Elise havia acordado naquela manhã disposta a retribuir a gentileza e atenção de Edgar. Assim como ele havia lhe entregado doces como uma oferta de desculpas, ela pretendia fazer o mesmo.
A princesa dirigiu-se até a cozinha que, como sempre, estava uma confusão de panelas e alimentos sendo preparados na bancada pelos cozinheiros e seus assistentes. O cheiro de páprica, sálvia e tomilho se misturavam com os demais temperos difíceis de distinguir, mas que despertavam o estômago de qualquer um, especialmente o de Elise.
A jovem se esgueirou entre panelas e caldeiras quentes que emitiam um aroma delicioso, espiando quando possível os pratos a serem preparados. Naquela noite seriam servidos lagostins e vieiras. Sua boca salivou.
— Alteza? Em que posso ajudá-la? — o cozinheiro chefe a saudou, limpando as mãos em um paninho nos ombros. Era um homem grande e corpulento com o rosto sempre avermelhado pelo vapor das caldeiras.
— Não sou mais princesa — o corrigiu com um pequeno sorriso — e gostaria de saber se posso usar uma bancada para preparar alguns biscoitos.
— Como desejar, gostaria de alguém lhe auxiliando? — sugeriu. Elise pensou por alguns instantes antes de responder.
— Não será necessário, decorei a receita — respondeu, lembrando-se das várias vezes que visitou a cozinha ao lado da avó que lhe ensinava receitas de fácil preparo. De acordo com ela, era um legado deixado pela família que não gostaria que fosse perdido mesmo com a rápida ascensão de status. É claro que Roselia jamais deixou de desferir uma série de protestos sobre, contudo ela não tinha voz quando se tratava de sua avó.
Foi providenciado para Elise uma bancada limpa com todos os ingredientes à disposição. Açúcar, farinha, ovos, canela e… Manteiga. Muita manteiga. A princesa começou o preparo, relembrando-se das vezes que assou os biscoitos para serem entregues ao seu pai quando retornava de longas viagens. Sentia tanto a sua falta. Ela jamais diria em voz alta ou admitiria para si mesma, mas sempre amou mais o pai do que a mãe. Não que Rosélia não tivesse um lugar especial em seu coração, mas seu pai sempre foi mais amoroso e cuidadoso. Os pequenos acertos eram alvo de alegria e comemoração. Já sua mãe sempre tinha uma expressão séria e contida, exigindo que Elise se portasse como uma verdadeira nobre, com graça, postura e sem emoções. Ela entendia que a rigidez da mãe se devia por sua linhagem simples, ainda assim…
Elise misturava os ovos ao açucar e manteiga batidos. Apesar de ser uma receita simples e de preparo rápido, ela o fez com todo o cuidado e atenção. Quando enfim retirou os biscoitos do forno, um aroma adocicado e amanteigado soprou em sua direção. Ela sorriu satisfeita com o resultado e finalizou os discos macios com crosta crocante decorando-os com glacê colorido. Quando terminou, sua roupa estava suja de farinha, assim como os braços e os dedos melecados de glacê, contudo não poderia estar mais feliz. Retornar para a cozinha acalmou os seus ânimos que estavam à flor da pele nos últimos tempos.
Os empregados que entravam e saíam da cozinha não deixavam de reparar na figura da nobre Elise, uma princesa, considerada por muitos, frígida e indiferente. As empregadas que a serviam diziam que era silenciosa e mais beirava a timidez do que qualquer outra coisa. É claro que jamais poderiam afirmar sobre a personalidade da princesa quando eram trocadas com certa frequência por ordem de Rosélia.
Talvez, no fundo, sua mãe tentava cortar qualquer laço que prendesse Elise no reino para quando precisasse se casar com um estrangeiro por questões políticas.
Elise montou uma bandeja de prata com chá e os biscoitos recém saídos do forno e então se dirigiu ao escritório do rei.
Enquanto caminhava com a bandeja de biscoitos amanteigados e glaceados pomposamente à mostra, uma voz lhe chamou. Ela revirou os olhos e apressou o passo, contudo foi rapidamente alcançada pelo irmão que se pôs a frente dela.
— Esses são biscoitos de canela? — perguntou evidentemente constrangido ao tentar puxar assunto.
— Talvez — disse vagamente. Ainda sentia raiva das palavras do irmão.
— Elise… Sei que está chateada comigo, não queria que as coisas fossem assim…
— Mesmo? — retornou sarcasticamente — acredito que esse seja um sentimento compartilhado por todos — George se aproximou da irmã para tocá-la, mas está recuou.
— Por favor, Elise, eu posso aceitar o ódio de todos, menos o seu — George lhe lançava aquele mesmo olhar de cão abandonado que a fazia imediatamente sentir pena e perdoá-lo — por favorzinho maninha, me perdoe por ser um idiota estupido e sem vergonha. O que me diz? — ele bateu as pestanas teatralmente e, droga, ela deixou uma risada escapar.
— Ainda não estou totalmente convicta em te perdoar cabeça de melão. Suas palavras foram muito crueis — seu tom de voz descontraído tornou-se sério — não é o tipo de coisa que se diz no calor da emoção.
— Eu sei, e peço desculpas por isso. Mesmo que tenha sido no momento da raiva, jamais deveria insinuar algo assim de você — desta vez, ele abaixou os olhos, mas completamente envergonhado. Elise suspirou. Já havia perdido o pai, não queria perder o irmão também. Sua família sempre foi sua prioridade.
— Você nunca hesitou em se tornar rei. Porque só agora apresenta essa resistência?
— Apenas olhe ao redor, Elise, e veja o que Edgar faz. Jamais teria tanto brio ou capacidade como ele. O reino precisa de alguém capaz e eu não sou esse alguém.
— Me poupe desse discurso de falso altruísmo. Isso pode convencer nossas mães, mas não a mim. Tem outra coisa que te faz recuar, não tem? — disse estreitando os olhos para a figura do irmão que pareceu abalada com o questionamento da irmã.
— Prefiro não dizer sobre isso agora.
— George, eu não posso suportar mais essa situação. Eu estarei arruinada se isso prosseguir — sua voz apelava para a compaixão do irmão que fechou os olhos e os abriu lentamente como se buscasse por controle. George abriu um sorriso que imprimia esperança.
— Apenas confie em mim maninha, vai dar tudo certo e nós dois teremos o nosso final feliz — havia um tom otimista em sua fala que beirava a ingenuidade. Elise fez uma careta.
— Já sei do seu plano triunfante e ele consiste em você fugir e me deixar aqui — retornou asperamente. George não pareceu abalado.
— Eu não vou te deixar na mão, coloque fé que tudo vai se resolver da melhor maneira possível — Elise suspirou profundamente sem saber o que pensar sobre. Estava com raiva e frustrada com a situação, contudo conseguia compreender os desejos de George por uma vida sem tantas restrições e responsabilidades. Ela mesma jamais desejaria se tornar rainha. O simples pensamento em se casar com um rei estrangeiro a deixava com náuseas.
— Espero que tenha uma carta na manga que seja excelente, caso contrário quebrarei o seu nariz — ameaçou, contudo George não a levou a sério, deixando uma risada escapar e bagunçando os seus cabelos.
— Não tenho dúvidas de que fará. A propósito, obrigado pelos biscoitos — George disse, pegando a bandeja em mãos e se afastando.
— Devolva os meus biscoitos! Eles não foram feitos para cabeças de melão azedo — disse furiosamente, retomando a bandeja.
— E para quem seria? — indagou, cruzando os braços — não é para o cavaleiro que você tem uma paixonite… ou é? — Elise endureceu. Detestava quando George relembrava das confissões que ele leu em seu diário. Ele parecia saber de seu desagrado e sempre fazia questão de relembrá-la.
— É claro que não! — exclamou furiosamente, retomando o seu caminho, contudo George permaneceu em seu percalço.
— Apenas me diga quem é o merecedor de seus biscoitinhos de manteiga e canela, os mesmos que você sempre me nega quando peço para fazer — continuou com a sua voz insistente.
— Quando você assumir o reino farei mil biscoitos para você — disse atravessada, contudo George parou abruptamente.
— Esses biscoitos são para o Edgar?
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Atualizado até capítulo 58
Comments
Paola
Eu também sentiria, na verdade, daria outro tapa nele
2025-03-10
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Paola
E não é que miserável acertou?
2025-03-10
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Paola
Bem típico de irmãos kkkkkkk
2025-03-10
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