O trato

    - Você sabe quem eu sou? - Perguntou o homem quando voltou para casa.

Ela não respondeu.

- Se quiser conversar, não vou julgá-la. Me considere um amigo.

"Isso só pode ser piada." Pensou Luísa com raiva.

- Quer tomar alguma coisa? Está com fome? Tudo bem se não quiser falar. - Ele se aproximou. - Quer que mostre seu quarto?

Luísa o acompanhou olhando os pés, provavelmente ele não reparou que estava suja e acabada, ou simplesmente ignorou. Ele a deixou sozinha.

Sentada na beirada da cama ela cobriu a boca com as mãos para que o outro não ouvisse seu choro. Sim, ela sabia quem ele era e doía no fundo de sua alma saber que era manipulada por qualquer um, sem ter poder sobre sua própria vida.

 

[...]

Passaram-se dois dias desde sua chegada à casa do marido. Luísa permanecia no quarto, não saía para nada, nem mesmo para se alimentar. Estava fraca demais para fazer qualquer coisa e Daniel não a perturbava. Ela ainda não olhara para ele, fingia não haver gente em casa. O rapaz passava de tempos em tempos para perguntar se ela não ia almoçar ou jantar sem obter qualquer manifestação. Ele até que tentou deixar comida no quarto, mas o prato ficava intocado. Talvez a garota tentasse morrer de fome.

Na manhã do terceiro dia uma empregada apareceu. Bateu algumas vezes na porta e entrou. A aparência de Luísa devia estar horrível, pois a empregada a tocou desesperada achando que ela poderia estar morta.

- Berta, me ajude. Desde que chegou aqui ela não quer comer. Não sei como lidar com isso.

- Daniel conversava com a empregada na cozinha. Era sua babá desde a infância.

Para os dois Luísa era drogada, estava em estado de abstinência e era perigosa. Pelo menos foi nisso que o padrasto os fizeram acreditar. Franco era amigo do pai de Daniel, Justino. Os dois eram do tipo bandidos mafiosos. O filho, é claro, não sabia. Franco era rico, possuía muitas propriedades e conheceu Justino em um de seus negócios escusos de agiotagem. O pai de Daniel ficou devendo um favor milionário ao padrasto de Luísa. Franco inventou a mentira de sua filha doente e dependente de drogas. Precisava que mantivessem sua filha longe da cidade como pagamento. Justino não era bobo, em troca seus filhos teriam que casar, além de um ótimo negócio, não queria correr o risco de sofrer qualquer acusação de sequestro e cárcere privado ou sabotagem do sócio, afinal ele sabia exatamente com quem estava lidando, ao menos teriam a justificativa do casamento.

Franco tinha muitos amigos policiais, advogados e juízes. Era do tipo empresário "tudo posso". Ele aceitou o trato, mas teriam que devolvê\-la após dois anos divorciada. Luísa foi o objeto de compra e venda dos dois.

O padrasto a ameaçou no dia de sua ida para a nova casa, ainda no carro disse que era dele. Lhe deu dois tapas no rosto e um soco no braço, a garota se manteve forte e desafiadora, não chorou na frente do homem. Franco lhe informou que se não fosse dele, não seria de mais ninguém. Ela deveria desaparecer, fingir que abandonou a mãe e a irmã para que não a procurassem ou fizessem queixa à polícia. Ele as deixaria em paz e as ajudaria financeiramente, mas se resistisse, as mataria. Esse era o jogo. Luísa não podia desafiar, sabia do que ele era capaz, sabia os apoios que tinha. Podiam fazer o que quisessem com ela, mas não deixaria que ferissem sua família.

Para Daniel o casamento tinha o propósito de não manchar a dignidade da garota. Os dois ficariam juntos como casados, mas ele não a tocaria, seu trabalho era somente cuidar de seu estado em silêncio e a manter trancada e segura. Embora ele fosse resistente no início os dois pilantras conseguiram convencê\-lo pelo bem dela. Daniel não podia falar sobre isso a ninguém.

Antes da chegada da esposa, Daniel tentou argumentar:

- Essa menina vai ser objeto de troca entre vocês? Eu não posso acreditar.

O pai se esquivou e explicou que era um favor para um antigo amigo que precisava controlar a filha fugitiva e usuária de drogas, além disso, era o mínimo que poderiam fazer em troca de perdoar a dívida milionária que adquiriram. Eles cuidariam de Luísa pelos próximos dois anos. Movido por sua boa índole, Daniel acabou aceitando a contragosto.

O rapaz assinou os papéis do casamento cedidos por um juiz. Ele não tinha conhecimento sobre o tamanho do trato por traz de tudo e agora que teria a garota iria investigar esse absurdo a fundo.

Daniel contou tudo a Berta, que ouvia tudo horrorizada e perguntava como o rapaz pôde aceitar tal absurdo. Ela o estimava muito e resolveu ajudá-lo tentando cuidar da menina.

- Minha filha, o que está acontecendo? – Perguntou Berta se sentando ao lado de Luísa na cama. – Fale comigo. Se alimente um pouco. 

Nem com todo o carinho do mundo a babá de Daniel conseguiu tirá-la do estado vegetativo. Mais uma vez voltava com a comida para a cozinha.

- Você tem que levá-la ao médico. Essa menina vai morrer.

- Mas o pai dela disse para não tirá-la de casa porque tentaria fugir. – Daniel estava em dúvida. – E eu preciso trabalhar.

- Meu filho, vou dizer uma coisa. – Berta sentou de frente para encarar Daniel. – Essa menina não parece drogada. Sei o que estou dizendo, tive um sobrinho drogado e o comportamento não é o mesmo. Ela parece sofrer e está doente. Faça o que eu digo, ninguém precisa saber que você a levou ao médico.

- Tudo bem, quando voltar eu dou um jeito.

Luísa passou tanto tempo sem comer que seu estômago não reclamava mais. Seu corpo economizava energia fazendo\-a dormir. Uma mão carinhosa a despertou. Era Berta novamente em seu quarto.

- Menina, não quer tomar um banho?

 

Ela observou a babá com atenção. Uma senhora de cabelos ralos, alguns quilos acima do peso e de expressão serena.

- Quer me contar o que está acontecendo? Prometo guardar segredo. – Insistiu Berta.

- Está tudo bem. – A voz de Luísa soou rouca e baixa.

A garota se colocou sentada com dificuldade. Se foi jogada nessa situação só lhe restava aceitar, mas precisava saber se sua irmã e mãe estavam realmente bem.

- Não tem gente em casa, podemos conversar com mais privacidade, se quiser.

Luísa tentou forçar um sorriso, não tinha porquê tratar mal aquelas duas pessoas, mas seu coração doeu e o sorriso logo desmanchou.

--  .  --

 

- Irmão, você não acha isso loucura? – O melhor amigo questionava Daniel. – Como você aceitou casar com uma mulher sem conhecer? Sabe onde está se metendo?

Felipe era o único amigo de confiança de Daniel. Este não hesitou em lhe contar tudo o que passava.

- Não pensei direito. Estou preocupado com isso, você é o único com quem posso conversar.

- Ao menos sabe alguma coisa sobre ela? É bonita? – Perguntou o amigo o cutucando.

Daniel não riu. Não queria aquela responsabilidade para ele.

Voltando para casa o rapaz pensava no que seu pai o induziu a fazer. Por um lado era desumano e Berta tinha razão, os pais deviam esconder algo sobre o estado de Luísa.

Na volta para casa viu que Berta esperava na entrada com seu semblante sereno e pensativo.

- Preciso ir, meu filho.

- E como ela está?

- Consegui fazê-la comer e tomar banho, mas está sem roupas. Parece que a mala foi feita as pressas, nada de útil. Quando abri havia uma bagunça de vestidos e cabides, nada além disso.

- A senhora não pode passar a noite aqui? Eu pago o que quiser...

- A questão não é dinheiro, preciso voltar para casa e cuidar do meu neto.

- Entendo. Ela falou alguma coisa?

- Nada, mas parece mais tranquila. – Berta deu as costas e antes de sair falou mais uma vez. - Peça ao pai dessa menina para trazer as coisas dela, senão vai andar nua pela casa.

A noite Daniel ligou para que o pai se comunicasse com Franco para trazer as coisas de Luísa. Ainda não teve coragem de tentar outra comunicação com a recém esposa.

- E como a garota está se comportando? – Perguntou Justino do outro lado da linha.

- Ainda no quarto.

A conversa foi breve. Daniel subiu as escadas e parou em frente à porta de Luísa, que obviamente dormia num quarto separado. Ele não resistiu e abriu, a porta não tinha chave, foi uma das exigências de Franco. Ela dormia de bruços com o roupão dele.

 

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