Eu tenho sido eu

— É sempre bom ver os dois, são animados e prontos para o trabalho. — ele desceu o olhar encontrando o da minha mãe. — Quanto tempo, Vanessa. Como sempre, linda. — a minha mãe agradece. — Vamos ao trabalho. Hoje vai render uma grana boa para vocês.

Deixo a minha mãe parada num local qual ela fica observando o movimento na rua. Estamos perto da saída da baixada do morro, é uma área mais urbana e tem um tráfego bem diferente e ninguém a conhece o que a deixa bem a vontade.

Eu e Mateus começamos a fazer o que o senhor nos atribuiu. No fim do expediente ganhamos cinquenta reais e temos que voltar amanhã para terminar. Mateus entregou o dinheiro para Arthur, mas ele negou.

Disse que era para ele passar no mercado e comprar leite e açúcar porque tinha acabado na casa deles. Que era para ele evitar que o pai dele visse.

Nós passamos no mercado e colocamos algumas sacolas no colo de mamãe, e carregamos nos braços as outras. Comida é tão cara, mas amo gastar com ela.

As nossas casas eram próximas, corri na minha para deixar as coisas que comprei e peguei a caixa dele de balas. Subimos um pouco mais.

Eu carregando mainha nas costas e Mateus trazendo a cadeira dela com as coisas logo atrás.

— Dona Tereza! — chamo a avó dele que logo abre a porta e um sorriso recebendo a nós dois. — Quanto tempo minha filha! Você nunca sai de casa. Coloca ela aqui, Gustavo. — a senhora coloca uma almofada no assento fundo do sofá para que sente minha mãe.

O pai de Mateus estava deitado no sofá dormindo. Aproveitando isso nós dois fomos guardar as coisas.

— O que era aquilo Mateus?

Parece que um botão de acionamento no cérebro do pai dele foi ativado, na hora ele acorda e já vai em direção aonde ficava as balas. La dentro os quarenta reais que conseguimos fazer.

— São algumas coisas que Arthur mandou vó. Ele disse que estava sem leite e açúcar e mandou eu trazer. Ele depois foi para o- — ele da um salto para trás assustado e eu entro na frente do pai dele.

— Por que não continuou lá até vender tudo Mateus? O que eu te falei!? — pragueja. — Você tá mentido. Você usou o meu dinheiro para comprar aquelas porcarias.

Todos não conseguem evitar o desgosto ao olhar para cara dele. Ele realmente pensa que pode agir assim?

— Na minha frente não, Urias. — minha mãe encara o homem. — É bem capaz de eu voltar andar se você pensar tocar nesse menino. Ele passou o dia todo no sol quente para te dar dinheiro para sustentar essa sua pouca vergonha. Pega logo o dinheiro e some. Dá um pouco de paz para sua família. Se fizesse como Matías seria melhor ainda.

Matías é o ex-marido da minha mãe.

Eu podia ver o desespero de dona Terezinha. A incapacidade de poder fazer algo para deter o filho. Sempre vendo o neto ser maltratado.

— Você acha que esse seu vara pau me assusta, Vanessa? Eu quebro ele no cacete também! — ele vem em minha direção.

— Já chega, Urias! — dona Tereza grita. — Vai embora. Eu não aguento mais você o dia todo nesse sofá e os meus meninos trabalhando. Quando seu pai estava vivo você não fazia nada disso, seu vag4bundo sem vergonha! Sai da minha casa! E se eu souber que fostes importunar Mateus ou Arthur enquanto trabalha, ou os meninos pequeno na escola. Eu mesma falo para se encarregaram de ti. Agora saia de minha casa.

— Só por que essa gentinha está aqui? — Urias age como se ele fosse o certo. Não sou de tomar partido, mas esse cara é um arr0mbad0.

— Você só me faz passar vergonha. Que bom que eles que estão aqui, porque se fossem outros eu não saberia onde enfiar a cara. Agora saia. Se você voltar, Arthur vai te tirar na base de pau. Porque saberes bem que ainda não o fizesse porque num deixei.

Urias pega o dinheiro e sai sem mais nada.

— Gustavo fique aqui. Me deixe em casa e volte. Não deixe dona Tereza sozinha. Os meninos vão chegar logo, será ótimo que um de vocês fossem os encontrar no caminho.

— Quem vai ficar com você querida?

— Eu dou conta sozinha. Gustavo trabalhou na avenida de manhã e o fim de tarde com Mateus na borracharia. Conseguiram uma mulher de bom coração hoje cedo na avenida, e trabalharam na borracharia assim teve dinheiro para comprar meu remédio e comida, sem contar que já limparam a casa para mim. Eu não tenho nenhuma necessidade, estou satisfeita por hoje. Até saí.

Dona Tereza olha para mim e Mateus com orgulho e olhos lacrimejando.

— Não. Tenho um espaço bem grade na minha cama, filha, dorme comigo que assim ninguém fica fora do conforto. Você fica aqui, não vai passar a noite só naquele barraco. Venha me ajudar com a janta. — transfiro minha mãe para cadeira de rodas e dona Terezinha a leva para cozinha.

— Vou encontrar os meninos. Fique com elas, se ele voltar você dá conta de conter ele melhor que eu. — assenti e fiquei na porta da cozinha vendo minha mãe sorri como não a via a meses.

Mocinha bonita do semáforo, o dia que te encontrei é um dos melhores da minha vida.

A comida sendo feita e o cheirinho gostoso de tempero de vó, cheirinho mais gostoso do feijão quentinho, o arroz soltinho, carne de panela. Nem sei quando será minha próxima refeição digna após essa.

Ouço a porta abrir e era Mateus e seus três irmãos mais novos, Guilherme, Tadeu e Linda, a única menina. Muito fofa, fazendo jus ao seu nome.

— Vão tomar banho. Vou ajudar vocês com a tarefa depois.

— Que horas que Arthur chega? — pergunto acompanhando com o olhar os pequenos irem até a cozinha, depois para o quarto.

A família deles é grande, mas por ter três provedores a situação é boa, sem luxos claro. Fazendo três refeições ao dia, e tem muitas coisas deixadas pelo o avô dele. Que também era um ótimo homem.

— Depois das duas. Por isso vó está fazendo carne. Ela sempre que tem visita ou quando Arthur trabalha até tarde dá um mimo.

— Não sou muito exigente. Se encher minha barriga já tá bom.

— Gustavo, você deveria parar com isso. Não é como se você fosse um símbolo de gordura corporal com armazenamento para meses, sem preconceito, você está me entendendo.

— Quer dizer que pessoas mais gordas não ficam doentes por não comer?

— Ficam, mas o corpo funciona por bem maior parcela de tempo que o seu. Você é um magrela de 1,70 de altura cara.

Mateus tem até a sexta série, eu sei escrever e ler e algumas contas básicas para mexer com dinheiro, fiz escola até o quarto ano. Nesse quesito nunca afronto, e ele nunca se exibe. Éramos para estar na oitava série... Que vida!

Volto meu foco.

— Fatos irrelevantes. Para mim é importante ver o rosto da minha mãe cheio, a beleza dela renovada. Ela feliz. Porque ela é a única família que eu tenho. — ele diz que entende mas que ainda assim é errado.

Não quero estar certo. Quero ser eu.

— Mateus, podemos assistir um pouco antes de fazer a tarefa?

— Pode. Preferem antes do jantar ou depois?

— Depois. — os três dizem em uníssono.

— Está bem.

Eles sentam para assistir novela mexicana e por Deus, fazia um bom tempo que eu não via televisão. Fiquei inerte com os sons da casa.

— Vovó quer ver o jornal, Linda. Vamos mudar o canal.

Então ouço a intro do jornalismo da região.

Tendo nostalgia dos dias com meus irmãos. Mas quando chego ao ápice de relaxar a minha mente é perturbada pelas lembranças dos gritos da minha mãe e as súplicas de todos nós ao meu padastro. Abro os olhos

”Operação policial na avenida xx, está tarde no Rio, terminou em tiroteio entre policiais e traficantes que carregavam um caminhão com drogas de Brasília até a Baixa do Sapateiro. Nossos repórteres teve uma conversa com a chefe da operação, Tenente Alana."

Tenente Alana: A operação foi planejada desde a constatação de saída do caminhão do perímetro da capital. Não houve interceptação da carga pois a intenção era pegar eles no último tráfego antes de entrar para a Baixa.

Só fico ouvindo a reportagem.

Foi por isso que a moça mandou a gente sair de lá. Ela deveria ser uma das polícias na operação.

— Ou, Gustavo. Essa não é mulher que estava falando contigo?

Olho para televisão com impulso grande no corpo.

— Que desespero é esse filho!? — minha mãe pergunta. Sinto minha cabeça pesar pelo ato repentino. — Tá vendo, Gustavo! — sinto ela se aproximando.

Olho para teve encontrando os olhos da morena agora de farda, colete, um coque bagunçado. Que linda.

”Sabemos que muitos jovens ficam nessa região vendendo balas. Vocês evacuaram eles? Ou fizeram parte do pânico de fuga?”

Tenente Alana: Eu mesma me encarreguei da evacuação deles. Nós isolamos a área mantendo a via exclusiva para a passagem somente do caminhão. Assim que fizemos a abordagem. Tentaram subornar os agentes por serem apenas dois na blitz, o resto de nós escondidos. Assim que o caminhão estava parado, sem risco de fatalidades desnecessárias damos início a operação.

”Houve feridos? O que define como fatalidades desnecessárias?”

Tenente Alana: Três responsáveis pelo carregamento mortos e outros foram detidos, sendo dois em estado grave encaminhados ao hospital. Do nosso lado tivemos dois feridos.

”Uma pena que haja mortos. A polícia não conseguiriam apenas os ter detidos?"

Tenente Alana: Detemos uai. Queria que gente fizesse o que? Retribuir chumbo com flor? Levasse tiro sem falar nada? Primeiro que toda ação gera uma reação. Não fomos nós que começamos o tiroteio Se houvesse rendição eu nem teria permissão de sacar a minha arma.

”Mas, Tenente-”

Tenente Alana: Eu não estou te ensinando a fazer o seu trabalho. Quer palco? Faz show. Mas não tenta ganhar audiência com falas minhas, que a sua emissora é conhecida por apoiar e dar moral para bandido na minha zona de opinião. Beleza? Se me dá licença eu tenho que terminar meu trabalho.

— Sinto dó é das famílias. — minha mãe diz fazendo carinho na minha cabeça.

— Estão vendo meninos? Eu sei que é sofrido o que fazem, mas nunca tenha que está nessa dúvida de opinião. — dona Tereza diz dolorida.

Ela perdeu um filho para o crime e o outro para as drogas.

Tanto eu quanto Mateus refletimos aquilo.

— Maninhos, não vão tomar banho? — Linda pergunta. — Estão com cheiro de gasolina. Nós vamos jantar daqui a pouco. Devem estar cansados.

Afago o cabelo da garotinha.

— Quem vai primeiro? — pergunto.

— Eu vou. — Mateus levanta.

Sinto falta dos meu pequenos. Eles também me faziam essa pergunta. Se eu estava com fome, se eu queria água, ou se gostaria de ajuda com a mamãe.

Minha mãe teve seis filhos sendo três destes, meninas, uma mais velha que eu e as outras eram mais novas e eram super atenciosas e meu irmão pequeno também.

Meus irmãos mais velhos saíram de casa aos 18 anos. Não deram notícias nem a mãe ou ao pai deles. Sumiram.

— Gustavo. — olho para minha mãe. — O meu rapaz, se sente bem? — ela acariciar meu rosto.

— Melhor do que nos últimos meses. Me sinto em paz pela primeira vez depois de muita agonia.

Ela beija minha testa.

Mesmo com tudo para fazer me arrepender, eu só vejo o que tô a minha decisão vale a pena.

Depois de tomar banho, nós jantamos. A avó de Mateus deixou a comida guardada dentro do forno quente para quando Arthur chegar estiver pelo menos morna.

Ele não mexe com o fogão por ser desajeitado e fazer barulho demais com as panelas quando chega assim tão tarde. Explicou ela.

Eu dormi no sofá da sala, era mais próximo do quarto de dona Terezinha. Mateus ficou com as crianças no quarto.

— Gustavo. — sou saculejado. Abro os olhos e vejo Arthur. — Por que está aqui? Aconteceu alguma coisa? — ele visivelmente preocupado.

Me levanto, e o acompanho até a cozinha. Mateus me pediu para tirar as panelas.

Ele disse: ”Aquele panaca vai acordar todo mundo se o fizer.”

— Seu pai foi expulso de casa hoje. Deixar a minha mãe se preocupou em deixar sua avó e os meninos sozinho e pediu para eu dormir aqui. Mas aí ficamos os dois. Espero que não incomode. Por causa disso.

Ele abraça-me como agradecimento.

— Pode dormir no quarto eu fico na sala. Eu quero ser o primeiro a dar de cara com aquele cuz@o quando ele entrar aqui de novo. Isso se ele tiver bolas de metal.

Rir com sua fala e ele abriu um sorriso grande.

— Como sua mãe está? — pergunta colocando a comida. — Quer mais? — nego.

— Minha mãe está bem. Acredito que melhor que antes, sem querer ser egocêntrico.

— Eu não observei muito hoje na borracharia, mas ela parece ter ganhado peso. A última vez que a vi estava de olhos fundos. — assenti.

— Ela se conformou com a ida de todos, e entendeu que era melhor assim. Come e toma os remédios direitinho. Como só tem ela em casa, eu levo algumas coisas em espécie de mimo para ela se cuidar. Estamos levando a vida.

— E você garoto?

— Eu tenho sido eu, Arthur. E está tudo ótimo.

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Comments

Livia Pereira

Livia Pereira

essa vida é a de muitos moleques sangue bom no mundo inteiro 😭

2024-04-27

2

DESATIVADA

DESATIVADA

cara esses garotos são de ouro puro

2024-03-17

3

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