Minha Prisão

Minha Prisão

Contrato

     A garota mirrada chorava em silêncio viajando no banco carona do carro prata que sequer sabia dizer o modelo, mas essa era a última coisa com a qual deveria se preocupar. Enquanto se torturava entre pensamentos seu "querido" padrasto, que media um metro e sessenta e cinco, exatamente sua altura, e de cabelos grisalhos, dirigia costurando entre os automóveis sem se importar se entrava na contramão para fazer ultrapassagens. Se não morresse naquele instante devido a algum acidente, talvez morresse de desgosto e tristeza. Ela achava que naquela altura não teria mais lágrimas, mas pelo jeito seu estoque estava cheio.

A jovem de cabelos castanhos abaixo dos seios, bonita, bochechas rosadas e olhos grandes de cor esverdeada se sentia um lixo. Sua última briga foi a pior. Estava cansada de ver sua mãe apanhando do padrasto e sua irmã entrando em estado de choque todas as vezes que ouvia os gritos. Ela tremia sem parar só de ouvir a voz grossa e autoritária daquele homem repugnante. O marido de sua mãe sempre lhe jogava indiretas obscenas, lhe passava a mão quando tinha a oportunidade e fazia de sua vida um inferno. Ela era prisioneira em sua própria casa, sua não, “de seu padrasto”. Ele deixava bem claro que moravam sob seu teto. Sua residência, suas regras. E convenhamos, regras absurdas. A última delas consistia em não dividir o mesmo ambiente com a irmã, viverem separadas por uma linha imaginária de mais de cinco metros.

A mãe era uma pessoa inocente e não acreditava quando a filha contava sobre as investidas. Ou simplesmente não queria enxergar a verdadeira face de seu marido. Ela ainda remoía em seu interior o dia em que Franco a beijou na boca, tinha apenas doze anos. Assustada e chorando ela correu para contar a mãe. Laura ficou assustada no início, mas como sempre, seu padrasto se esquivou com desculpas nojentas: "É um carinho entre pai e filha", "essa garota está mentindo." A mãe fez a filha se desculpar.

Desse dia em diante Luísa nunca mais contou a mãe sobre os abusos. Lidava com tudo sozinha e ao mesmo tempo zelava por sua irmã, Patrícia. Por incrível que pareça o padrasto nunca chegou perto de sua irmã por ser diferente. Luísa era branca, puxou ao lado da avó materna, Patrícia uma morena linda, corpo desenhado, nada fora do lugar, sem defeitos, os mesmos olhos da irmã, rosto fino e menina frágil. Esse tipo não atraía Franco, ele era preconceituoso. Nojento! Porém, aquilo fazia Luísa ficar tranquila, pois sabia que sua irmã estava segura, mesmo em sua ausência.

Na briga recente a garota enfrentou o homem, tudo começou porque Luísa chegara atrasada em casa após ficar presa no trânsito do centro da cidade. Laura teve que se colocar no meio para ele não agredi-la. O soco atingiu sua mãe que caiu no sofá. O ódio lhe subiu e ela gritou a plenos pulmões pela janela do apartamento. Embora fosse o último andar vizinhos do prédio em frente puderam ouvi-la. Não demorou muito até uma viatura policial chegar. Esse tipo de confusão sempre acontecia por qualquer motivo fútil, contudo, desta vez a discussão foi a um nível superior.

O pilantra subornou os policiais e não foi levado. A raiva tomou conta, era a segunda vez que Luísa era deixada na mão pela polícia, aqueles que deveriam proteger. Não podia confiar em mais ninguém.

Para o padrasto aquela foi a gota d'água. Sem alternativas para controlar a enteada, a sequestrou e encarcerou num apartamento vazio que comprou á distância de algumas ruas, talvez já pensando nesse objetivo. O lugar era sujo e em estado deplorável de conserva. As paredes caíam aos pedaços e as janelas eram fechadas com madeira podre. Ela podia gritar, mas quem lhe garantiria que ficaria segura se nem sabia quem eram os vizinhos? Acima de tudo o medo dominou qualquer tipo de coragem para pedir ajuda.

Na mesma noite ela decidiu se virar como sempre fazia. A janela do banheiro abria e fechava para cima e para baixo, lhe dando apenas uma abertura mínima. Sua magreza era vantagem nessas horas. Conseguiu escalar a parede nojenta e atravessar metade do corpo para onde parecia uma área de serviço do prédio, totalmente abandonada. Para seu azar Franco já estava no apartamento e chegou a tempo de agarrá-la pelo tornozelo e puxá-la bruscamente para dentro, a agredindo em seguida. Agora surge a pergunta: Por que não gritou, não lutou, não pediu ajuda? Primeiro, porque Luísa adquiriu um transtorno, após anos de agressão, chamado paralisia traumática, que faz suas reações paralisarem se passa por algum susto ou estresse muito grande. Segundo, na hora do sequestro Franco fez uma ameaça disfarçada de oferta, uma vida por duas vidas. Estava em suas mãos decidir se destruía para sempre aquilo que chamava de vida ou se acabava com as das duas únicas pessoas de sua família, mãe e irmã. Decidiu por salvá-las já que desde o início se sentia perdida e sem esperanças de um dia isso acabar.

Luísa queria apenas que as duas tivessem uma chance de serem felizes. Voltando ao agora, o carro ganhava uma estrada mais deserta que levava quase ao interior. Se afastavam aos poucos do centro e a menina só conseguia pensar no que a esperava neste momento.

Depois da agressão no apartamento, Franco fez uma ligação urgente, ainda zonza com as pancadas não conseguiu compreender o teor da conversa, apenas soube na manhã seguinte que iria para outro lugar com vigilância constante. Enquanto dormia desmaiada, o homem saiu na madrugada e voltou pouco antes do sol nascer com alguns papéis em mãos. Sem esperar muito ele a arrastou para o veículo e começou a proferir um discurso confuso. Luísa só entendeu quando foi obrigada a assinar os papéis.

O carro foi estacionado em frente a uma casa de fachada branca, afastada de qualquer estabelecimento, com um terreno grande só para ela que a fazia se destacar na paisagem verde e azul. Franco a pegou pelo punho, a arrancou de dentro do veículo e a puxou em direção a entrada. A menina pode perceber o poder aquisitivo do proprietário ao se aproximar, de prisioneira de seu padrasto passaria a ser escrava de um desconhecido, mais infelicidade que essa impossível.

Quando abriram a porta Franco já a segurava pelo braço que continha uma mancha roxo-amarelada por um soco anterior. Um homem apareceu para recebê-los e Luísa não o encarou, permaneceu de cabeça baixa, com os cabelos a lhe cobrir boa parte do rosto, fazendo questão de demonstrar sua insatisfação.

- Obrigado mais uma vez, avise a seu pai que a trouxe. - Falava Franco. - Como eu disse, não acredite no que ela disser, não passa de uma mentirosa. E não deixe que tenha telefone ou qualquer tipo de comunicação. Sabe como é, temos que controlar agora antes que seja tarde. Ela precisa de ajuda e essa é minha única esperança. - Franco simulou um falso choro.

O padrasto a jogou com um solavanco para dentro da casa fazendo-a ter que se equilibrar para não cair no chão. A essa altura ela não quis saber o quanto o desconhecido estava preocupado com ela, provavelmente era outro capacho de Franco que fazia tudo por dinheiro. Provavelmente a casa fosse do marido de sua mãe também. Esquadrinhou o ambiente da sala por poucos segundos e voltou a se concentrar no piso claro.

- Não se preocupe, cuidarei dela. - A voz do outro homem saía calma, parecia ser jovem.

- Amanhã eu volto com os papéis e converso melhor com seu pai. Eu amo minhas filhas. Minha esposa está sofrendo com isso, desculpe. - Franco fingia secar lágrimas nos olhos.

O outro não respondeu. Luísa queria ver qual era a expressão do rosto do desconhecido. Talvez ele tivesse notado o fingimento e também estivesse com o estômago embrulhado de nojo como ela. Os homens se despediram ao lado de fora e a garota continuava em pé na sala, no mesmo lugar em que a deixaram e de cabeça baixa.

- Você sabe quem eu sou? - Perguntou a voz do homem quando entrou em casa.

     Ela não respondeu, sabia exatamente que se tratava de seu marido, Daniel Zukeran. O nome que aparecia em seu contrato de casamento. Agora só lhe restava saber o porquê de tudo isso.

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