Elise se olhou no espelho. O vestido que usava era diferente de tudo o que já havia experimentado até então.
O tecido de algodão grosseiro era uma novidade para sua pele acostumada com sedas luxuosas.Era leve e lhe permitia uma mobilidade da qual não podia desfrutar ao utilizar os trajes pesados e rigorosos. Seus lábios se comprimiram. Não podia ser diferente, era usado pelas empregadas do palácio que percorriam longas distâncias, sempre atarefadas para atender um nobre, como ela.
— Já está pronta, Elise? — Edgar bateu em sua porta. Ela não o respondeu, abrindo a porta para revelar a sua figura. Seus olhos perscrutaram a figura de Edgar que a aguardava pacientemente. Suas vestes de seda azul royal e brocado dourado eram de finíssima qualidade e lhe envolviam os músculos bem torneados e desenvolvidos, contudo o que mais havia lhe chamado a atenção era o artefato que carregava na cabeça que parecia roubar toda a atenção para si.
— A coroa lhe caiu bem — comentou mecanicamente ao avistar a joia depositada nos cabelos negros de Edgar, o dourado com o preto fazia um belo contraste. Ele se remexeu, desconfortável com a observação. É claro que estaria, detestava mais do que qualquer outra coisa tudo aquilo, sentia como se estivesse usando uma fantasia, bem como Elise, uma princesa vestida de empregada. A piada estava pronta.
— É melhor nos colocarmos a caminho — ele ofereceu o braço a Elise que negou de imediato.
— Sou sua criada pessoal, não sua acompanhante, lembra-se?
— Bem lembrado.
Edgar e Elise colocaram-se a caminho do salão de banquetes.
— Acha que os assustará apenas sendo um tirano comigo? — indagou genuinamente curiosa.
— Tenho algumas cartas na manga.
— Estou curiosa para saber o que é.
— No momento certo saberá — retrucou com um sorriso sombrio que a fez ter calafrios. Após o curto diálogo, não se falaram mais.
Elise estava logo atrás de Edgar quando adentraram no salão. O aroma da comida emanava pelo cômodo, provocando em seu estômago uma banda de percussão completa. Havia uma quantidade considerável de nobres que aguardavam a chegada do novo rei, ansiosos para ter um vislumbre da posição que Edgar iria tomar. Mal podiam esperar que seria a pior possível.
O salão que antes estava alegre e cheio de vida silenciou-se por completo. A chegada de Edgar não causou um grande alvoroço de convivas e palmas como o esperado, muito pelo contrário, era visível como todos estavam acuados e isso se devia a expressão aterrorizante que se formou na face de Edgar.
O rei ignorou os convidados presentes, marchando em direção ao seu assento. A carranca áspera era a única coisa que se dignava a mostrar aos novos súditos. A própria Elise se sentia incomodada.
Quando Edgar tomou o seu lugar e Elise postou-se em pé atrás dele, os sons das taças e talheres raspando o prato aumentaram gradualmente, mas as conversas já não existiam mais.
— Sirva-me — ele bateu a mão sobre a mesa. Elise obedeceu e dispôs o prato à frente do rei que pôs-se a comer silenciosamente, um olhar penetrante varrendo o salão. A comida que antes parecia tão saborosa havia se tornado cinzas na boca dos nobres que comiam a contra gosto.
Quando descobriram que o rei não faria uma coroação de pompa como o esperado, houve um sentimento de desapontamento e receio. Para Edgar aquilo era um inconveniente temporário e não fazia sentido gastar com um evento para ser substituído rapidamente pelo verdadeiro rei.
Subitamente, ele ergueu a taça, Elise se movimentou com agilidade para servi-lo, despejando o vinho sobre ela. Quando ele olhou o conteúdo, jogou a taça contra a parede do outro extremo do salão. Vinho esparramou-se sobre o chão e caiu em alguns convidados. O estalido metálico ecoou pelo cômodo.
— Quem disse para colocar vinho? — perguntou num grunhido. Se Elise não soubesse ser atuação, teria se assustado com a brutalidade. A jovem apenas abaixou a cabeça, praguejando Edgar com os nomes mais hediondos possíveis — responda-me! — ela mordeu os lábios com força.
— Vossa majestade ergue a taça, pensei que…
— Sua tola! Não deve pensar em nada, somente faça o que ordeno — gritou feroz, os olhos injetados de sangue.
— Sim, vossa majestade — respondeu com a voz embargada. Precisava chorar naquele instante, mas era terrível nisso, embora internamente estivesse aterrorizada, não conseguia se forçar a chorar.
— Limpe a sujeira que você fez — ordenou, recostando-se em seu assento.
— Sim, majestade — respondeu num murmúrio. Os criados já tinham um balde com água à disposição. Era comum que o vinho derramasse ou pedaços de comida caíssem no chão, é claro que nunca ocorriam de maneira deliberada como aquela.
Elise se ajoelhou e começou a limpar os rastros de onde a taça tinha voado. Era impressionante o quão longe aquele pedaço de metal havia percorrido. Enquanto torcia o pano, notou a aproximação de alguém. Fechou os olhos esperando pelo pior.
— Deixe-me ajudá-la — ela conseguiria reconhecer aquela voz em qualquer distância. Era Godfrey! Elise o encarou, um largo sorriso se estampando em seus lábios. Seu coração batia, exultante. Após tantos anos, finalmente o encontrava.
— Godfrey — disse num sussurro, aproveitando-se para saborear o nome que há muito martelava em sua mente. O cavaleiro a encarou com ternura.
— Godfrey, venha cumprimentar o seu rei — Edgar ordenou.
— Edgar, ou devo dizer majestade? — Godfrey se levantou, havia um olhar desapontado dirigido ao novo rei — não pensei que tivesse mudado tanto após sentir uma coroa em sua cabeça.
— Dê o poder ao homem…
— E descobrirá quem ele é, sim, se aplica perfeitamente a você.
— Está criticando o seu rei? — indagou ameaçadoramente.
— Estou criticando um tirano — todos prenderam a respiração ao ouvir a acusação de Godfrey. Edgar apenas riu.
— Não se completaram nem vinte e quatro horas e já me tem como tirano? Isso é só o início — Elise observou a figura de Edgar e por um momento, esqueceu-se de que era apenas atuação. Avistá-lo daquela maneira era assustador, parecia um homem completamente louco e sádico.
— O início do quê?
— Do meu reinado — respondeu lentamente como se com suas poucas palavras conseguisse mostrar a todos o futuro que os esperada — mas ainda existe um resquício de sanidade em mim, todos sabem que o ex-príncipe George tem a oportunidade de mudar a sina do reino e de todos os cidadãos, basta apenas uma palavra e eu entrego a coroa — uma multidão de olhares caiu sobre George, que permanecia sentado no extremo salão, o lugar mais desafortunado. Somente a baixa nobreza era relegada em um lugar tão longe do rei — nada? Mas que lástima…
— Eu não participarei disso, Edgar — Godfrey anunciou. O rei estreitou os olhos.
— Está quebrando o seu juramento de cavaleiro?
— Sigo apenas o meu coração — Godfrey desembainhou a espada. Os demais soldados estavam se aproximando para contê-lo, Edgar o observava serenamente, erguendo a mão para dispersar a sua guarda. O cavaleiro deixou a espada nos degraus no pé direito alto onde a mesa do rei estava posta e então deixou o salão para trás. Edgar goleou da taça e encarou o portal por onde Godfrey havia saído. Elise queria se levantar e correr atrás dele, mas sua atual posição desfavorável a impedia.
— Vossa majestade, se me permite dizer, se não está interessado no trono, muito menos Gerge, porque não o deixa para mim e… — um homem de meia-idade se pôs a falar, mas foi rapidamente silenciado por Edgar.
— Quando for chamado para a conversa, Joffrey, se pronuncie, caso contrário, permaneça em silêncio — o homem sentou-se, um silêncio aterrador preenchendo o salão.
— Elise, está demorando demais com essa limpeza, será que é tão inútil a ponto de não conseguir limpar uma simples poça de vinho?
— Perdão, vossa majestade, irei me apressar — respondeu o mais modesta que poderia. No fundo, seu coração fervilhava de ódio, mas como a boa menina que era, sabia controlar suas emoções perfeitamente. Foi constrangedor estar agachada ao chão sendo alvo de tantos olhares, naquele momento só queria desaparecer, mas o seu maldito combinado com Edgar a impedia de concluir tal ato.
Elise enxugou a última poça de vinho e então voltou para o seu posto, tendo o cuidado de limpar as mãos diligentemente. É claro que se tivesse escolha, serviria Edgar com suas mãos imundas para que tivesse uma dor de barriga terrível ou que ao menos ficasse de cama por algumas horas, quem sabe, dias.
— Está muito entediante, por que a banda não nos agracia com uma música divertida? — após a sugestão, os músicos se agrupam e iniciaram uma agradável melodia — está faltando mais alguma coisa… Ah! Já sei! George, se aproxime — o rapaz relutou por alguns instantes, até que então se levantou e se dirigiu ao rei.
— Majestade.
— Dance para nós.
— O quê?
— Disse para dançar, com essa cesta de frutas na cabeça — um sorriso maldoso estampava os lábios de Edgar. Quando notou que George não acataria sua ordem, ele esbravejou — Dance! Ou eu farei sua irmã dançar… Nua — completou arrancando exclamações de todos os convidados. Elise o encarou, estupefata. Sua boca se formou em um perfeito “O”. Ela não conseguia expressar o quão perplexa estava naquele momento.
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Atualizado até capítulo 58
Comments
Paola
Agora sei porque ela tá tão apaixonada nele 😍 o cara teve culhão de enfrentar o rei na frente de todo mundo slc
2025-03-10
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Paola
seria uma referência a nossa diva Carmem Miranda? 🧐
2025-03-10
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Paola
nossa, essa doeu em mim kkkkkkkk
2025-03-10
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