Causa dupla

Chegamos na escola dos meninos. Foi tudo muito rápido, ela tinha motivos de mudança repentina das crianças, os abusos físicos da parte da mulher do pai deles. A diretora demonstrou total apoio, e não tornou a situação burocrática.

Recomendou que a minha mãe não denunciasse apenas a pensão alimentícia, para ela denunciar os abusos e reivindicar a guarda integral dos pequenos.

Quando chegamos no fórum, foi uma espera de pouco mais de quarenta minutos até que pudéssemos dar início a causa.

— As crianças tomaram banho né... — a escrivã pergunta mais como uma afirmação vagamente, batendo a caneta na mesa. — Mesmo assim vou fazer a emissão do pedido do corpo de delito. Como a senhora está cuidando dos ferimentos, os leve hoje. De preferência só os busque e volte para fazer os exames para termos essa prova contra.

Minha mãe assente.

Eu posso não ter estudado, mas não foi falta de exemplo, pois minha mãe tem a escolaridade completa e sabe lidar bem com as coisas. Muitos diziam que para ela não falta qe amanhã pode ir quer que eu trabalho hoje estudo tradicional e nem da rua. Uma filha da malandragem. Sabe viver no mundo.

— O caso é de dupla causa, com dois réus. A madrasta das crianças responsável pelos abusos, se ela for casada com o pai delas legalmente, te dar direito a guarda integral. E o pai delas que não paga a pensão, pois cuidava deles até então, seria uma garantia para senhora de que receberia essa ajuda pois não trabalha e nem é aposentada. A guarda integral das crianças será ótima, que soluciona tudo de uma só vez. — minha mãe concorda. — Confirma ser essas as justificativas de sua entrada com o processo?

— Confirmo.

— Essa é a Doutora Mariana, especialista em causas familiares e aplicação do ECA. Ela vai assumir a sua parte, sua defesa. Há algo que pode ser exposto e usado contra a senhora?

— Sim. — minha mãe fala. Eu fico confuso, ela nunca fez nada com nenhum de nós.

— O que seria? — a advogada pergunta.

— Esse é meu filho, Gustavo. Quem trabalha e sustenta a casa é ele. Ele não estuda, muitas vezes abre mão de comer para que eu coma, ou seja, negligenciado em diversas maneiras perante a lei. — arqueio a sobrancelha.

— Eu sou o motivo contra? Eu sou completamente a favor dessa situação. Como pode dizer isso mãe? — finjo decepção. Fazendo todas rirem.

O clima estava muito pesado e estava sentindo cheiro de pena e lástima com relação a mim. Algo que não gosto.

— Quantos anos você tem, Gustavo?

— Dezoito.

— Mentira, ele tem treze. — minha mãe fala.

— Podia me passar por Henrique. Ele tem dezoito.

— Eu acabei de falar seu nome criança, como você iria se passar por Henrique? Sem contar que Henrique é a cara do pai dele, vocês são muito distintos de aparência.

— E daí? O juiz não está aqui e eu duvido se ele o conhece. — a risada da advogada e da escrivã mais uma vez é alta e divertida.

Eu gosto disso.

— A senhora tem quantos filhos com este homem?

— Cinco. Gustavo é extraconjugal. — explica. — Eu tive minha primeira filha com doze anos. O pai dela tinha 16 anos. Ele me assumiu como esposa imediatamente. Dois anos depois tive meu segundo filho. Por impulsos e desgosto com o meu casamento, tive um caso e dele nasceu Gustavo. Fui ter filhos novamente com meu ex-esposo durante os abusos sexuais que ele cometia contra mim, isso oito anos depois do meu segundo filho, Henrique, o que Gustavo mencionou a pouco.

— Esse quarto filho seria um dos abusados, correto? — a minha mãe assente. — Ricardo o nome dele, tem dez anos. As garotinhas são Dafne e Rafaela, a mais nova. Uma com sete e a outra com cinco aninhos apenas. — ela estava olhando para o papel e avaliando a situação. — Gustavo você me deixou bastante a vontade, vou dizer minha opinião. — ela me olha com sinceridade. — Eu não sei se vou conseguir a garantia da pensão, porque tem pouco tempo que sua mãe pegou as crianças, mas eu abandono minha profissão se eu não colocar a mulher que abusou dos seus irmãos na cadeia.

Isso seria mais que o suficiente. Principalmente por ser um grande desafio não apenas para nós, mas para ela também, responsáveis pelo nosso caso e vítimas de grande preconceito.

Se fosse uma mulher esposa de uma família rica, destinaria minha mãe para um escritório com um escrivão e um advogado. Mas por puro preconceito de classes, a enviou para uma sala que obviamente o gênero oposto é quem comanda.

Uma época onde as mulheres estão conquistando sua voz, não conseguem ainda ter tanto poder quantos os homens. Se o pai das crianças conseguir um advogado, só pelo o gênero ele já possuiria grande vantagem contra nós. Algo absurdo.

Uma prova de que sempre as mulheres estão sendo testadas, é missão atribuída para tenente poder subir de patente.

Qualquer outro homem só passaria por mais uma formação, enquanto ela teve que vir para o Rio em busca de uma criança com grande acessibilidade ao crime e a transformar em um soldado. Dificultando a sua chegada ao nível de coronel.

Patente que lhe daria acesso ao comando geral de batalhões, uma voz imensamente potente para ser dada a uma mulher segundo aos padrões sociais que persistem.

Eu, como homem, penso que isso é ridículo. Porque dentro da minha casa, eu vi uma mulher ser mais inteligente que um homem. Essa mulher é a minha mãe. Estudada e engenhosa. Sabe se virar bem.

Minha mãe só não tem um bom emprego, porque não pode andar.

Antes não podia trabalhar por conta do ciúmes de Matias com ela. Ele era extremamente possessivo e desconfiado.

Nós saímos do fórum com o pedido de exame de corpo de delito, e uma cópia do pedido de processo.

A intimação deve ser feita em duas semanas segundo a escrivã, porque assim que as provas de abuso forem entregues o juiz não pode fechar o olhos por muito tempo para dar início ao processo convocando a primeira audiência.

— Já vai levar eles, mano Gu. — Tadeu pergunta.

— Vou ter que levar, Tadeu. Eles vão ter que resolver algo na cidade. Mas depois eu trago eles de novo. — afago os cabelos dele saindo com os três e agradecendo dona Tereza.

Minha mãe foi abordada por um cara no período que eu subi para buscar os meninos. Já reconhecendo desci com semblante de cansaço.

— Joabe tenha compostura. Sua esposa estava hoje me enchendo a cabeça por essa sua atitude desavergonhada. — ouço minha coroa.

Ela está irritada e cansada por conta de tudo que está acontecendo, ter ele em cima dela só piora tudo.

— Que isso, Vanessa? Só estava me oferecendo para te levar para casa. E que como agradecimento poderia me oferecer um café. — reviro os olhos.

Onde que uma mulher solteira convidar um homem para dentro de sua casa é bem visto? Ainda mais casado.

Coloco Rafaela no colo de mamãe que se surpreende, mas parece se aliviar ao me ver.

— Agradeço a boa vontade. Mas acredito que ela já tenha companhia o suficiente para a levar para casa.

Empurro a cadeira indo para casa.

— Gustavo, se sua mãe me desse uma chance eu faria dela a mulher mais feliz do mundo.

— Ela não precisa de você para isso. Pode parecer prepotência, mas ela está bem melhor solteira.

— Sozinha.

— Ela não está sozinha. Podemos não ser adultos, mas somos gente e temos presença.

Minha mãe brincava e conversava com as crianças e quanto íamos para casa. Parece que desejava esquecer tudo.

O conforto que a minha família me traz ao coração, eu dar-lhes o mesmo.

— Mãe, eu não sou perfeito e nem tento ser. Mas se eu conseguisse um emprego que lhe daria a vida sem preocupação a senhora gostaria?

— Depende de qual serviço seria, Gustavo. Caso eu saiba que aceitou as propostas de Sebastião, eu não gostaria nem um pouco.

— A senhora fala dele como se o conhecesse. — rir com aquilo, minha mãe entretanto, se cala.

5 anos atrás

— Você estava de fuleragem por aí de novo, mulher.

— Do que está falando, Matias? Faz dois meses que tive menino, como eu ia sair? Sai para pedir gás.

— Pedir gás não! Dá para aquele sem vergonha trambiqueiro.

— Pelo amor, Matias! As crianças estão todas aqui.

— Você ver o desprezo que ele me olhou, quando eu cheguei no bar. Evidenciando tudo, tudo, tudo.

— Pagou o gás, Matias? Minha consciência está limpa. Se quiser que eu saia da cama, eu saio. Eu não fiz nada.

— Você fica!

— Aí! Solta meu cabelo! Eu tô dando de mamar para menina, homem! Se toca!!! Eu já lhe disse, vai encher o saco de quem lhe conta essas mentiras, me deixe em paz.

— Eu lhe amo tanto, por que você faz essas coisas comigo?

— Eu não fiz nada, Matias!!! Se me amasse acreditaria em mim, não nessa quenga que lhe conta as asneiras. Eu não tenho nenhuma relação com Sebastião.

— Sebastião? Como sabia que era ele!?

— Se aquieta, Matias! É óbvio de quem estamos falando, o único homem diferente de Gustavo, Henrique e Ricardo qual eu vi hoje foi Sebastião na hora que eu fui pedir para ele trazer o gás! Solte meu cabelo!

Todos os dias quando eu lembro da cena da minha mãe sendo arrastada pelo cabelo até a frente de casa, que é um degrau mais extenso, protegendo Rafaela de dois meses em seus braços porque não teve tempo de soltar ela.

Até que alguns homens finalmente se deram conta através das súplicas:

— Minha menina! Minha bebê, Matias! Deixa eu soltar a neném! Se a minha filha morrer eu juro que eu te mato, Matias!!! SE RAFAELA SE MACHUCAR VOCÊ É UM HOMEM MORTO MATIAS! VOCÊ E SUA QUENGA FOFOQUEIRA!!!

Então Joabe e mais dois vizinhos intervieram. Mas ainda assim quando mamãe tentou se levantar para entrar para dentro de casa...

— O que está fazendo, Vanessa!? Entre logo!

Joabe gritou.

— GUSTAVO!

Minha mãe me gritou, eu fui correndo. Desviando do olhar de repulsa que o sentia em minhas costas.

— Pegue sua irmã e a leve para dentro.

— Vem também mamãe! — peguei sua mão.

— A mamãe não pode filho. Ela não consegue andar. Parece ser um carma, porque se eu conseguisse eu não sei o que seria capaz de fazer com Matias...

Aquilo foi um choque para pessoas assistindo tudo. Ela dizer tais palavras a uma criança de oito anos. Na época eu não entendi. Mesmo ela mandando eu entrar, eu continuei ao lado dela com Rafaela.

— Entra para dentro moleque! A gente não vai conseguir segurar ele por mais tempo!!!

Um dos vizinho praguejou.

— Solte ele, que ele venha resolver de homem para homem. Fiquei sabendo que tem um boato correndo com meu nome. Eu já avisei, comigo só mexe quem tem culhão. Então eu quero que você me apresente a fonte tão confiável, que eu vou virar essa pessoa do avesso pela bunda. Espalhe verdade em meu nome, mentira eu não aceito.

Aproveitando a situação, Joabe prestou socorro a minha mãe.

Foi esse o momento que vi, Tião interferir. E o grande medo no semblante de todos os homens ali.

Por benefício próprio, mas salvou a minha mãe de mais abusos. Porque depois daquele dia, ele nunca mais bateu na minha mãe.

Mas por ela não poder se defender ou correr, os abusos sexuais persistiram.

Lembro de tudo como se fosse ontem. Eu nunca contei para mamãe. Mas dos meus irmãos, o menos preferido é Henrique, por seu olhar. Parecia que ele gostava de ver a mamãe naquele estado.

Acho que se eu o encontrar hoje, eu o socaria até a morte.

Raila se ajoelhou e pediu perdão a mamãe ao sair de casa. Ela que cuidou da mamãe inicialmente. Eu entendo ela nunca ter tentado interferir, mas Henrique... Não sei se é porque eu tenho ideias distintos.

Depois daquilo tudo, uma mulher veio se desculpar com a minha mãe.

Elas eram muito parecidas. O rumor não era falso, mas a mulher acusada que era errada. Quem havia sido flagrada con Tião foi a atual esposa dele. Na época apenas um rolo, assumido após dois meses do ocorrido.

— Mano Gustavo! — Rafa me tira dos meus profundo pensamentos. — Essa roupa é da Dafne.

— Perdão, pequena. — volto para trocar a roupa.

— Está avoado, Gustavo. — Ricardo acusa.

— Eu estou um pouco atordoado com tudo isso, pequeno. Nada grave. — afago sua cabeça. — Agora, vestir roupa nessa princesa. — digo vestindo Rafaela.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!