porta do quarto da mulher. Um segundo raio caiu próximo, acompanhado de um trovão mais barulhento que assustou Luísa. Ela gritou, esqueceu que agora estava mais próxima do interior, cheio de árvores e campo aberto. Ela tinha muito medo de raios. Daniel entrou assustado com o grito.
- Perdão, está tudo bem? – Perguntou ele ao vê-la se assustar com o terceiro trovão. – Você tem medo? – Ele riu.
O cachorro correu para a cama de Luísa.
- Acho que ele quer te proteger, veio direto quando o deixei entrar. Jonas não quer deixá-la, acho que se apegou a você.
- Ele pode ficar comigo? – Perguntou ela esfregando a barriga do cão.
- Sim. – Ele deu de ombros.
Era a primeira vez que ele via Luísa relaxada e mais tranquila.
- Eu acho que ele nem liga mais para você. – Luísa riu e abraçou o cachorro. – vamos brigar pela guarda dele no divórcio?
Daniel sorriu e sentou ao lado da esposa na cama.
- Luísa, e o seu pai biológico?
- Nunca o conheci, minha mãe contou que ele tentou matá-la, negou que eu fosse filha dele e fugiu, mas segundo minha avó eu sou a cara do meu pai.
- E sua avó?
- Morreu, não tenho mais avós.
- Sinto muito. Você disse que sua irmã e você são filhas de pais diferentes. E o pai da sua irmã?
- Ficou louco, tentou se matar e foi internado num manicômio. Meu padrasto que achou ele na rua e levou para o hospital e assim conheceu minha mãe.
- Nossa, então sua mãe não teve sorte no amor.
- É, mas você está me fazendo muitas perguntas. E você? Cadê sua mãe? – Perguntou Luísa sentando de frente para ele com pernas de chinês.
- Também morreu. – Daniel falou com tristeza. – Ela tinha câncer. Entrei em depressão. Foi logo que terminei a faculdade.
- Nossa, sinto muito. Você não tinha namorada?
- E porque quer saber? – Daniel sorria desconfiado.
- Sei lá, você é tão jovem e aceitou muito rápido casar comigo...
- Eu tenho vinte e oito anos e você também assinou os papéis para se casar.
- Mas meu caso é diferente, fui obrigada e eu era presa, nunca pude ter namorado.
- Nunca? Nem escondido?
- Não, o único lugar onde eu ia quando saía de casa era a escola e era vigiada lá também. Até no trabalho, uma vez flagrei Franco me vigiando de longe se passando por um cliente.
- Esse homem não existe, é um psicopata. - Falou com uma espécie de careta de indignação com nojo.
Os dois passaram um tempo conversando mais descontraidamente.
- Nunca pensou em arranjar alguém e se casar? – Perguntou Luísa encostada na cabeceira da cama com ele.
- Como assim? Já estou casado. – Ele achava graça das caretas que Luísa fazia.
- Então, com vinte e oito anos, sem namorada, bonito e bem sucedido... Você é gay? – Ela perguntou rindo.
- Eu demonstro tanto assim?
A garota arregalou os olhos e perguntou de novo o encarando.
- Você é gay?
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Atualizado até capítulo 21
Comments
Yamagutte Maria Ribeiro
Não pode ser eu não posso eu me recuso a aceitar isso
2023-06-16
1
Luna
Nem creio nisso mais nunca se sabe ne dorme com ah mulher não mostrou nem uma reação diferente 😂😂😂😂😂
2020-03-10
3