Ironia do destino

— Tia Jô, dá um prato para gente!

— Peguem ali garotos. — ela aponta para mesa. — Como estão em casa?

— Na minha tudo ótimo. — Nicolas começa respondendo.

— Indo. — digo com um sorriso que para ela foi revigorante. Sim, estamos ótimos, mas prefiro não ostentar para não perder essa paz.

— Tivemos uma grande conquista. — Mateus também sorri grande.

A tia Jô conhece a gente desde a pequenez, ela gosta de nos perguntar sempre que oportuno. Porque ela já foi colega de nossas mães.

— Seu pai me contou o que houve, Mateus. Veio chorar as pitangas e foi motivo de chacota hoje mais cedo.

Não pude conter o sorriso.

— Gustavo! — Yara, a filha da tia Jô chegando da escola me abraça.

— Yara, ele deve estar cansado. Pare de importunar o menino.

— Cansado? Deve estar lisonjeado esse pé rapado. — Nicolas resmunga.

— Isso é trapaça! — Mateus protesta.

Por que essas pessoas são assim? É só um cumprimento. Não há motivos para ver segundas intenções. Yara tem tudo na vida dela, pode conseguir um homem bem melhor que eu.

Yara tem a minha idade. Ela sempre gostou de brincar comigo, desde quando eramos pequenos. Ela é como uma irmã para mim.

— Parem com isso. É só porque fazia tempo que não o via. — diz brava encarando a todos.

— Milady, nós temos que almoçar para ir para próximo round. Se nos dar licença, vamos pegar nosso soldado manso. — Nicolas diz tirando as mãos dela de envolta de mim e Mateus a puxou para trás fazendo cócegas me liberando.

— Comam a vontade. Vou cobrar o valor da marmita.

— Sério tia? — Nicolas pergunta e ela assente.

Quando sentamos para comer:

— Vai fazer o que depois daqui?

— Vou cortar o cabelo. Minha mãe estava brigando comigo hoje cedo. — olho para o relógio na parede que marcava 12:13. — Vou comprar umas linhas também, para semana que vem ir para feira vender bolsa. Dá um bom dinheiro e distrai a minha mãe que passa o dia só.

— Minha mãe disse que ia na sua casa hoje. Lavar as roupas para sua mãe.

— Serviço grátis? — estranho. Nicolas é de boa, mas a mãe dele é meio ranzinza com o assunto dinheiro.

— É pelo remédio. — paro de comer e ele se desespera. — O almoço não tem nada a ver! Eu já tinha falado com minha mãe que se conseguisse vender todas as balas ia pegar metade do dinheiro. Queria sair com vocês. — me tranquilizo. Essa seria uma atitude dele.

Mesmo com a mãe sendo assim, Nicolas é muito tranquilo. Caso fosse um garoto rico, ele com toda a certeza seria aquele que levaria os amigos para comer e passear pagando tudo só para desfrutar da presença. Típico de filho único muito carinhoso, e não tem com quem compartilhar a maioria desse carinho.

— Aqui está você, seu moleque! — Mateus é erguido da cadeira de uma vez. — Por sua culpa minha mãe colocou-me para fora de casa! Desde o minuto que a prostituta da sua mãe apareceu ela ferrou com a minha vida, aquela desgraçada!

— Urias, já tá enchendo o saco já. — faço ele soltar Mateus. Nicolas também entra na frente.

Mateus vira um bebê na frente do pai, não reage a nada só treme e falta se mijar. Bem capaz dele morrer de tanto apanhar, mas não revida de jeito algum.

— Eu duvido você ir lá na borracharia onde Arthur trabalha. Sabe por que você não vai, Urias? Porque tu é um bocó cagão, que só investe no Mateus sabendo que ele não vai fazer nada contigo. — bato o dedo indicador no peito dele.

— Sai da frente, vara.

— Eu pago uma aposta se você consegue me mover pelo menos um centímetro daqui. — coloco as mãos para trás. — Você pode tentar, só não garanto que vai conseguir.

Ele abaixa um pouco a bola. Mas a crista fica baixa de verdade, quando ele ver os tios da obra ali sentados levantarem da mesa.

— Ninguém tem culpa da sua expulsão de casa além de você pai.

Mateus fala com a voz embargada. Motivando o pai dele avançar em cima da gente de novo, foi impedido por Nicolas que o empurrou para longe. O pegando do chão pelo colarinho.

— Eu não sei que merda passa na tua cabeça, que você, que fica o dia inteiro na porra de um sofá pode bater de frente de três adolescentes que trabalha o dia todo, carregando peso, andando e subindo morro. Perdeu a noção. — Nicolas sufocava Urias com a gola da blusa.

— Chega cara! — puxo ele.

Urias tosse várias vezes pelo engasgo, permanece ofegante depois do ataque.

— Isso pode causar uma convulsão nele. — Mateus alerta. — Ele tá entupido de droga e você fez o cérebro dele ficar sem oxigênio.

— Que se foda. — ele se levanta.

Nicolas é calmo e carinhoso, mas nunca é bom ver ele com raiva.

— Perdi a fome. — Mateus fala e nós concordamos.

— Tu... — ele aponta para o peito de Mateus. — Esse merda só dava conta de te bater porque você deixava. Para de chorar para vovó e vira homem. Essa é a primeira e última vez que intercedo. — ele entra no restaurante. — Tia tem como embalar a comida para levar? Desculpa o tumulto.

Mateus olha para mim e eu dou de ombros. Eu já sabia, no fundo, ele também. Só que mesmo que Urias seja assim, Mateus é muito devoto a família dele.

Nicolas volta com três sacolas. Yara também veio com ele.

— Vai sumir de novo, Gustavo? Você sempre vinha aqui.

— Eu ultimamente tenho tido pouco tempo, Yara. Geralmente estou em casa a noite. Passa lá qualquer hora, minha mãe vai amar te ver. Eu também vou adorar se você me ensinar algumas coisas também. — afago seu cabelo e ela assente animada.

Quando me viro para os dois amigos meus eles estão com a sobrancelha arqueada.

— Que foi?

— Agora vai dar uma de sonso? — Mateus fala. — Está na cara que a Yara gosta de você, Gustavo.

— Eu também gosto dela. — coloco as mãos atrás da cabeça caminhando cantarolando.

— Não é da mesma forma!

— Existem diferentes maneiras de se gostar de alguém?

— Claro que existem, bocó! — Nicolas dá um tapa na minha nuca me arrancando risos.

— Eu não tenho interesse nessas coisas. Prefiro me preocupar em-

— Nem mesmo com a Tenente? — ele interrompe minha fala com sua indagação.

— ... — fico sem reação.

Os sentimentos que sinto por ela é apenas admiração e gratidão... Sim, somente esses sentimentos.

— Já deu. Vamos logo. — digo calmo.

Yara seria a última garota a se considerar para um relacionamento. Ela jovem assim como eu, mas é muito ingênua das verdades da vida. Tanto que mesmo ela tendo a mesma idade que eu e Mateus, ela é bem menos desenvolvido em características para jovens que se passa pela puberdade.

Ela é toda criança, enquanto nós dois já aparentamos ter 17 anos. Nicolas também, só que ele estuda a tarde também, uma diferença dele conosco.

— Tô indo para casa. — ele diz e eu e Mateus acenamos ao vê-lo sumir pelos becos.

— Talvez, eu volte a estudar Gustavo. — ele diz com receio.

— Fico feliz. — sou sincero.— Pensou que eu fosse dizer o que? "Que traidor."? — ele gargalha e passa o braço envolta do meu pescoço.

— Não. Não é seu tipo.

Fomos ao salão do mano Noel, cheiro de maconha é tanto que você pensa que tá na boca, mas em real, é só o pai dele que a usa como medicina. Ele tem alzheimer. Não sei que efeito a planta faz, mas dizem ser boa.

— Caraca, tá cheio... Vai tirar ele todo? Os cachos estão bonitos. — me faz rir.

— Não tenho tempo e muito menos dinheiro para cuidar de um cabelo assim, Mano.

— Pode crê. Mas está top. Começasse dar um grau nele... — sugere. Fico em silêncio. — Confia em mim brother?

Suspiro cansado.

— Faz o que você quiser.

Ele fica entusiasmado. Não é como se ele fosse me mudar completamente com apenas um corte de cabelo.

— Taram!

— Parece outra pessoa. — Mateus fala.

Um corte degradê nos lados, com uma listra pela cabeça inteira, não é muito meu estilo mas ficou maneiro.

— Não estou acostumado a sair daqui cabeludo. — digo tirando o cetim. — Quanto?

— Hehehe, 15.

Olho para ele com cara de tacho.

— Quê? É menos cabelo para eu limpar

— Você tá de sacanagem com a minha cara e eu não tô gostando disso. — entrego o dinheiro e ele apenas sorri.

— Bom trampo. — agradecemos e saímos.

Na ida para borracharia passo em casa para tomar banho. Ninguém merece ficar com pó de mico natural, no corpo suado. Existem certas exceções até para mim.

— Já almoçou mãe? — pergunto saindo do banho.

— Sim, comi com Grazi depois que ela terminou com as roupas. Leve para Arthur. Ele não deve ter tido tempo de comer. — assenti. — Amei o corte novo. — ela sorri.

— Artimanhas do Mano Noel. — falo com humor. — Aqui. — entrego a sacolinha com linhas de tricô. — Vejo a senhora mais tarde.

— Pensei que só veria meu menino a noite. Estava me sentindo abandonada. — rir.

Essa era intenção. Mas ocorreu diversos imprevistos que eu prefiro que ela pense apenas que houve o melhor por hoje já que a maior parte, foi boa.

Mateus estava no fim da escadaria me esperando. Desço rápido. Falta apenas vinte minutos para duas. Temos que nos apressar.

— Kelly. — ele chama a garotinha.

Existem diversos cenários aqui na Baixa, por isso não me vitimizo do meu. Digo somente a verdade. Porque a família de Kelly vive em situação mais precária que a gente. Tendo apenas o avô trabalhando e os pais dela presos.

— Oi, tio. — ela se aproxima.

— Divide com as suas irmãs. — ela pega a marmita e sai correndo contente.

— E essa é do seu irmão. — ele trava. — Não estou te cobrando nada Mateus. Você pensou em alguém além de você e isso já conta como importante.— ele assente.

Chegamos na borracharia e o dono tinha saído para almoçar e não havia voltado ainda.

— Toma. — entrego Arthur.

— Que isso?

— Comida da tia Jô.

— Não deu conta de comer tudo, colocou comida demais? — diz abrindo a marmita.

— Não. O seu pai estragou o meu apetite. — digo com ânsia. — Mas tinha realmente colocado bastante comida. — refleti lembrando do tamanho do prato que nós três fizemos.

A tia Jô ficou muito feliz, ela gosta de ter sua comida apreciada. Os outros no restaurante ficaram abismados, os únicos que não se surpreenderam foi os tios da obra.

Aquele olhar de: "Para onde vai toda essa comida?"

— Ah, aquele cuz@o. Vou ter que agradecer desta vez. — gargalhei com o trocadilho.

Não esperamos o dono chegar, iniciamos o que nós estávamos fazendo ontem com a supervisão do Arthur. Ele é o funcionário de maior confiança, mas para que ele fique de olho nos outros, o patrão dele fala que é o encarregado especializado em motos.

— Não sentem medo do dono? — o encarregado pergunta para nós e Arthur só observa de longe comendo.

— Medo de quê? A gente tá fazendo o que ele mandou. As chapas têm que ficar em ordem no armazenamento. Por mais que daqui uma semana vocês vão bagunçar tudo de novo. — Mateus diz.

Podia ver o sorriso no rosto do irmão dele.

— Eu que mando na ausência do chefe. Não estou gostando do que estão fazendo.

— E daí? Viemos para fazer o que o dono gosta, não você. Agora pode parar de aborrecer? A gente tá com a cabeça meio zuada hoje. Já nos metemos em encrenca hoje. — falo voltando a minha atenção para o jogo de ferramentas que limpava.

— Dois delinquentes arruaceiros.

— Sai fora, Valter. Eu não vou falar de novo. — digo sem paciência já.

Tem uns caras que me dar nos nervos. É mais forte que eu o impulso.

— Vai demorar quanto tempo nisso aí? Horário de almoço já passou há muito tempo. — Arthur ergue o dedo médio para ele.

— Meus meninos, que bom que já se adiantaram! — o dono chega e Valter abaixa a crista de galo. — Terminando de comer filho? — Arthur acena.— Depois que terminar vamos trocar o óleo do Range Rover da Tenente.

Olho para Arthur de olhos arregalados e ele rir explicitamente da minha cara. Nego com a cabeça e ele assente, ficamos nessa até eu ceder.

Que ironia destino.

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DESATIVADA

DESATIVADA

kkk é o destino

2024-03-17

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