Confissão

- Jonas! – Gritou Daniel tentando erguer a mulher do chão.

Luísa não estava mais assustada, o cachorro a lambia freneticamente por todos os lados. Pela primeira vez em dias ela sorria sentada no chão se divertindo com o cão.

- Desculpe! – Pediu Daniel agarrando Jonas pela coleira. – Eu deixo ele dentro de casa quando saio.

O Golden ainda se mexia fervorosamente querendo fungar a novata. Daniel o levou para o jardim pela passagem da cozinha. A garota se levantou e foi para o quarto ainda sorrindo sem perceber. Tomou banho para tirar o cheiro de hospital, já estava bastante tarde. Faltava pouco para a madrugada. Daniel bateu na porta.

- Quer comer alguma coisa?

A voz dele a fez lembrar de sua aparência. Como era lindo. E ela não podia se deslumbrar e nem se atrair por ele.

- Franco vem amanhã trazer o restante de suas coisas. – Informou Daniel através da porta. 

Ouvir aquele nome a fez ter ataques de ansiedade. Tremeu um pouco. Fingiu dormir para não responder e deu certo, Daniel foi embora e não insistiu.

De manhã Franco chegou logo atrás de Berta com mais duas malas.

- Desculpe vir tão cedo, mas ainda preciso trabalhar. – Explicou Franco. – Posso vê-la?

O rapaz não teve como negar e deu passagem para o homem. Franco abriu a porta do quarto sem se anunciar, Luísa já estava acordada, contudo, continuou de olhos fechados, sabia que o padrasto estava ali. Tentou não tremer, teria que ser uma verdadeira atriz e se controlar.

Ele a observou por alguns segundos, o que a fez ficar incomodada. Se aproximou da cama e lhe deu um beijo na bochecha. Ela estava deitada de lado para não ter que se denunciar e foi a deixa para que ele passasse a mão “por acidente” em sua nádega e na coxa. A vontade de Luísa era gritar e bater muito no homem de tanto nojo que sentia, mas antes precisava saber se sua família estava segura. Antes de qualquer coisa precisava pensar na irmã e na mãe.

Daniel via tudo pela fresta aberta da porta. Já esperava por isso. Depois do que soube no hospital ele imaginou o tipo de violência que aquela jovem de vinte e dois anos sofria. Devia aguentar isso há anos para conseguir suportar daquele jeito.

- Eu acho melhor você se alimentar bem, não quero acabar descobrindo que você foi ao hospital. – O homem falou no ouvido dela.

Luísa não teve mais como fingir que dormia, sentiu o hálito quente na orelha e tremeu levando a mão ao ouvido como se quisesse limpar a sujeira.

- Franco? – Daniel chamou das escadas, disfarçando para acabar com a tortura da esposa.

O padrasto saiu do quarto quase desorientado.

- Como ela está? Não está comendo direito desde que chegou. – Ele tentava puxar conversa para desviar a atenção. – Conseguiu falar com ela?

- Não, meu filho. Ela está dormindo, mas eu notei que está mais pálida e magra. Tente fazê-la comer, mesmo que seja a força. A mãe anda muito angustiada.

- O senhor pode se tranquilizar, ontem eu consegui fazer com que comesse, a menina vai se recuperar rápido, é só questão de tempo. – Falou Berta se intrometendo. – Ela só precisa se adaptar ao campo.

– Ela parecia sentir igual repugnância. – O senhor aceita um café?

- Não, muito obrigada pela ajuda de vocês, mas preciso mesmo ir. Não sei o que faria se não tivesse esses bons amigos. Espero que ela não cause muitos problemas. – Franco se despediu. – Qualquer coisa que acontecer me avisem por favor, talvez eu venha no final de semana para visitá-los.

Após a saída do indivíduo Daniel contou para Berta o que aconteceu na noite anterior e o que descobriu. A mulher ficou chocada, em seu íntimo ela já desconfiava disso. A menina sofria abusos e agressões. Um sentimento de compaixão a invadiu e ela se adiantou para ver como Luísa estava.

Ao chegar no quarto ela ouviu o barulho do chuveiro da suíte, abriu a porta e viu a menina chorando como uma criança, agachada no canto do box com a lateral do corpo, onde Franco encostou, toda arranhada. Ela esfolou a unhadas, tamanho era seu nojo.

Berta a ajudou a terminar o banho, os arranhões ficaram feios e a roupa incomodava encostando nos machucados. A babá sugeriu que aproveitasse suas coisas e se arrumasse um pouco para se animar.

- Perdão pelo trabalho...

- Não se preocupe, minha querida. Eu já sabia que ficaria assustada com isso.

Luísa a abraçou sem cerimônia, se sentia segura passou a sentir confiança na babá de Daniel.

Embora não falasse muito a garota fez companhia enquanto Berta preparava o almoço. Ela viu Jonas, o cachorro de raça Golden, pela vidraça que separava a cozinha do jardim. Pela segunda vez naquele dia ela fez algo fora ficar na cama. Foi até o cachorro e brincou com ele até se cansar. Amava cachorros e gatos, sempre quis ter, mas nunca lhe permitiram.

- Você é tão jovem para sofrer desse jeito... – Avaliou Berta.

- Isso me acompanha desde a infância, sempre fui forte, mas agora saiu de controle. – Luísa falou finalmente de cabeça baixa.

Berta aproveitaria a chance para conversar com a menina.

- Franco parece ser bem ruim, desde o início não fui com a cara dele.

Luísa não falou, tinha medo de falar demais e sofrer as consequências. Berta percebeu.

- Minha filha, confie em mim e em Daniel. Já que está aqui, vamos protegê-la. Meu menino é um bom garoto, não vai te fazer mal. – A babá desatou a falar para dar mais confiança. – Aproveite a chance de estar casada com ele para não deixar aquele homem se aproximar de você...

- Mas... Ele sabe que fui ao hospital. – Falou tentando não deixar as lágrimas descerem. Seu ódio se misturava ao desespero.

- Não, minha querida. Ele não tinha como saber.

- Ele falou no meu ouvido... – Ela respirou fundo. – Que eu deveria me alimentar para que não descobrisse que fui ao hospital.

- Tudo bem, escute. Tudo o que fizer aqui vai ficar entre nós três. Meu menino está indignado e disse que se soubesse disso desde o início não teria concordado em se casar desse jeito, mas já que ele fez isso, vai te dar cobertura. – Berta a olhava com carinho. – Você nunca tentou fugir? Porque aceitou casar assim?

- Porque meu padrasto me quer, eu tentei, fiz de tudo, mas ele me ameaçou. Ameaçou a escolher entre minha vida ou a de minha mãe e irmã.

- Deus do céu. – A mulher levou a mão à boca surpresa. – Você ainda tem uma irmã no poder desse homem? O que sua mãe pensou ao se casar com um ordinário desses?

- No início ele era um amor, uma personalidade falsa para atrair a presa. Depois que foram morar juntos o inferno começou. Eu tinha doze anos e foi a primeira vez que ele investiu contra mim. Todo o tempo em que namorou minha mãe, desde os meus seis anos, ninguém nunca se deu conta que era comigo suas fantasias. Para as outras pessoas ele era um bom homem, um ótimo pai. Sempre me dava o que eu queria, os melhores presentes, a melhor escola. Minha irmã ficava em segundo plano. Eu acabei percebendo tudo sozinha, mas ninguém acreditava em mim. Parei de querer depender dele e consegui meu primeiro trabalho aos dezesseis anos. Então começaram as ameaças e as pressões psicológicas, eu perdi meus amigos, não podia sair de casa para comprar bala na padaria da esquina, não podia namorar, tirou meu celular, computador. Fiquei incomunicável para o mundo durante dois anos. Até meus livros ele tirou, disse que não queria que eu fosse mais inteligente que ele. Vivia como uma serva. Minha mãe não se dava conta, achava que eu era preguiçosa e não queria trabalhar e nem estudar. Quando fiz dezoito anos ele não podia mais me prender. Os vizinhos do condomínio desconfiavam, ele não teve saída a não ser me deixar arranjar um emprego. Eu mesma paguei meus estudos. Ele me seguia e pagava a outras pessoas para me seguirem, na época do colégio o próprio funcionário me confirmou isso: "Seu pai está me pagando para ficar de olho em você". Comecei a responder e a brigar com ele constantemente, minha mãe sempre apartava as brigas. Ele tirou as chaves de tudo, até do banheiro e entrava sempre quando eu estava tomando banho. Eu berrava pedindo socorro, quando minha mãe aparecia ele dizia que não sabia que eu estava lá dentro. Óbvio que era mentira, porque dava para ouvir o barulho do chuveiro ligado, a luz acesa. O que custava bater na porta? Ou devolver a chave? Então a última briga foi a pior de todas, eu planejava fugir, cheguei alguns minutos atrasada por causa do trânsito, discutimos tão feio que quase saímos no tapa, consegui chamar a polícia, o policial chegou a levá-lo, conversou comigo no corredor do prédio avisando que ele iria preso. Achei que finalmente estaria livre, mas naquela mesma noite ele voltou para casa. Soube depois que um vizinho o viu indo de viatura até a empresa que ficava perto de onde morávamos, subornou os dois policiais e saiu ileso. Ele tem muitos amigos poderosos e não é tão fácil condená-lo por algo. E então ele aproveitou o dia em que me pegou sozinha e me ameaçou. A vida das duas em troca da minha. Colocou as primeiras roupas que viu no meu guarda roupa dentro de uma mala e me arrastou para o carro. Mandou eu assinar uns papéis que já tinham outra assinatura e então já estava casada. Ele já havia planejado tudo. No caminho para cá ele me falou tudo o que eu devia fazer. Ficar calada, não sair, não tentar fugir, não ter relações sexuais com Daniel porque eu pertencia a ele. Ele tinha as duas únicas pessoas da minha família em seu poder, fui encurralada contra a parede sem poder me mexer. Agora estou aqui.

Berta a olhava chocada, não podia acreditar no que acabara de ouvir. Como uma coisa dessas podia existir? Por isso era difícil dar crédito, era uma história impossível. Era mais fácil mesmo pensar que a menina era drogada, pensar que sua sanidade mental estava comprometida e precisava de ajuda. Quem não a conhece realmente deve julgar desse modo.

     Berta sentiu a sinceridade de Luísa nas palavras e decidiu que daquele dia em diante a ajudaria a se livrar de vez de Franco, ou pelo menos se esquivar de suas investidas.

Mais populares

Comments

Claudete Feler Pie

Claudete Feler Pie

Nossa só quero ver ela sair dessa

2023-07-22

0

Lima

Lima

CREDO chocada

2022-04-20

3

Claudia Santos

Claudia Santos

ESSA HISTÓRIA É MUITO BOA MESMO

2020-05-25

2

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!