Indomável

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A mocinha e o moribundo

— Moça, compra uma bala para me ajudar por favor. — ofereço para a mulher em um Range Rover ja esperando que seu vidro subiria ignorando minha existência.

Não seria a primeira ou a última, não havia motivos para desistir de tentar por está certeza.

— Olá, qual o seu nome? — o sinal abre e me perco nos olhos da mulher.

Uma morena de cabelo liso, de rosto fino e nariz pequeno, muito bonita, melhor, encantadora.

— Vamos para o acostamento. — ela me remove de meus pensamentos. Assim que me afasto e ela manobra o carro. — Está todos os dias aqui? — as únicas reações que consigo ao lado dela são rígidas, assenti então. — Quanto custa essa mercadoria que você tem ai?

— Comprei mercadoria o suficiente para fazer cem reais. Já vendi- — antes que eu dissesse o valor ela me entregou uma nota de cem escondido.

Há outros garotos no semáforo, além de Mateus e Nicolas, os meus amigos que vieram comigo. Alguns maiores de idade de de índole ruim, estão sentados comendo ao canto. Mas como ela raciocinou essa situação?

Já vi vários menores sendo agredidos e arrancados o que conseguiu depois de um exaustivo dia de trabalho no sol quente e humilhante.

Enquanto os vagabund0s ficavam fumando em um beco próximo aqui.

Ainda aturdido com a situação encaro os olhos da moça que sorria docemente. Nunca vi dinheiro fácil assim.

— Ainda não respondeu a minha pergunta. Qual o seu nome?

— Gu-Gustavo. — o rosto dela se iluminou com aquilo.

— Gustavo, eu sou alérgica a doces. Então, eu deixo você ficar com os meus. Mas por hoje, volte para casa. Diga aos amiguinhos também. Essa área vai ficar bem perigosa. — assenti.

Obedecendo a moça aviso os outros que haviam vindo comigo. Ainda bem que estávamos apenas nós três hoje, as vezes alguns irmãos de Mateus vem com a gente ajudar. Não sei o que vai ocorrer mas não acredito que ela mentiria para mim.

Aviso também outros moleques dali, os que me ouviram ótimo. Os que não, só pedi desculpas a moça e ela agradeceu indo se encarregar dos teimosos.

Os dois que estavam comigo, também resistiram sobre.

— Não posso ir embora, Gustavo. Eu não vendi nada até agora. Se eu chegar em casa assim eu vou apanhar do meu pai de novo. Arthur vai fazer um bico hoje a noite. - Matheus diz.

— Pois é, cara. O remédio da minha mãe acabou ontem, e eu só fiz metade do dinheiro. — Nicolas também reclama. O sinal fecha de de novo. — Anda mano, a gente tá perdendo dinheiro.

O remédio da minha mãe é sessenta,eu já havia feito vinte reais...

— Quanto você tem? — pergunto ao Nicolas.

— Tenho quarenta.

— Eu te dou o resto, somando o que eu preciso com o que você precisa, dá oitenta. Sobra... — conto nos dedos. — Quarenta. Dá para você Mateus?

— Dá duas porções de cr4ck daquele desgr4çado. Sei que a minha avó que vai ter que comprar a comida mesmo, e o Arthur está fazendo extra. Pelo menos ele vai passar uns três dias longe de casa. Amanhã posso vender e comprar algo para meus irmãos comerem, ou ajudar com o gás.

— Fechou então. Você vem para minha casa. — Mateus assente e antes de seguir o para casa, fomos comprar o remédio para mãe do Nicolas e para minha.

Somos três moribundos desafortunados, um cenário bem comum na nossa comunidade, mas tem momentos que encontramos familias mesmo que tão pobres quanto nós, são invejáveis.

Porque os pais fazem de tudo para que os filhos não passem o que a gente passa. Existe o outro polo dividido em classes e situações, o pai do Mateus que o faz trabalhar para sustentar o vício dele nas drogas, uma grande maioria. Tendo também casos como o meu e Nicolas, mães solteiras incapacitadas de trabalhar que também é um bom percentual desse circo de horrores.

Mateus, treze anos, tem quatro irmãos, três de uma mulher, ele de outra e seu irmão de outra. Todas deixaram eles com avó, com apoio, devido a violência que elas sofriam ao ponto de ficarem a beira da morte.

Prometeram voltar assim que conseguissem um emprego, duas morreram no processo e a mãe de Mateus a única viva não pode sair da pr0st1tu1ção presa em um contrato e implorou de joelhos a ele perdão por não poder os tirar da merda.

Ele lida com tudo bem, ele é o segundo irmão. O irmão mais velho dele, Arthur, trabalha em uma borracharia e ajuda com a casa para o menores estudarem pelo menos o básico e não ficar tão pesado para avó deles recentemente viúva.

Nicolas, quatorze anos, filho de mãe solteira com câncer no fígado. Era uma cachaceira nata que a doença converteu em crente. Aposentada mas ainda assim o tratamento é caro, então ele trabalha para ajudar a comprar os remédios para ela pagar a comida e o aluguel com o salário mínimo que recebe. O pai dele foi comprar cigarro, se é que entendem.

Tenho menos do que falar sobre ele, pois é filho único tem bem menos envolvidos na situação dele. As vezes a mãe dele pega umas roupas para lavar, não pode fazer faxinas, isso é o que ela diz. Minha mãe diz que ela prefere viver na miséria do que levantar a bunda do sofá, que sempre foi uma típica preguiçosa, elas se conhecem desde a infância. Quem sou para julgar? Ninguém.

E eu, Gustavo, tenho treze anos. Minha mãe é cadeirante devido abusos sexuais e agressões do pai dos meus irmãos. Ela ficou paraplégica e toma remédios para dores na coluna, só meche as mãos. As vezes quando compro linhas, ela faz crochê e vendemos. Sempre que sobra um dinheiro eu dou um jeito para conseguirmos um extra.

Não é santa, afinal, eu sou a prova. Ela lutou muito para estar viva hoje.

Sou filho de um deslize dela, ela era casada há cinco anos. Conheceu meu pai na escola, que meu ex-padrasto deu a oportunidade para ela estudar. E ela ia ao banheiro cometer adultério todas as noites.

Meu pai, sumiu assim que surgiu a gravidez. A minha mãe já tinha dois filhos, não teve coragem de abortar. Se viu numa rua sem saída e contou para ex-marido. Durante a gravidez ele não fez nada, até eu completar meio ano de vida.

Ele começou com os abusos. Não digo que foi merecido, justo, é como disse antes não sou ninguém para julgar as razões alheias. Sou grato, assim como ela, por ele nunca ter me batido ou me culpado por nada.

Nunca me excluiu da família ou ensinou meus irmãos fazerem, e quando eu pedi para ele ir embora que eu ia dar um jeito de manter eu e ela vivos, ele saiu de casa com meus irmãos.

Ele disse que pesava no coração deixar uma criança tomar a frente da casa, que eu poderia ir com ele.

Mas quem cuidaria da minha mãe? Meus irmãos mais velhos sumiram e os mais novos precisam estudar. O ambiente já estava catastrófico e sufocante, e eu não iria deixar minha mãe para morrer. Então eu disse a ele que prefira que ele fosse embora do que ver minha mãe morta, e que meus irmãos com toda certeza concordavam.

Ele se foi no dia seguinte enquanto estava trabalhando. Cheguei, minha mãe estava na cama dormindo, suja, tadinha. Foi quando eu percebi que tomei a melhor decisão e prometi me dar o máximo para ver ela comer, beber, banhar e ter a dignidade minimamente restaurada.

Minha mãe sofreu com ida deles, afinal, cinco dos seus seis filhos se foram repentinamente, não ouvi mais sobre nenhum deles. Só espero que eles tenham a oportunidade que eu não tive, e que tenho orgulho de ser irmão por parte de mãe apenas. Porque independente minha velha é a minha rainha. Afinal nenhum ser humano é perfeito.

Minha mãe não pode se aposentar, mesmo com a invalidez nítida não foi aprovada pelo INSS, pois nunca trabalhou na vida. Recebe bolsa família, uma grande mixaria, mas paga o aluguel do barraco que vivemos, menos um gasto para eu pagar.

Me viro com bicos. Sai da escola. Faço de tudo um pouco porque não dar para viver de venda de bala no semáforo. Mesmo passando fome por dois a três dias em média, o remédio não falta ou pelo menos o pão com leite para minha mãe, isso é o bastante. Dou com todo o prazer, independente dos erros, ela que me trouxe ao mundo e me deu permissão para estar vivo.

Mesmo que o mundo seja esse lixo onde existem os rejeitos e os recicláveis, eu amo e agradeço todo dia acordar porque eu tenho fé que Deus vai me dá a recompensa. Que seja na terra ou no céu, a hora vai chegar.

Preto de cabelo duro, favelado largado, roupas aos trapos. Mas nunca avião ou projeção para o crime. Talvez um dia, se não houver mais opções, eu considere esse suicídio.

— Mãe estou em casa. — coloco a caixa de balas sobre a mesa e Mateus coloca a dele ao lado.

— Chegaram cedo. Vieram comer? — nego. Nem esperava que tivesse comida em casa. — Acho que tem arroz de ontem. — os meus olhos e o de Mateus brilham com essa fala.

— Queremos comer! — digo. — Também queremos um pote para o Mateus colocar algumas balas e levar o resto para casa. Amanhã eu devolvo a ele.

Beijo a testa da minha mãe e vou para cozinha, ainda tem um resto de gás que comprei há dois meses. Essa é a vantagem de nem sempre ter o que cozinhar... Piada merda.

— Gustavo, por que a caixa tá cheia de conseguiu o dinheiro do remédio...? — eu podia ver a preocupação em seu olhar.

— Mãe, essas balas estão vendidas. Só que eu as ganhei de quem as comprou. — ele me olha confusa. — A moça disse que era alérgica a doces, e disse que a avenida ficaria perigosa que era para gente sair dali. Dividi com o Mateus e o Nicolas o dinheiro. Por isso só trouxe o remédio.

Tanto eu quanto Mateus ficamos apreensivos dela brigar.

— Tia, eu posso devolver o dinheiro.

A minha mãe olha para ele horrorizada e nega.

— Se Gustavo escolheu fazer isso ele tem os motivos dele. Eu comi, estou com o meu remédio, as contas estão pagas, se você oferecer um prato de comida para meu menino é o suficiente. Faz dois dias que ele não come. Ele pensa que eu não sei, me gambela e fica esperando eu terminar de comer, dizendo que já comeu. Sabe o que sinto falta Mateus? — ele nega. — De poder me levantar e colocar a goela abaixo. Me dói ver meu menino assim. — reclamo minha mãe e Mateus concorda com ela. Ela completa. — Não sou mais um tipo egoísta meninos. Sei o que seu pai faz, Mateus. Tem um pote ao lado do fogão a lenha, use ele para colocar as balas.

Abraço a minha mãe.

— A senhora quer banhar? — pergunto.

— Agora não filho. Quero ajuda na limpeza da casa, vocês fariam para mim? Já lavei os copos que tinham.

Eu e Mateus concordamos. Depois que comemos o arroz começamos a limpar a casa.

O daqui bom é a luz ser no gato menos um imposto.

— Quer uma mãe? — digo pegando uma das balas para mim, dando uma para Mateus, da minha caixa. O pai dele conta uma por uma da caixa dele.

— Quero. — entrego para ela.

— Vou dar banho na senhora. Vou sair com o Mateus. Vamos ver se o Arthur tem alguma coisa para gente fazer, quem sabe a gente não consegue dez reais? — digo empurrando a cadeira dela.

Minha mãe vai conversando, ela ficava mais radiante com meus irmãos mais novos, porque eles passavam o período fora da escola brincando com ela. Agora como eu trabalho o dia todo, sempre que tenho um tempo deixo ela falar, e comentar.

Mateus que sempre vem aqui também me ajuda animar ela.

Quando termino de dar banho e vestir ela a levo para sala.

— Vem com a gente tia. Só fica nesse barraco sufocada. Vamos ver as ruas. — Mateus convida e olho para minha mãe as mãos agitadas de animação.

— Não quero atrapalhar vocês.

— Não vai. — falo indo pegar a bolsa dela.

Nós fomos até a borracharia onde Arthur trabalha. Geralmente o dono tem uns serviços pequenos e avulsos e pede para mim e Mateus fazer. Dependendo ele paga em dinheiro, ou um lanche, uma marmita. Sempre válido, e gostamos muito de ir fazer algo lá.

— O que fazem aqui? — Arthur pergunta saindo de debaixo de um carro. — Não eram para estar no semáforo? Cadê tuas balas Mateus? Não dá motivo para aquele desgr4çado, eu vou trabalhar a noite no bar!

— Está na casa do Gustavo. Fala boa tarde pelo menos. — ele aperta minha mão e beija a da minha mãe como cumprimento.

— Meninos chegaram na hora certa! — o dono diz e eu podia ver cifrões nos meus olhos e nos de Mateus.

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Comments

Witch of Destiny

Witch of Destiny

O começo está ótimo adorei continua 😍

2023-10-28

3

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