CASE-SE COMIGO NOBRE DAMA

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Capítulo 1: "O Fardo dos Ashford"

Capítulo 1: "O Fardo dos Ashford"

A primeira luz do amanhecer filtrava-se pelas pesadas cortinas de veludo que emolduravam as imponentes janelas da Mansão Ashford. A propriedade, outrora símbolo de poder e prosperidade, agora parecia uma sombra de sua antiga glória. O silêncio dominava os corredores, quebrado apenas pelo som ocasional de passos apressados dos poucos criados que ainda permaneciam em serviço. Cada canto da casa parecia contar uma história de decadência e desespero, um reflexo claro da ruína que se aproximava.

No centro desse cenário desolador, encontrava-se Lady Eleanor Ashford. Ela estava sentada à beira da grande cama de dossel, onde tantas gerações de sua família haviam dormido antes dela. A madeira escura e esculpida do dossel, que outrora exibia um brilho profundo e rico, agora parecia opaca, como se até mesmo o tempo tivesse começado a corroer sua majestade. Eleanor olhava fixamente para as mãos, os dedos finos entrelaçados em um gesto de tensão silenciosa. As dobras de seu vestido de linho azul claro caíam graciosamente ao redor dela, mas nem mesmo o tecido macio podia esconder a rigidez de seus ombros, a tensão que parecia irradiar de cada parte de seu ser.

A notícia da morte de seu pai, o Conde de Ashford, ainda era fresca, como uma ferida aberta que recusava a cicatrizar. Embora a morte de seu pai tivesse sido há semanas, o luto ainda pairava pesadamente sobre ela, um manto negro que parecia sufocá-la a cada respiração. A partida repentina e inesperada de seu pai não apenas havia deixado um vazio insuportável em seu coração, mas também havia trazido à tona uma realidade cruel: a ruína financeira de sua família.

Os Ashford, uma das famílias nobres mais antigas e respeitadas da Inglaterra, haviam caído em desgraça. O que antes era uma fortuna vasta e invejável agora se reduzia a dívidas impossíveis de quitar. Seus ancestrais, que haviam servido com lealdade a coroas e protegido suas terras com sangue e sacrifício, agora pareciam meros fantasmas, suas vozes perdidas no tempo. A história da família estava impregnada nas paredes da mansão, em cada retrato de ancestrais que decorava os corredores, em cada tapeçaria que pendia dos tetos altos, mas tudo aquilo agora parecia uma farsa, uma encenação de uma era que há muito havia desaparecido.

Eleanor, a única filha do Conde, sentia o peso do legado de sua família com uma intensidade que a esmagava. Ela havia sido criada para ser a joia dos Ashford, preparada desde a infância para brilhar nos salões da alta sociedade, para ser a perfeita dama inglesa. Mas agora, toda aquela preparação parecia inútil diante da dura realidade que ela enfrentava. Sua educação, sua graça, suas habilidades em conversação, dança e música – todas as coisas que lhe haviam sido ensinadas para manter o prestígio da família – não tinham poder para salvar os Ashford do abismo financeiro em que se encontravam.

Enquanto seus pensamentos vagavam por esse terreno sombrio, Eleanor levantou-se da cama e caminhou até a janela, afastando as cortinas para deixar a luz do sol invadir o quarto. O jardim da mansão, que antes florescia com uma variedade impressionante de flores exóticas, agora estava desleixado, as plantas crescidas de forma desordenada, como se refletissem a desordem interna que ela sentia. O lago, outrora um espelho calmo que refletia a serenidade da propriedade, estava agora coberto por uma fina camada de névoa matinal, conferindo à paisagem uma atmosfera quase irreal.

Os sentimentos de Eleanor eram um turbilhão, uma mistura de tristeza, raiva e desespero. Ela sentia-se traída pelo destino, como se os deuses houvessem voltado suas costas para ela e sua família. Como poderia ter chegado a este ponto? Como uma família tão antiga e poderosa poderia ter permitido que a decadência se instalasse de tal forma? Ela sabia, no fundo, que a resposta estava nos erros de seu pai, na sua confiança desmedida em investimentos arriscados, na sua fé cega em amigos que não mereciam tal título. Mas culpar o pai, agora morto, parecia cruel, mesmo que sua irresponsabilidade tivesse os conduzido a este penhasco.

Uma batida suave à porta interrompeu seus pensamentos. Eleanor virou-se, ajeitando rapidamente as dobras de seu vestido antes de responder. A porta se abriu para revelar sua fiel aia, Martha, uma mulher que servira à família Ashford por décadas. Martha trazia consigo uma bandeja com o desjejum, mas sua expressão era de preocupação.

— Milady, o senhor Henry está à sua espera na sala de jantar — disse Martha, colocando a bandeja sobre a mesa ao lado da janela. — Ele pediu que a senhora se juntasse a ele assim que possível.

Eleanor assentiu, agradecendo à mulher com um aceno de cabeça. Ela sabia que seu irmão, Henry, estava igualmente pressionado pela situação. Ele havia herdado o título de Conde, mas junto com ele, todas as responsabilidades e dívidas que o cargo implicava. Henry era um homem jovem, apenas quatro anos mais velho que Eleanor, mas os últimos meses o haviam envelhecido consideravelmente. As rugas de preocupação em sua testa e os círculos escuros sob seus olhos eram testemunhas de noites sem dormir, passadas em cálculos e reuniões com credores.

Eleanor tomou uma respiração profunda, tentando acalmar o turbilhão de emoções dentro de si antes de sair do quarto. O corredor que levava à sala de jantar era longo e decorado com retratos de seus antepassados. Ela caminhou lentamente, permitindo que seus olhos percorressem os rostos pintados, buscando nos traços familiares alguma força, alguma inspiração que pudesse guiá-la no momento presente. Mas os rostos dos antepassados pareciam frios, distantes, como se já tivessem aceitado seu destino de decadência.

Quando Eleanor finalmente entrou na sala de jantar, encontrou Henry de pé, junto à janela. Ele estava virado para fora, olhando para os mesmos jardins que ela havia contemplado minutos antes. Ele se virou ao ouvir seus passos, e Eleanor pôde ver a expressão séria em seu rosto, uma mistura de determinação e cansaço.

— Eleanor, precisamos conversar — disse ele, sua voz baixa, mas firme.

Ela assentiu, sentando-se à mesa enquanto ele permanecia de pé, como se o peso da situação não lhe permitisse relaxar nem por um momento.

— As coisas estão piores do que imaginávamos — começou ele, sem rodeios. — Os credores estão pressionando. Recebi outra carta esta manhã, exigindo pagamento imediato. Se não conseguirmos levantar fundos em breve, perderemos tudo. A mansão, as terras... Tudo.

As palavras de Henry eram como facadas no coração de Eleanor. Ela sabia que a situação era grave, mas ouvir isso dito em voz alta, de forma tão definitiva, trouxe uma nova onda de desespero.

— Não podemos vender mais terras? — sugeriu Eleanor, embora soubesse que essa opção já havia sido considerada.

Henry balançou a cabeça negativamente.

— As terras que restam mal conseguem sustentar a mansão. Vender mais significaria sacrificar a subsistência que ainda temos. E mesmo que conseguíssemos vendê-las, não seria suficiente para cobrir todas as dívidas.

Eleanor sentiu a garganta se apertar. A sensação de impotência era avassaladora. Ela tinha sido treinada para ser uma dama, para representar sua família com dignidade, mas nada em sua educação a havia preparado para enfrentar uma crise dessa magnitude. Ela sabia dançar, tocar instrumentos, conversar sobre literatura e história, mas essas habilidades eram inúteis diante do abismo financeiro que se abria diante deles.

— Há algo que possamos fazer? — perguntou ela, desesperada por uma solução, qualquer solução.

Henry hesitou por um momento, desviando o olhar antes de falar.

— Existe uma possibilidade, mas... não sei se você estaria disposta a considerá-la.

Eleanor franziu a testa.

— O que é, Henry? Diga-me.

Ele respirou fundo antes de continuar.

— Recebi uma oferta, de Sir Thomas Wycliffe. Ele propôs um casamento por contrato entre você e ele. Em troca, ele cobriria todas as nossas dívidas e garantiria a segurança financeira da família.

Eleanor ficou em silêncio por um momento, absorvendo as palavras de seu irmão. Um casamento por contrato. A ideia era ao mesmo tempo ultrajante e tentadora. Sabia que casamentos arranjados eram comuns entre a nobreza, mas a proposta de Sir Thomas parecia impessoal, quase mercantil. Ele não estava interessado nela como pessoa, mas sim no que a união com sua família poderia lhe proporcionar em termos de status e influência.

— Eu sei o que você está pensando — disse Henry, interpretando o silêncio de Eleanor como hesitação. — Não é a situação ideal, mas... o que mais podemos fazer? Se recusarmos, perderemos tudo. E ele é um homem respeitável, de boa reputação. Não é um casamento por amor, mas garantiria nossa sobrevivência.

Eleanor se levantou lentamente, caminhando até a janela. O sol agora estava mais alto no céu, iluminando os jardins com uma luz dourada que fazia

as flores desabrocharem em toda sua beleza. A ironia da situação não lhe escapou. Estava diante de uma escolha que determinaria o futuro de sua família, de sua própria vida. Ela poderia salvar os Ashford, mas a que custo? Perderia a liberdade de escolher seu próprio caminho, de decidir com quem compartilharia sua vida. Mas, ao mesmo tempo, a responsabilidade que sentia para com sua família, para com a honra dos Ashford, pesava mais do que qualquer desejo pessoal.

Ela olhou para Henry, que a observava com expectativa. Ele estava contando com ela, colocando nela a esperança de toda uma linhagem que não poderia terminar em ruína.

— Vou pensar sobre isso, Henry — disse ela finalmente, sua voz firme, mas cheia de uma tristeza contida. — Dê-me um pouco de tempo.

Henry assentiu, aliviado, mas ainda preocupado.

— É claro, Eleanor. Mas não demore. O tempo não está a nosso favor.

Com essas palavras, ele se retirou da sala, deixando Eleanor sozinha com seus pensamentos.

Eleanor permaneceu ali, olhando para os jardins, sentindo o peso da decisão que estava prestes a tomar. Não seria uma escolha fácil, mas, como tantas outras mulheres em sua posição, ela sabia que o dever para com a família às vezes exigia sacrifícios. Ela só esperava que, no final, esse sacrifício valesse a pena.

A primeira luz do amanhecer agora era um brilho pleno de dia, mas para Eleanor Ashford, a sombra do fardo que carregava nunca pareceu tão escura.

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