Conexão Desconhecida
A noite estava fria, e a chuva transformava as ruas em rios escuros. Ana caminhava rápido, sentindo o tecido da calça jeans pesado e úmido, grudando em sua pele. A aula de reforço tinha demorado demais, e sua mãe já devia estar mandando mensagens. Mas ela não queria olhar o celular. Não agora.
A cidade estava estranhamente silenciosa para um dia de semana. O trânsito tinha diminuído, e poucas pessoas caminhavam apressadas sob os toldos e marquises para evitar a chuva. O som dos pingos batendo no asfalto ecoava na avenida, misturando-se ao zumbido baixo dos postes de luz.
Virando a esquina, Ana notou um movimento incomum na calçada à sua frente. Um rapaz, encostado contra a parede de um prédio abandonado, digitava freneticamente em um laptop pequeno e desgastado. O brilho azulado da tela iluminava seu rosto, destacando a expressão tensa e os olhos que saltavam de um lado para o outro, como se procurassem algo—ou alguém.
Ana sentiu um arrepio.
Ele parecia desesperado.
Seu primeiro instinto foi ignorá-lo e continuar andando, mas antes que pudesse decidir, o garoto fechou o laptop com força e olhou diretamente para ela. O olhar dele era intenso demais, quase cortante. Ana congelou.
— Você viu alguma viatura por aqui? — ele perguntou, sem rodeios.
Ela franziu a testa, confusa.
— O quê?
— Viatura — ele repetiu, agora se afastando da parede. — Polícia. Você viu alguma?
Ana olhou ao redor, tentando entender se aquilo era um assalto ou se ele estava apenas… maluco.
— Não — respondeu, ainda hesitante. — Por quê?
O rapaz respirou fundo, passando a mão pelos cabelos pretos, encharcados pela chuva. Por um breve momento, ele pareceu aliviado, mas sua expressão voltou à cautela imediatamente.
— Eu preciso sair daqui. Agora.
O coração de Ana bateu mais forte. Ele não parecia armado, nem agressivo. Mas claramente estava fugindo de alguma coisa.
E tudo nela gritava para seguir em frente e fingir que nunca tinha visto aquele garoto.
Mas não conseguiu.
Sem pensar direito no que fazia, ela disse:
— Se quiser, pode vir comigo.
O olhar de Rafael endureceu. Ele a encarou, como se estivesse tentando decifrá-la. Por um segundo, Ana pensou que ele recusaria. Mas então ele fechou a mochila rapidamente, prendeu a alça sobre o ombro e assentiu.
— Vamos.
Ela começou a andar, e ele a seguiu de perto. Seus passos ecoavam na calçada molhada, e Ana se pegou olhando para trás mais do que o normal.
— Por aqui — disse, dobrando uma rua estreita.
Normalmente, ela pegaria o caminho principal para casa, bem iluminado e movimentado. Mas agora, com um desconhecido ao seu lado e a promessa implícita de que algo perigoso estava acontecendo, preferiu o trajeto alternativo, passando por becos e ruas residenciais.
— Você mora longe? — Rafael perguntou.
— Duas quadras daqui — respondeu.
O silêncio caiu entre os dois enquanto caminhavam. Ana tentava não olhar para ele, mas sentia sua presença como um peso ao seu lado. Ele andava rápido, com os ombros rígidos e a mochila segurada firmemente, como se estivesse pronto para correr a qualquer momento.
Quando finalmente chegaram à rua onde ela morava, Ana hesitou diante do portão de casa.
— Minha mãe está acordada — murmurou.
— Então talvez seja melhor eu não entrar.
Ela olhou para ele. Seus olhos escuros estavam cautelosos, mas havia algo mais ali. Cansaço. Exaustão.
Ana suspirou.
— Tem um jeito.
Ela destrancou o portão com cuidado, fazendo o mínimo de barulho possível. Abriu a porta lentamente e espiou para dentro. A luz da sala estava apagada, e apenas o barulho distante da televisão no quarto da mãe indicava que alguém estava acordado.
— Vamos — sussurrou, e Rafael a seguiu.
Ela o guiou até a escada e subiram devagar, pisando nos degraus certos para evitar os que rangiam. O corredor estava escuro, mas Ana sabia exatamente onde pisar.
Ao chegarem ao sótão, ela acendeu a luz fraca e apontou para um pequeno colchão no canto.
— Pode ficar aqui por enquanto.
Rafael soltou a mochila no chão e passou a mão pelo rosto, soltando um suspiro pesado.
— Valeu.
Ana se encostou na parede, cruzando os braços.
— Agora pode me dizer o que diabos está acontecendo?
Rafael a olhou por um momento, como se decidisse se confiava nela. Então, se sentou no colchão e abriu a mochila, tirando o laptop e colocando-o sobre as pernas.
— Você confia no governo?
Ana franziu a testa.
— Como assim?
— Você confia que eles dizem a verdade? Que nos protegem?
Ela hesitou.
— Não sei. Nunca pensei nisso.
Ele sorriu de canto.
— Eu também não. Até descobrir algo que não devia.
Ana sentiu um arrepio percorrer sua espinha.
— Descobrir o quê?
Rafael digitou algo no laptop e virou a tela para ela.
— Olho Digital — disse.
Na tela, havia um código complexo rodando em um fundo preto. Linhas e mais linhas de informações passavam rápido demais para que Ana conseguisse entender.
— É um programa de vigilância — continuou ele. — Eles podem acessar qualquer câmera, qualquer celular, qualquer computador. Ler mensagens, ouvir ligações, rastrear pessoas… tudo sem mandado judicial.
Ana piscou.
— Isso não pode ser real.
— Eu provei que é. E agora estão me caçando por isso.
Ela engoliu em seco.
— Então, se te pegarem…
— Eu desapareço.
O quarto ficou em silêncio.
Ana sentia seu coração acelerado. O que Rafael estava dizendo era absurdo… mas também assustadoramente real.
— E o que você vai fazer agora?
Ele fechou o laptop e o guardou na mochila.
— O que eu comecei.
Ela mordeu o lábio.
— Você quer expor isso?
Rafael assentiu.
— Mas preciso de tempo. De um lugar seguro para continuar.
Ana respirou fundo. Tudo aquilo era insano. Ela deveria mandá-lo embora.
Mas não conseguiu.
— Você pode ficar aqui.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Sério?
Ela revirou os olhos.
— Sim. Mas se minha mãe descobrir, estamos ferrados.
Um pequeno sorriso apareceu no rosto de Rafael.
— Você é mais corajosa do que parece.
— Só não me faça me arrepender disso.
Ele se encostou na parede, finalmente relaxando um pouco.
Ana, por outro lado, sentiu que sua vida acabara de entrar em território desconhecido.
E não havia como voltar atrás.
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Atualizado até capítulo 22
Comments
Eva Castillo
Não para, estou amando 😁
2025-03-20
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