A Empregada do Rei
O céu estava pálido e cinza. Nuvens enegrecidas cobriam o sol que não tinha domínio naquela manhã aparentemente chuvosa. Vento gelado e salgado uivava, invadindo as paredes do palácio real, um frio intenso que gelava até os ossos.
— Pare de tremer Elise, precisamos deixá-la apresentável — sua mãe ralhou ao observar seus tremores constantes que atrapalhavam o trabalho das aias. Elise se comprimiu silenciosamente. Gostaria de retrucar, dizer o quão gelado estava o seu quarto e que ainda não havia desenvolvido domínio sobre os sentidos de seu corpo, mas a única coisa que fez foi anuir silenciosamente.
A lareira ainda não tinha sido acesa, de maneira que a única coisa que poderia aquecê-la naquele momento eram as peles de doninha que seriam postas em seus ombros quando estivesse pronta para descer e saudar o novo rei.
Completava um mês redondo desde a morte de seu pai. O palácio estava tomado pelo luto, silencioso e escuro como nunca esteve antes. Aquilo a sufocava mais do que tudo. Ter a perda de alguém que amava profundamente era terrível, mas a todo o momento se deparar com os rastros de tal morte, relembrando-lhe o terrível momento, era pior ainda.
Quando o último enfeite foi colocado em seus cabelos, sua mãe postou-se à sua frente, observando-a lentamente. Era uma mulher exigente, traços angulosos e elegantes demonstravam a aspereza de seu coração e a seriedade de seus modos, mas naquele momento, em que os seus olhos negros como a noite se despontaram sobre Elise, ela sentiu um calor emanar de suas iris. Por mais que não gostasse de demonstrar, sabia que estava preocupada.
— Deve se lembrar de toda a etiqueta que lhe ensinei. Não o encare diretamente nos olhos, nem faça comentários quando não solicitada — Elise respondeu com um aceno. Naquele momento, um sorriso consternado surgiu nos lábios de sua mãe que pousou suas mãos delicadas no rosto da filha — tudo está para mudar, qualquer exigência, qualquer ordem que ele fizer, devemos acatar sem retrucar, entende?
— Sim, mãe — respondeu lacónicamente, engolindo em seco.
— Devemos descer e tomar nossos lugares, Georgina e George já devem estar a postos — após os dizeres de sua mãe, as duas mulheres se dirigiram ao seu destino silenciosamente.
A caminho, Elise observou com os olhos entristecidos as paredes imponentes do palácio, os corredores escuros pelas cortinas de camurça cobrindo qualquer entrada de luz natural. Apesar de seus sentimentos conflitantes, havia uma pequena chama que lhe aquecia do frio agourento e do aspecto sombrio que a rondava.
Quando era apenas uma menina, visitava regularmente as terras do norte, onde passava uma temporada ao lado dos primos distantes. Muitos pensavam que sua proximidade com a tia Perla poderia ser uma boa influência quando crescesse, era reverenciada como um exemplo a ser seguido de feminilidade e tradição.
Era insuportável esses momentos onde qualquer movimento seu era alvo de críticas e palmatórias, havia tudo para deixar-lhe memórias terríveis e aversão ao lugar, isso se não fosse… Godfrey.
Um simples cavalariço que lhe fazia companhia nos pequenos momentos livres que tinha. Era maravilhoso se refugiar nos estábulos, era como adentrar num mundo novo ao lado de seu mais novo companheiro e amigo.
Aqueles encontros duraram poucas temporadas, pois logo ele partiu ao lado de seu primo mais velho, contudo ela jamais poderia esquecê-lo. Secretamente, nutria sentimentos amorosos por ele e naquele dia, quando seu primo iria reivindicar o trono, ela tinha certeza de que Godfrey estaria ali. O seu coração se inundou de uma felicidade plena ao pensar que após tantos anos finalmente se reencontrariam.
Assim que adentraram no cômodo luminoso e elegantemente decorado, Elise avistou a rainha Georgina e seu irmão.
— Minha filha, que bom que chegou — a rainha a recebeu com um largo sorriso, fazendo um aceno para se aproximar. Elise depositou um beijo em sua bochecha — está muito linda, Rosélia fez um bom trabalho — a rainha sorriu para a sua outra mãe.
— Nosso marido ficaria satisfeito, não acha, Georgina?
— Em partes, tenho certeza de que gostaria de vê-la radiante na coroação de seu irmão e não no de seu primo — Georgina lançou um breve olhar ao filho que sentava não muito distante dali. Ele não pareceu se importar e ela apenas soltou um longo suspiro. Suas mãos ainda permaneciam sobre as de Elise que sentiu um aperto repentino.
— Georgina, querida, não adianta dizer mais nada, ele teve tempo o suficiente para reconsiderar, não é mesmo George? — Rosélia indagou ao rapaz que apenas acenou brevemente.
— Apenas quero que isso acabe rapidamente — disse em suspiro profundo — Edgar está atrasado — criticou.
— Apenas alguns minutos, majestade, ou devo dizer, Georgina? Não é mais a rainha… — Edgar adentrou no cômodo tal qual uma aparição pegando a todos de surpresa, Elise teve de conter um grito ao avistá-lo e ele pareceu notar seu espanto, pois a observava com um sorriso de satisfação. Edgar estava mais alto do que se lembrava e muito bonito. O excesso de peles e camadas de roupa que o envolviam camuflava o seu porte, mas era notável que era um homem constituído de músculos muito bem rearranjados. Seus olhos azuis e glaciais observavam com grande interesse a pequena recepção preparada para ele.
— Você foi avistado há trinta minutos nos portões, a capital é grande, mas não o suficiente para não chegar ao palácio dentre dez minutos — ela contra-argumentou fazendo uma careta de desgosto — o que estava fazendo, Edgar?
— É majestade, e não lhe devo justificativas.
— Parece animado, Edgar, fico feliz em ver que está se acostumando com a ideia de ser rei… — George se levantou de seu assento, caminhando em direção ao primo, mas antes que pudesse dar mais algum passo, uma mão em punho o acertou, fazendo-o cair no chão. As três mulheres correram para acudir George, que se recuperava do golpe repentino.
— Está louco, Edgar? Por que fez isso? — Elise disse em um misto de surpresa e incredulidade.
— É melhor não se intrometer nisso — disse em um tom de aviso. Elise engoliu em seco e voltou seus cuidados ao irmão que recobrava a consciência. Com o seu lenço, limpou o sangue que escorria de seu nariz.
Edgar não pareceu comovido com a cena e sentou-se em uma poltrona.
— Então, aqui estou eu. Tirado de meu território abruptamente, obrigado a vir para a capital porque um jovenzinho diz não estar pronto para reinar — comentou num tom áspero observando George se levantar com a ajuda das mulheres que o amparavam — gostaria que me explicasse o que se passa nessa cabecinha de melão? — Elise teria rido da lembrança de tal apelido se ainda não estivesse em choque pela ação brutal do homem para com o irmão.
— Sabe muito bem o motivo, serei um verdadeiro desastre Edgar! — replicou, ainda tentando estancar o sangue com o lenço de Elise.
— Bobagem!
— Estou falando sério, não estou apto para reinar, quero que Lindore fique em boas mãos e sei que você é o mais indicado para isso….
— Georgina, por que não dá um tapa na orelha de seu filho? Por acaso não ouve o que ele diz?
— Você já bateu nele o suficiente — retrucou secamente.
— Apenas fiz o que você e o falecido rei deveriam ter feito. George é um fracote, isso sim. Deveria tê-lo deixado participar da empreitada contra os piratas, teria se tornado muito mais forte — Edgar resmungou, uma carranca se formando. Na época, George era apenas um rapazote desengonçado e Georgiana temeu que fosse morto no primeiro enfrentamento com os inimigos, de maneira que conseguiu convencer o rei a liberá-lo da tarefa. Edgar participou na época, Elise se lembrava bem do quão ficou preocupada ao receber a notícia de que Godfrey ao lado de Edgar estava prestes a enfrentar um exército no mar. Felizmente, saiu vitorioso e recebeu uma condecoração pelo ato. Foi a última vez que o viu, no baile em sua homenagem devido suas grandes contribuições para a batalha. Tanto tempo se passou desde então.
— Por favor, Edgar, sei que concorda que não sou o melhor para o cargo…
— E devido a esse seu achar eu devo ser penalizado? Pensa que não tenho mais o que fazer? Está relutante demais para alguém criado justamente para reinar.
— Edgar… — George tentou dizer alguma coisa, mas desistiu, ficando em silêncio. Quando percebeu que o primo não diria mais nada, Edgar levantou-se de súbito e caminhou para o centro da sala.
— Se deseja agir como um jovenzinho assustado que ainda bebe das tetas da mãe, que assim seja, mas esteja disposto a enfrentar as consequências!
— Consequências? — todos repetiram em uníssono.
— Exatamente. Até que decida retomar suas obrigações, sua família está expulsa do palácio com todas as regalias destinadas à família real cortadas até segunda ordem…
— Não pode fazer isso! Eu tenho o sangue real! — George se levantou abruptamente, esbravejando contra Edgar que sorria languidamente.
— Pensei que tivesse aberto mão de seus direitos como herdeiro de Lindore… mas espere, primo, ainda não terminei de dizer minha sentença.
— Tem mais? — Georgina indagou, surpresa pela atitude de Edgar.
— Claro que sim. Elise se tornará minha empregada pessoal.
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Atualizado até capítulo 27
Comments
Mininha
Começou bem!
2025-02-22
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