Perseguição

- Felipe, você tem o número do pai de Daniel? – Perguntou Luísa enquanto ainda seguiam o carro da frente. Ela lembrou do pedido que fizera ao sogro.

- Não, mas olhe no e-mail dele, ou a agenda eletrônica, lá deve ter.

Acessar a conta de Daniel pelo celular era realmente útil. Por mais que a situação fosse ruim naquele momento, Luísa ficou curiosa por saber o que mais havia no e-mail pessoal do marido. Mesmo não havendo motivos, um ciúme incontrolável apertou seu coração.

- Conseguiu? – A voz de Felipe a despertou.

- Sim.

Ela ligou, mas este estava desligado.

- Caixa postal... – Falou a garota.

O carro à frente parou em um hotel velho de paredes cor de rosa, chegando ao centro da cidade. Franco saiu sozinho do carro parado na calçada e entrou.

O celular de Felipe toca, um número desconhecido é indicado na tela. Luísa oferece para Felipe atender e ele também não reconhece. Sua expressão muda ao ouvir as primeiras palavras e fica extremamente sério. Ele acelera o carro e deixa Franco para trás.

- Não me assuste, Felipe. – Luísa recomeçou a tremer. – É sobre Daniel?

- Não, o pai dele.

- O quê?

- Ligaram de um hospital. Ele foi levado com ferimentos graves.

- E Daniel? – A primeira lágrima escorreu. – E o meu marido? Volte Felipe, ele pode estar naquele lugar.

- Talvez não, Luísa. Acho que Franco deve ter feito algo aos dois. Temos que achar Daniel antes que aconteça o pior. Se conseguirmos falar com Justino, talvez ele diga onde Daniel está.

Até aquele momento, Patrícia ouvia tudo em silêncio, tentando entender tudo em seu íntimo.

Luísa foi a primeira a entrar na emergência. Procurou pela recepção e perguntou sobre Justino. Uma enfermeira a atendeu.

- Desculpe, qual seu parentesco com a vítima?

- Meu sogro. – Luísa respirava forte.

- Bom, ele sofreu múltiplas perfurações pelo abdômen, teve choque hipovolêmico – Quando há grande perda de sangue ou líquidos do corpo. – Acabou falecendo há alguns minutos.

- Luísa, deixe que eu cuido disso. – Felipe ouvia tudo na companhia de Patrícia e tomou a frente de Luísa.

- Desculpe, mas precisamos que um parente venha resolver.

- Acontece que ele só tinha o filho e a nora. – Felipe olhou em direção a Luísa. – E nesse momento o filho está desaparecido.

- Calma, Lulinha. – Patrícia tentava acalmar a irmã com o apelido carinhoso com o qual a chamava, fragilizada pelo desespero.

- Eu preciso encontrar ele. – Luísa chorava soluçando.

- Seu marido? Mas, você casou de verdade? – Patrícia queria respostas para ajudar, mesmo que o momento fosse inoportuno.

- Vamos ter que passar por todos os lugares em que Franco passou e chamar a polícia. – Felipe falou enquanto esperava a recepcionista trazer alguns papéis.

- A polícia não vai querer ajudar, ele precisa estar desaparecido ao menos por quarenta e oito horas. – Luísa já falava alterada.

- Eu consigo ajudar. – Patrícia segurava os braços da irmã e tentava acalmá-la.

A garota saiu correndo sem perder tempo.

- Onde você vai? – Felipe correu atrás da mulher.

- Felipe, preciso passar naquele bar, preciso passar em casa. Eu tenho que encontrá-lo. – Seu cérebro funcionava com uma descarga de adrenalina desesperada. – Com certeza deve ter sido naquela rua onde ele ficou mais algum tempo depois que saiu do bar.

- Mas, você viu que Franco estava com o celular dele... – Falou Patrícia. – E se ele deixou Daniel na casa para colocar a culpa em você e depois foi para um hotel na cidade para despistar?

- Vamos parar de deduzir as coisas. – Falou Luísa nervosa. – Vamos nos separar. Felipe, você vai com Patrícia até aquele lugar. Ela conhece as ruas pelas proximidades do bar e eu vou voltar em casa para ver se ele está lá. Não podemos perder tempo. Se ele estiver ferido igual a Justino... – Ela quis espantar o pensamento ruim.

- Isso pode ser perigoso... – Felipe tentou argumentar, mas foi interrompido.

- Eu não posso esperar mais. Cuide de minha irmã, Felipe. Estou confiando ela a você.

Felipe tremia também. Já havia passado de uma hora da manhã, mas a adrenalina não deixava eles se sentirem cansados. O rapaz tirou a carteira do bolso e deu dinheiro a Luísa para pegar um táxi, enquanto ele corria para o carro com Patrícia.

Depois do que pareceu uma eternidade, Luísa desceu do táxi e correu desembestada até a casa. Ela estagnou no caminho ao ver a porta aberta e tudo escuro. Andou mais devagar e assustada. Não parecia haver barulho, mas estava com medo de que houvesse alguém a sua espera ou...

“Não, não, Daniel não pode estar morto...”. Ela reparou que nem mesmo o cachorro latia.

A garota se sentia num filme policial, encostada na parede, tentava olhar para dentro da casa e não ser vista. Avançava aos poucos, se escondendo atrás dos móveis e das paredes. A mesinha do corredor estava fora do lugar, alguém esbarrou ou a chutou com violência. Talvez Franco tenha se revoltado por não encontrá-la na casa. Um volume no chão da cozinha a fez correr desesperada. Acendeu as luzes sem se importar com o que poderia acontecer.

Jonas estava caído de olhos abertos e triste. Não se levantou e tampouco emitiu algum som. Luísa agachou ao lado e fez carinho na cabeça. Sem sombra de dúvidas Franco também se vingou do cachorro. O animal respirava a intervalos curtos e rápido.

- Desculpa, meu amor. Me perdoa. Me diz o que eu faço? Tenho que achar Daniel, mas não posso deixá-lo aqui assim. – Falava Luísa.

Ela tentou tocá-lo, mas ele chorou num som fino de sofrimento.

- Esse safado quebrou alguma costela sua. – A mulher sabia o que era pelas reações. – Jonas, eu não posso mexer em você. Se algum pedaço perfurar seu pulmão eu não tenho como socorrê-lo.

A experiência e os estudos a fez identificar rápido o que acontecia. Ela subiu até os quartos e verificou tudo. Não havia ninguém mesmo. Ela procurou um papel e uma caneta e rabiscou um bilhete para Berta que voltaria na segunda. Achou um lençol limpo, e voltou para o cão. Passou o lençol por baixo dele e tentou acomodá-lo o melhor possível.

- Vai passar, tudo bem? – Ela deu um beijo em Jonas. – Você é um cachorro forte. Mas fique quietinho está bem? – Ela falava como se o cachorro pudesse entender. – Só se levante se estiver com muita fome ou sede, pode fazer suas necessidades aqui mesmo, ninguém vai brigar.

Ela correu para buscar uma almofada no sofá e repousou a cabeça do cão. Encheu os dois potes com ração e água fresca e deixou ao lado.

Pela primeira vez ela sentiu o cansaço. A adrenalina estava passando e percebeu que sentia fome, mas precisava achar Daniel. Não tinha meio de comunicação com Felipe. Para completar ela ouviu um barulho de carro chegando ao longe.

Era tarde demais para apagar as luzes. Agora sabiam que havia alguém dentro da casa. Se subisse as escadas ficaria encurralada no andar de cima. Se ficasse no jardim a encontrariam com facilidade. Seu cérebro funcionava na defensiva.

Os passos foram ouvidos na entrada, atravessou a sala e ficou parado no corredor. Não parecia ser os conhecidos passos de Franco. Luísa se escondia atrás do sofá evitando respirar muito forte. Sua adrenalina estava de volta, mas seu corpo estava fraco e tremia. Ela tinha que arranjar um jeito de parar de tremer sempre. Deu a volta pelo lado esquerdo chegando perto da entrada ao perceber que a pessoa se dirigia à cozinha. A garota precisava saber quem era, se fosse Daniel ele teria gritado por ela. Ou não?

A pessoa subiu, ela esperou ter certeza que estava livre para conseguir sair. Depois correu para o lado de fora onde o farol do carro desconhecido estava ligado. Luísa não o reconheceu. A buzina soou. Alguém estava no carro vigiando sua saída.

Alguém tocava a buzina desesperadamente e ela correu assustada. Se embrenhou no capim alto e lançou alguns olhares para trás. O ocupante do carro também corria, mas na direção errada. Não conseguia enxergar direito na escuridão da madrugada e única luz disponível vinha de postes há metros de distância na estrada. Não conseguia identificar para onde ia, nem onde pisava. Corria como se sua vida dependesse disso, e dependia mesmo. Tinha muito medo de bichos peçonhentos e insetos, mas a essa altura nada importava.

Sentiu o chão mais firme sem a lama da última chuva. Ela se agachou esperando para ouvir algum barulho. Os grilos não a deixavam se concentrar.

“Meu Deus, estou tão cansada. O que eu faço?”. A energia acabava lentamente. Tinha tanto sono que não sabia se aguentaria muito tempo. O mato parecia muito convidativo para dormir. Se Daniel estivesse mesmo ferido, talvez devesse parar de lutar e se entregar de uma vez. 

As pernas sucumbiram e ela caiu. Se dormisse só um pouco já bastaria para conseguir recarregar um terço de sua energia, depois se preocuparia com a fome. Ela apagou. Não teve sonhos, tudo foi escuridão.

Nunca se sentiu tão perto de morrer de ataque cardíaco quando acordou com um sapo perto de seu rosto contrastando com os primeiros raios de sol. Ainda estava deitada no mato e se levantou correndo. Estava em péssimo estado, sua blusa de tricô tinha mato grudado e terra.

- Que droga, que droga. – Ela esbravejava com o susto e jogando a terra e as formigas para longe de seu corpo.

Estava tão esgotada que não sobrou forças para sentir frio. Olhou por todos os lados e não viu uma viva alma. Seguiu o caminho contrário da casa, não voltaria lá por nada. Agora que seu cérebro funcionava melhor, lembrava da silhueta dos homens correndo, mas nenhum parecido com seu marido ou Franco.

“Ah, meu marido.” Ela começava a ficar mais triste. Seu coração doeu ao olhar a aliança, pensando que talvez nunca mais o visse. Se arrependeu de ter dito que nunca o perdoaria se não voltasse. O que mais queria agora era vê-lo vivo e bem. Mais uma vez seu ex-padrasto provava que podia fazer o que quisesse. “Vale a pena lutar contra isso? Estou mentalmente cansada, parece que já vivi uma vida inteira.”

Uma música a despertou. O ritmo de forró vinha de um bar vinte e quatro horas na beira da estrada. O bar era sujo e de madeiras podres, mas pediria ajuda ali mesmo.

Encontrou uma mulher atrás de um balcão improvisado de madeira que vendia bananas. A moça a olhou curiosa. Luísa devia estar um lixo, descabelada e assustadora. Pediu a mulher um telefone emprestado, inventou que se perdeu dos amigos no meio do matagal e só conseguiu se localizar depois que amanheceu.

- Você mora para aquele lado? – Perguntou outra mulher abaixando o som.

- Não. – Mentiu. Não podia confiar em outras pessoas.

Ela se concentrou um pouco e lembrou do número da irmã.

- Patrícia?

- Lu? Graças a Deus. Você está bem?

- Não muito...

Outra voz falou.

- Onde você está?

- Felipe? Você passou a noite com a minha irmã?

- Depois eu explico, onde você está? De quem é esse telefone?

- Estou num bar à beira da estrada. Acho que é o primeiro depois de pegar a estrada. – Ela abaixou a voz. - Ontem dois homens foram na casa. Um carro estranho estava lá e então eu saí correndo. Acho que foram me pegar.

- Luísa, preciso que fique calma. – Começou Felipe. – Daniel...

- Não me diz nada... Não posso ouvir isso. – O coração disparava e as lágrimas escorreram sem piedade. Pelo tom de voz ela podia deduzir uma tragédia.

- Escute, Luísa. Nós achamos ele. Está hospitalizado. – Ele pausou um instante e continuou. – O estado dele é grave.

A garota sentou no chão sujo sem se importar e chorou. Felipe sabia que ela estava arrasada, mas continuou desanimado:

- Parece que ele levou tiro no pulmão, perdeu muito sangue e está desacordado. Foi levado para a cirurgia às pressas. Um médico falou para esperar pelo pior.

Ela desligou o telefone e a mulher atrás do balcão a olhava com expressão de pena.

- Quer sentar e beber uma água? – Ofereceu a mulher.

Luísa se deixou conduzir. Doía tanto que poderia morrer ali e não ia se importar.

- Eu preciso ver meu marido... – Ela falou mais para si mesma.

De cabeça baixa ela esperava Felipe, ele deveria chegar em vinte minutos. As pessoas que estavam no bar cochichavam por suas costas, não se importaria com isso se não tivesse ouvido que ligaram para alguém buscá-la.

- Para quem ligaram? – Ela perguntou se levantando.

- Não é nada, menina. Fique tranquila...

“Porque a vida é tão ruim comigo? É claro, Franco sabia que eu chegaria em algum lugar para me esconder e pediu que chamassem ele.

- Seu pai vem buscá-la...

- ELE NÃO É MEU PAI, ELE ME SEQUESTROU... – Ela derrubou a mesa aos gritos e os outros se assustaram. – O QUE FOI? ELE TAMBÉM DISSE QUE EU IA REAGIR ASSIM?

Ela viu uma faca atrás do balcão e pegou sem pensar, escondeu no cós da calça e saiu do estabelecimento.

Tarde demais.

O carro prata estacionou na entrada do bar. Luísa tentou correr para o lado oposto, Franco saiu e correu atrás. Ela era mais rápida, porém, estava em desvantagem pela fraqueza, não aguentaria correr por muito tempo. Se embrenhou no mato de novo, mas dessa vez não conseguiria se esconder.

Com facilidade, Franco a alcançou. A garota já tinha a faca nas mãos e desferiu contra ele. Não acertou. Ele a jogou no chão e Luísa lhe cortou a panturrilha. O demônio nem cócegas sentiu e a segurou no chão por cima do capim. Franco acertou um tapa forte no rosto da ex-enteada e a sufocou. Ela se debatia ferozmente tentando chutá-lo. Quando estava quase desfalecendo ele a soltou.

Luísa respirava tentando puxar o ar de volta. Franco jogou a faca longe, sua perna jorrava sangue.

- Você tem sorte, vadia. Quero você linda desse jeito. Se não fosse tão bonita teria lhe cortado todo esse rosto.

Ele a golpeou fazendo-a desmaiar.

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Claudia Santos

Claudia Santos

COITADINHA E EU ACHANDO QUE TUDO JÁ IA FICAR BEM

2020-05-26

6

Cintia Martins

Cintia Martins

mais por favor

2020-03-13

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