capítulo 4

— George, por favor… — a mãe de Elise rogou, os olhos cheios de lágrimas. Pela primeira vez notou a presença de sua mãe ao lado de Georgina que tinha os olhos perdidos no além. Apesar de não demonstrar, era nítido como se sentia rechaçada em público. 

Com muito custo, o rapaz pegou a cesta de frutas e colocou sobre a cabeça. O olhar cheio de ódio dirigido a Edgar era visível em meio a iluminação quente e baixa das velas. 

— Dance, cachorrinho, dance! — ele aplaudia entre risos, parecia um homem desvairado. Elise estava com medo dele. Ela conseguiu avistar pelo canto dos olhos, Georgina se levantando e saindo rapidamente. Certamente aquele vexame era demais para sua nobre pessoa, sempre acostumada a ser reverenciada e respeitada. Seu orgulho havia sido ferido.

A plateia que assistia ao declínio de George estava silenciosa e ouvidos apurados conseguiam detectar a banda desafinar algumas vezes. O salão de banquetes se tornou um lugar monstruoso e vergonhoso. Quando a última nota soou, George parou, encarando o rei com uma fúria latente capaz de petrificar qualquer um. Mas Edgar não era qualquer um e não se deixou abalar.

— Muito bem, cachorrinho. Tome esse osso — o rei pegou o osso de galinha no prato e o jogou para George — pegue — aquilo foi demais para o rapaz, que virou as costas e, silenciosamente, deixou o local. Edgar suspirou profundamente e virou-se para Elise — restou a tarefa para você, pegue — a jovem moça caminhou em direção ao osso e se abaixou para pegá-lo, quando suas mãos tocavam a superfície asquerosa, a voz de Edgar irrompeu o salão — com a boca.

Ela o encarou. Pela primeira vez em toda a sua vida, perdeu o controle de suas ações. Pegou o osso com suas mãos e o arremessou em direção ao rei, acertando precisamente o rosto real. Antes que a voz furiosa de Edgar irrompesse pelo salão, ela já tinha tomado metros de distância do local. 

Que ele se danasse! Aquilo era demais para qualquer um, ser empregada e servir, tudo bem, mas aquela humilhação…

Dançar nua na frente todos? Pegar o osso como um cachorro? Ser insultada daquela maneira não estava explícita no acordo verbalizado. Se ele não queria ser rei, deixasse para outros, mas que não fizesse esse papel ridículo de tirano machucando quem nada tinha a ver com tudo aquilo.

Elise adentrou em seu antigo quarto. Seus pertences continuavam ali à sua espera. Era hora de se mudar, ir para bem longe. Maldita hora que concordou com os termos daquele homem insidioso. 

Com uma mala aberta recebendo as roupas de maneira desordenada, ela estava se preparando para a sua mudança. 

— O que você fez? Estragou o meu plano! — Edgar adentrou o quarto, furioso como um búfalo. 

— O que eu fiz? — indagou, exaltada — foi bem pouco comparado ao que merecia. Você estava realmente disposto a me deixar nua na frente de todos? Me tratar como uma cadela, querendo que abocanhasse o osso? Que tipo de ser humano terrível é você? — lágrimas caiam sobre suas bochechas — você não quer ser rei, então deixe para outros, mas não haja dessa maneira ou então perderá a sua cabeça e eu serei a primeira a apoiar.

— Então é isso? Trato desfeito? — novamente, Elise perdeu o controle, sem perceber, sua mão voou em direção ao rosto de Edgar estapeando-o. 

— É só isso que lhe importa, não é mesmo? Que se dane os outros, está preocupado somente consigo mesmo. Seu egoísta! — ela voltou-se para a mala que se enchia gradualmente — me deixe em paz! Me deixe sozinha.

— Pretende mesmo ir embora? — sua voz estava soou parcamente serena contrastando com a de Elise.

— Que exile a mim e minha mãe, pouco me importa para onde eu vá, portanto que fique longe de você estarei no paraíso — Edgar ficou em silêncio, observando Elise montar a sua mala. Quando ela terminou, abaixou o tampão, mas devido a maneira desordenada que colocou seus pertences, o fecho não trancava e mesmo forçando o seu corpo contra, o resultado era o mesmo, continuava aberta. A raiva e o desespero a consumiram de um modo que ela escorregou pelo chão e se pôs a chorar inconsolavelmente. As dores e mágoas que carregavam consigo misturaram de uma vez. A perda de seu pai, a dor da vergonha e a humilhação, os sentimentos que reprimia, tudo isso lhe pesava. 

— E para onde vai? Sua mãe não possui sangue nobre e ninguém da família de seu pai a receberá. Você só tem a mim, Elise — o rei a relembrou num tom frio — estou oferecendo uma oportunidade única de garantir um futuro promissor a você e sua mãe. Após a morte de seu pai, quem vai te proteger? Quem desejará desposar uma princesa só em nome? — suas palavras eram crueis e afiadas, mas eram verdade. Para onde ela iria?

— Você pede muito muito de mim — ela disse erguendo a face molhada em direção a Edgar. Ele comprimiu os lábios.

— E o resto do mundo exige muito de mim. Devo ser o duque que protege as barreiras do norte e impedir a entrada de bárbaros no reino, mas também devo ser o rei que todos clamam, caso contrário pessoas más reivindicarão o poder, como Joffrey. Devo ser duro, mas misericordioso, escolher bem os aliados, vigiar os inimigos, especialmente aqueles que querem tomar o poder e você sabe disso. É apenas por esse motivo que estou me sacrificando vindo à capital para reivindicar o trono e tentar fazer de George rei — em seu desabafo, era nítido o quanto Edgar guardava todos os seus medos e receios para si e o quão assustado estava com tudo aquilo. O homem se sentia sobrecarregado e não era de se espantar. Herdou o ducado ainda adolescente, tendo que lidar com responsabilidades aquém de sua idade — Todos nós temos responsabilidades, inclusive você. O reino precisa de mim tanto quanto precisa de você — Edgar se abaixou o suficiente para que estivesse na mesma altura que Elise — e você precisa de mim tanto quanto eu preciso de você — confidenciou, dessa vez num tom de voz mais ameno e até mesmo quase gentil. A princesa o espiou furtivamente observando sua expressão, não estava severa, nem dissimulada como outrora, mas também estava longe de ser calorosa. Talvez era a única face gentil que Edgar conseguia oferecer. 

Elise ponderou as palavras do rei. De fato, ela sabia que havia outros de olho no trono e temia por isso. Certamente não seriam tão gentis com o povo e alguns declaravam abertamente a ideia de guerras para expandir o território. Elise temia mais do que tudo as guerras. E temia ainda mais a possibilidade de um casamento contra sua vontade, pois não restava dúvidas de que isso aconteceria se outro assumisse o trono.

Certa vez sua mãe confidenciou que haveria a possibilidade de aquele a ser coroado como rei optar por desposar a filha do falecido governante para assegurar sua autoridade sobre o povo. Naquele momento, lembrou-se de Joffrey e arrepios de nojo percorreu em seu corpo ao considerar um matrimônio com o homem.

— Estou disposta a te ajudar, mas portanto que não ultrapasse os meus limites — após impor sua condição, Edgar assentiu sem objeções. Ele pareceu hesitar um pouco antes de lhe falar:

— Eu… não deveria ter sido tão cruel com você. Sei que não tem sido fácil desde a morte de seu pai. Eu o admirava — era nítido que Edgar não estava acostumado a falar com sutileza e delicadeza. Elise sorriu agradecida pela tentativa.

— Obrigada. Eu também imagino que não seja fácil para você desde que assumiu as terras do norte. 

Edgar não a respondeu. Ele a fitou silenciosamente e então se levantou. Estava prestes a sair de seus aposentos quando parou abruptamente frente a porta e então falou:

— Prosseguiremos com nossos planos amanhã. Descanse bem, Elise — após suas palavras que soaram quase ternas e acolhedoras, Edgar fechou a porta deixando-a só com seus pensamentos. Ao que parecia, haviam erguido uma bandeira branca. Ela só esperava que de fato desse certo e que o novo rei cumprisse a sua palavra.

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Comments

Paola

Paola

pera lá, no início o cara disse que não seria difícil arranjar um pretendente para ela e agora fala que não vai ser fácil ela se casar? Falha no roteiro ou o cara é bom em manipular?

2025-03-10

2

Paola

Paola

temos alguém levantando bandeira branca? 🏳️

2025-03-10

0

Paola

Paola

Aí, deu uma dozinha dele...

2025-03-10

0

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