Eu só queria sair bem de fininho antes de Rui acordar, mas parece que esse cara tem um sensor antimovimento que sempre se ativa quando eu estou prestes a sair.
- Onde você vai? - ele me olhou com os olhos meio sonolentos... que fofo!
O cabelo de Rui é tão cumprido quanto o meu era e está preso em uma trança (pelo que pude notar das outras duas experiências, ele sempre trança o cabelo antes de dormir), mas ainda assim tenho vontade de lhe fazer um cafuné.
- Eu vou para a auto escola. - respondi sem conseguir fugir a tempo do seu abraço, eu estava sentada na cama para colocar os sapatos e ele se aproveitou da situação.
- Você não precisa dirigir carros em Nyur. - ele argumentou. Bom ponto.
- Posso te perguntar uma coisa? - pedi desistindo de me soltar.
- O que? - ele se sentou e me arrumou sentada entre suas pernas.
- Se vocês usam espadas, como podem ganhar contra Maram em uma guerra? - perguntei dando em vão um soquinho no seu braço, que estava agora em volta da minha cintura.
- As espadas são para os nossos conflitos internos e as armas de Maram são para os conflitos internos deles, uma guerra entre países é resolvida em um jogo de estratégia. - ele falou no meu ouvido, fazendo todos os pelos do meu corpo arrepiarem. - É contra a lei derramar sangue estrangeiro com qualquer arma, é pena de morte na hora.
- Sério? - perguntei surpresa, isso é estranho.
- Claro. Se alguém perde a "guerra" uma grande quantidade de território é dada como compensação ao vencedor. - ele parecia achar o assunto muito chato. - Mas imagine que os nativos de Maram em um território entregue resolvam se rebelar e usar armas para atacar os cidadãos de Nyur. Não seria mais algo castigado com pena de morte, seria assuntos "internos" e nessa vários cidadãos seriam mortos pelo preconceito.
- Por isso você e meus "pais" não entram em guerra? - tentei me soltar mais uma vez.
- Sim, seria problemático para eles perder território e problemático para Nyur ter que lidar com os conflitos causados pela xenofobia. - do jeito que ele fala é como se tivesse certeza de que ganharia a guerra. - É uma tradição essa regra do jogo e a compensação, por isso nós não ousamos ignorar ela, enquanto tudo estiver bem a tradição vai existir.
- Mas... Por que essas regras? Digo, porque derramar sangue estrangeiro é crime?
- Derramar qualquer tipo de sangue é proibido, mesmo entre nós. São só em poucos casos que é permitido e normalmente os soldados tem uma licença para matar, desde que não sejam pessoas inocentes, e mesmo quando derramam de pessoas que merecem é preciso um julgamento para determinar se é aceitável. - Ouvir sua explicação é tão bom, quanto mais ele fala mais amo sua voz. - Também, o povo é bem independente, eles não seguem a qualquer líder e se um deles for tirano o bastante para querer uma guerra armada, ninguém no exército o seguiria. Nosso povo já foi muito traumatizado pela guerra, ninguém quer viver o inferno duas vezes.
- Isso é diferente desse mundo, aqui as pessoas nunca aprendem a odiar a guerra, não importa o quanto sofram por causa dela. - comentei me sentindo meio deprimida.
- Uma hora eles aprendem... Ou simplesmente vão se autodestruir cada vez mais e deixar de existir. Você não precisa se preocupar, você vai estar segura em Nyur. - ele me deu um beijo no pescoço e finalmente me soltou, descendo da cama.
- Então o que exatamente eu sou depois daquele seu anúncio estranho?- precisei me esforçar para não vacilar nas palavras.
- Ah, você cuida dos cidadãos com o poder militar, resolve conflitos etc. - ele deu de ombros e foi caminhando até o banheiro. - Não saia sem mim, eu vou ir junto.
- Mas... - ele não me deixou terminar e se trancou no banheiro.
Bom, eu acho que não tem problema esperar um pouquinho... liguei a TV e coloquei bem baixinho, notei que Rui sempre passa bem longe de qualquer tecnologia, apesar de parecer tranquilo no carro ou elevador. Acredito que ele não goste dessas coisas por não estar acostumado, eu até deixei meu celular na varanda ontem para o deixar mais confortável.
Um comercial sobre jóias está passando na TV e era bem clichê, um homem procurando em uma joalheria, até que a vendedora mostra algo a ele. Para dar aquele suspense, nada além do rosto surpreso do homem é mostrado. A cena muda e agora a esposa dele abre a caixa e encontra um lindo bracelete delicado feito de...
Sabe aquele momento em que seu coração parece parar? Então, foi isso que aconteceu quando eu vi que o bracelete era claramente feito do mesmo material que o colar que ganhei de Rui. Tem algo de errado, muito errado.
Desliguei a TV e saí do quarto rapidamente, eu tenho que perguntar ao Carlos antes de falar qualquer coisa que possa preocupar Rui. Mas onde vou encontrar ele?
- Oi! Você por um acaso viu meu irmão? - perguntei para a recepcionista. - Ele é muito parecido comigo e é meio inesquecível.
- É um rapaz bonito de cabelo castanho? Eu vi você, ele e mais um homem ontem... eu acredito que o vi ir para a piscina. - ela apontou a direção.
Eu agradeci e corri até lá, como ele pode estar na piscina tão cedo?
Tem bem poucas pessoas aqui, então é fácil encontrar Carlos, ele está conversando com um homem de meia idade em um dos quiosques. Ele parece transtornado e não está com roupa de banho, então o que aconteceu?
- Ei...- chamei quando me aproximei, mas achei melhor deixar eles terminarem de conversar.
- O senhor pode, por favor, ir vê-la? - Carlos pediu quase implorando.
- Eu estou de férias e...
- Eu pago o quanto o senhor quiser! - ele não deixou o homem recusar, o senhor sorriu e se levantou feliz. - Obrigada!
- Carlos? - chamei meio curiosa, ele me lançou um olhar vazio antes de se virar para o homem e o instruir sobre como chegar ao seu quarto.
- Desculpa, eu não estou com ... - ele se virou para mim, está escrito na minha testa que estou preocupada?
- O que houve? - perguntei percebendo que ele queria seguir o homem e começando a caminhar na mesma direção.
- A Ana não está bem. - ele parecia tão preocupado que eu me assustei.
- O que ela tem?
- Bom... - ele corou. - Eu não sei, ela estava no banho, então depois que eu chamei, ela não respondia, por isso entrei.
- Precisa se envergonhar não, continua. - eu ri da cara dele.
- Bom, ela estava bem pálida e sentada no chão do box, o chuveiro ainda estava ligado e ela olhava meio estranho para a parede enquanto tampava os ouvidos. - ele apertou o punho, o que diabos está acontecendo? - Quando eu chamei de novo, ela começou a chorar e se encolheu mais ainda.
- Cara, isso é muito estranho, acho que nunca ouvi sobre algo assim acontecer... - nós já estamos no elevador e ele parece muito mais velho com essa ruga de preocupação na testa.
- Eu consegui acalmar ela e a levar para a cama, mas ela caiu no sono depois de segurar a minha mão e chorar em silêncio por um tempo. - eu quero confortar ele, mas como posso fazer isso? Eu não sei. Talvez eu devesse abraçar ele, mas ele pode estranhar, já que não somos tão próximos. - Aquele homem é um médico, segundo o que me disseram, pedi para ele olhar ela.
- Entendo... espero que isso passe logo.
Eu fiquei muito pouco tempo com a Ana, mas ela é uma garota muito madura e concentrada. Apesar da carinha de quatorze, eu sei que ela já tem dezoito e sempre admirei muito ela. Saber que aquela garota durona e rígida estava chorando até me assusta um pouco.
O mais assustado nessa situação é Carlos, ele pode parecer relativamente preocupado, mas eu sinto aqui dentro que isso é só a pontinha do iceberg e que ele ama e se preocupa muito mais com Ana do que o que não consegue esconder.
- Você tem ideia do que pode ter causado isso? - ele novamente corou quando eu perguntei.
- Antes eu tinha uma ideia, mas agora que tudo isso aconteceu não tenho certeza mais.
- E o que você achava que era? - nós descemos do elevador e fomos em direção ao quarto.
- Você é muito nova para ouvir isso. - ele bagunçou meu cabelo enquanto eu fazia uma careta.
- Uai! Eu pensei que fôssemos gêmeos! - me afastei de sua mão.
- "Uai"?
- Me erra! - eu chutei fraco a perna dele. - Me diz!
- Eu pensei que ela estivesse... bom, ela estava se enjoando muito fácil e demonstravs sinais de... - ele coçou a cabeça, constrangido.
- Gravidez?! - coloquei minhas mãos em frente a boca, que estava aberta de surpresa. - Não brinca! Mas ela é tão certinha, como vocês... mas vocês ainda nem são casados!
- Quem disse? - perguntou sorrindo de lado.
AI MEU DEUS! Eu nem sabia que tinha família e agora sou até tia, o que está acontecendo?!
- De qualquer forma, assim que isso aconteceu hoje de manhã, penso que a causa pode ser outra. - ele ficou mais sério. - Eu acho que ela foi envenenada.
- O que? Quem envenenaria ela aqui?
- Eu não posso dizer com certeza, mas suspeito de uma droga proibida em Nyur, ela vem das montanhas e qualquer um que é pego com ela, recebe pena de morte. Muitos chamam de droga, mas ela tira tantas vidas quanto o veneno mais mortal do mundo.
Ele abriu a porta, o médico já estava lá, dando uma olhada em Ana. Para mim ela parece tão diferente que faz eu querer chorar, só não vou até ela porque sinto que Carlos vai me contar algo importante.
- Uma pequena quantidade dela causa dependência e se a pessoa não toma doses com regularidade, pode acabar ficando louca, depois de um tempo até mesmo pode perder a própria humanidade. - ele parecia tão triste falando isso que eu cedi e o abracei.
Me sinto estranha o abraçando assim, acho que nunca abracei alguém que não fosse meu irmão... digo, o Edu e o Rui, mas abraçar Carlos faz eu me sentir diferente. Eu queria que esse abraço pudesse dizer a ele: "Eu estou aqui, vou te apoiar e ficar ao seu lado nesse momento difícil."
Para falar a verdade, tive que me segurar para não pronunciar essa frase, definitivamente há algo errado acontecendo e eu não posso preocupar ele ainda mais, vou ter que resolver sozinha e talvez não possa estar ao lado dele.
- Tem alguma possibilidade de essa droga ter vindo de Nyur para cá? - perguntei baixinho, não sei se era impressão minha mas o médico parecia estar bem atento a nossa conversa.
- Não. Ela pode ser proibida mas não haveria lucro nenhum em trazê-la aqui... Rui e seus ancestrais sempre compram de qualquer pessoa que a possuir por um preço enorme e garantem que se em vez de usar ou vender para outros a pessoa vender a eles, ela não será morta. Nem mesmo traficar ela por uma vida inteira daria tanto dinheiro. - ele respondeu também baixinho, mas acho que é só porque eu estou fazendo, ele está alheio ao homem. - Não tem como pessoas comuns chegarem até as montanhas para a recolher, então acredito que em Nyur ou Maram não exista formas de a conseguir, principalmente o bastante para ser desperdiçado com uma servente.
- Ou seja, o único que possui a droga é Rui. - Carlos me olhou com se fosse um absurdo pensar que é obra dele. - Não estou o acusando, mas se ele possui a droga, alguns funcionários devem saber onde ela está.
- Isso... faz um pouco de sentido. Mas não tem porque alguém querer Ana morta.- ele olhou para ela de canto de olho.
- Mas talvez usem para tentar chantagear ela.
- O que você quer dizer? - ele pareceu totalmente concentrado, aposto que quer se agarrar a qualquer chance de descobrir quem fez isso.
- Quando eu cheguei em Nyur, Rui me deu um tratamento bem especial e eu duvido que ele tenha mandado qualquer pessoa para ficar comigo. - um brilho de entendimento passou por seus olhos. - Ana deve ser bem importante, mesmo sendo uma serva. Acho que de duas uma: ou ela está sendo obrigada a cooperar com alguém para não morrer ou a pessoa quer simplesmente atingir Maram.
- Mas a Ana não é de Maram, o que significa que... - ele me olhou com os olhos obscuros. -... é uma advertência para nós dois. Mas quem sabe que somos de Maram?
- Exatamente, é um mistério. - estalei meus dedos, ele parecia estar seguindo meu raciocínio. - Eu quero fazer algo.
- O que? - perguntou com uma cara de quem não vai concordar.
- Eu vou voltar para Nyur.
- Nem em sonhos, nós vamos ficar aqui por pelo menos um mês e você vai ficar bonitinha ao lado de Rui. - ele me segurou pelos ombros.
- Você reconhece isso? - tirei o pingente do colar que Rui me deu de dentro do decote da camiseta.
- Claro, é claramente gerin...
- Ei, moço! - chamei e o médico se assustou, ele estava preocupado em ter sido pego escutando a conversa. - O senhor reconhece isso?
- Oh, é daquela linha de jóias nova super cara! Não sabia que já estava disponível! - os olhos dele se arregalaram em expectativa. - Posso ver?!
Ele se aproximou enquanto eu e Carlos trocamos olhares, pela expressão dele também é uma surpresa que esse material exista aqui. Ou melhor, creio que seja impossível.
Se esse material não existe aqui, significa que alguém trouxe sem que ninguém soubesse, mas Rui tem supostamente um aliado que lhe conta tudo de importante. Não tem como esse informante não perceber que esse material super raro e valioso está sendo movido.
Bom, eu não sei se essa pessoa sabe ou não disso mas não podemos confiar nela cegamente, por isso eu devo ir. O nosso objetivo é deixar a pessoa que está por de trás dos panos segura o bastante para fazer o movimento dela e se mostrar, mas também não podemos abandonar tudo assim, por isso mandar "a selvagem" é a melhor escolha, nós dois sabemos disso. Eu não sou uma ameaça muito grande para eles, não tanto quanto Rui e Carlos (isso se eles realmente não notaram quem eu sou).
- Não tem chances de Rui te deixar ir. - ele falou depois de dispensar o médico, aparentemente ele não acha que Ana está em estado de ser atendida aqui e ela tem que ser levada a um hospital.
- Você vai me ajudar. - olhei para Ana, odeio ter que usá-la assim. - Nós vamos dizer a ele que eu vou voltar para cuidar da Ana escondido dos outros mas depois de deixar ela com a família dela, vou voltar para a mansão e descobrir o que está havendo.
- Isso não é certo! - ele parecia prestes a gritar comigo.
- Nós dois sabemos que é a única saída. - eu andei até a porta. - E também, é possível que em Nyur eles consigam tratar adequadamente dela, eu não quero que a Ana morra.
Carlos tentou dizer algo, mas vê-la na cama o fez concordar. Okay, agora eu só preciso pensar em um jeito de fazer com que sejam ainda mais contra mim a ponto de acreditarem que sou apenas um estorvo e se mostrarem. Ainda bem que tenho dez anos de experiência em ser odiada, então sei quase exatamente o que fazer.
___________💕Recado da Autora💕____________
E aí, galerinha?
Bom, nós já estamos com 12 capítulos (ufa!) e eu queria agradecer a quem chegou até aqui comigo, e a todos que em algum momento comentaram. É muito gratificante entrar no MangaToon e ver os comentários de vocês ❤
Bom, eu acho que talvez tenha alguns furos na história (tenho essa impressão) peço desculpas caso vocês tenham notado algum, mas juro que assim que concluir a novel eu reviso tuuuudo.
Enfim, é isso, espero que gostem do cap de hoje ❤
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 46
Comments
Mikaely Barbosa
O Autor (a) esta de parabéns a história tá incrível tô amando ❤❤
2020-04-21
2
Evelin Santos
esta muito topp continuaaa quero maia. fiquei das 22:00 ate as 2:30 lendo. amoree nao para.
2020-01-26
4
Sarah Nunes
fora o bug, eu amei essa história.
2020-01-26
4