capítulo 20

— Tem razão, nesse caso enfiarei o seu rosto nessa água suja — anunciou com um sorriso cruel em seu rosto.

— Isso é demais até para você Waze — Neri exclamou.

— Calada — a outra disse raivosamente. Ela se virou para o vestido branco com manchas de terra. Estava beje, longe da brancura imaculada de outrora.

— Que pena, terei de aplicar a punição — antes que Elise se desse conta, uma mão forte fez pressão em sua nuca, sua cabeça estava mergulhada na água suja e quente. Bolhas de ar saíram de sua boca e ela começou a se debater incontrolavelmente.

Ela pensou que iria se afogar quando finalmente sentiu o agradável ar da superfície em seu rosto. O alívio de poder voltar a respirar.

— Que diabos está acontecendo aqui? — a voz difusa ecoou em seus ouvidos. Ela estava quase certa de se tratar de Godfrey. Ela abriu um pequeno sorriso. O seu bravo cavaleiro viera lhe salvar — quem lhe deu autorização para aplicar tal punição?

— Vossa majestade… Eu estava apenas tentando ensiná-la…

— A conversar com os peixes? Que tal essa punição: eu arrancarei sua cabeça. Podem levá-la — Elise ouviu os gritos da mulher, com grande dificuldade abriu os olhos e se deparou com Edgar ao seu lado, preparando-se para pegá-la em seu colo.

— Espere — disse com toda a força possível — não há necessidade para tanto — replicou.

— Ela poderia ter te matado — Edgar retorquiu, incrédulo com seu pedido.

— Ela jamais faria isso. Estava ciente de que se me matasse seria aplicada uma pena severa. Apenas demiti-la e deixar o assunto de lado será mais do que suficiente, afinal sou a sua criada e não uma nobre. Não há razão para ser tão drástico.

Todos observavam as argumentações da princesa com certo espanto. Jamais esperariam tal atitude da princesa frígida e apática.

— Se é o que deseja…

— Sim — respondeu rapidamente. Edgar acenou e deu uma ordem para que os seus homens expulsassem a criada do palácio e então levou Elise para os seus aposentos.

Ela se sentia estranha por ser carregada por uma pessoa a qual não tinha muita intimidade. Foi um tanto constrangedor o silêncio que os acompanhou durante o trajeto.

Por vezes, Elise e Edgar se deparavam com curiosos e nesses momentos, a princesa escondia o rosto no peito largo do homem. O que iriam pensar deles? Já podia imaginar os rumores se alastrando como fogo em palha.

Quando enfim chegaram ao seu destino, Elise foi depositada na cama gentilmente.

— Em breve o médico chegará para verificar o seu estado.

— Não há necessidade…

— Isso não é uma pergunta — cortou-a bruscamente. Ao ver a maneira rude que a respondeu, ele suspirou profundamente e tentou dizer com palavras mais suaves — seu rosto está vermelho e receio que algum produto na água possa ter lhe causado mal. Me sentiria melhor se o médico verificasse o seu estado.

— Eu agradeço a sua preocupação — Edgar a observou atentamente antes de dizer as próximas palavras:

— Elise, por que não recusou o serviço? Não é o seu papel servir a outros nobres.

— Pensei que seria bom se minha família soubesse disso. É o que você deseja, certo? Quer que eles fiquem eriçados com o tratamento que venho recebendo — respondeu timidamente. Edgar a encarou surpreso. Não podia imaginar que de fato a princesa encarasse o papel com tanta seriedade.

— Eu agradeço e aprecio os seus esforços, contudo não quero que se machuque. Você deve receber apenas as minhas ordens e de mais ninguém. Se for lavar as roupas de alguém que sejam as minhas — Elise estava quase certa da mudança de caráter de Edgar até a última frase. Ele estava indo tão bem…

— Sim, majestade — respondeu tentando conter uma careta. Estava claro que ele não se preocupava com ela e sim com a imagem que queria passar. Os criados do rei deveriam receber unicamente as ordens do rei. Talvez ele tenha se sentido rechaçado com a ideia de alguém ousar desferir ordens a quem deveria atendê-lo exclusivamente, mas ainda assim… Ele não estava tão cruel e ríspido como outrora. Era difícil dizer o que se passava pela mente de Edgar naquele momento.

— Vou deixá-la descansando, em breve volto para vê-la e ouvir o diagnóstico do médico — Edgar se levantou e estava prestes a sair quando Elise o segurou pela manga. Ele se virou, surpreso pelo ato repentino.

— Eu sei que não me encontro numa posição para lhe pedir favores… — começou hesitante, mas ao ver o aceno encorajador do rei, prosseguiu com um pouco mais de confiança — gostaria que recompensasse a empregada Neri. Ela me ajudou, se indispondo com os seus superiores.

— Tem algo em mente?

— Talvez seria bom perguntar a ela.

— Está certo. Farei isso. Agora preciso que fique de repouso e aguarde o médico.

Edgar saiu, deixando a princesa sozinha com seus próprios pensamentos.

Charlotte lhe pagaria pela humilhação. Ambas nunca foram próximas, mas sempre houve respeito mútuo, embora Elise assim pensasse. Foi só perder o prestígio que tinha e aos poucos descobria os inimigos à espreita. Deveria ter muito cuidado.

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