Proposta cheia de marola

Quando o tio e Arthur estavam trocando óleo do carro, tanto eu quanto Mateus já havíamos terminado de limpar o armazenamento. Eu fui o sorteado para saber se tinha mais alguma coisa para fazer.

— Vocês podem trazer uns pneus para mim? Estão na carreta atrás da loja. Tem dois encarregados lá que vão ajudar os dois. — assenti. — Não estão com calor? — ele pergunta, e então me dou conta que estava em um show de nudez abdominal masculina gratuito.

— Estou ótimo. — abro um sorriso.

— Vai mostrar o que? Osso? Não come. — chuto Arthur que estava debaixo do carro tirando o óleo.

— A questão não é expor, é o calor. — digo entre dentes.

— Aham sei. Isso até a tenente chegar. — belisco a perna dele. — Ah! Corno. — pragueja.

— Só cala a boca, Arthur. Fecha essa matraca maldita. — rosno.

O filho da mãe ainda fica rindo da minha fuça. Eu odeio esse cara.

— Conhece a tenente, Gustavo? — o dono me pergunta e eu travo. — Ela deve chegar aí em uns vinte minutos. — minha garganta seca. — Gustavo? — traz-me de volta.

— Conhecer, conhecer, não conheço. — ele estranha, mas logo me libera.

Não menti. Não conheço a tenente, não sei nada além do que se passou na televisão. Foi um simples acaso nós termos encontrado-nos. Por mais que, ela seja encantadora ao ponto de me deixar confuso entre gratidão e paixão.

Sabendo meu lugar não crio expectativa.

Começo a descarregar a carreta com o Mateus, os dois supostos encarregados que nos ajudariam sentaram e ficaram olhando para nossa cara. Cada coisa que a gente vê.

Era para ter terminado mais rápido. Assim eu poderia voltar para casa, caçar outro bico para fazer porque consigo rápido devido a familiaridade com as pessoas da rua comercial da baixada. Ando por essas ruas a mais de dois anos trabalhando.

"Assume que a sua ansiedade de sair daqui é para não ter que encontrar ela e ser zuado." Aquela maldita voz interna, por que sempre certa?

Eu não me importo com o que dizem quando estão errados, me incomoda que eles estejam certos de alguma maneira.

— Como está o meu bebê? — ouço a voz dela.

Arregalo os olhos para Mateus, que está preparando um grito.

— Não faz isso. — digo guardando o pneu e procurando um lugar para me esconder.

Ele pega fôlego, mas antes que ele diga algo, Arthur o atropela.

— Gustavo! Traz a chave para eu descer o macaco e liberar o carro da tenente.

Mordo o lábio com tanta força contendo o xingamento escroto que eu destinaría a Arthur, que sinto gosto de sangue.

Saio com o sorriso mais falso do mundo. Com a porcaria da chave que eu sei que foi colocada ali de propósito, porque ela não esteve ali em nenhum momento até essa minha última volta com os pneus.

— Você trabalha aqui também? — a mulher me pergunta surpresa. — O que houve com sua boca?

— Mordi. — digo sem graça.

Como ela percebeu isso?

— Conhece o menino de ouro? — o dono pergunta sorridente. — Ele vem quase sempre me ajudar com algumas coisas simples, ele e o amigo. Daria uma ótima ajuda para senhora.— Mateus acena. Eu passo por ela cabisbaixo sentindo seu olhar agudo.

Entrego a chave para Arthur.

— Eu te odeio. — sussurro.

— Eu adoro ver você put0. É puro entretenimento. — ele entra debaixo do carro para encaixar a chave e descer o macaco.

— Até o dia que eu quebrar a sua fuça, panaca sacana. — digo entre dentes.

— Pode ficar a vontade. O menino vai liberar o carro para você. — o dono diz e sai.

Eu diria que seria impossível uma mulher se sentir confortável em um ambiente a qual ela é a única do seu gênero, mas, ela já deve ter passado por situações piores.

— Vi você hoje cedo, parecia... Diferente? — ela puxa assunto.

— Eu cortei o cabelo. — falo baixo com vergonha.

— Fala pra fora, Gustavo! — Arthur provoca.

Cerro o punho.

Eu vou matar esse cara. Eu tô falando sério agora, eu vou matar esse desgraçado.

— Arthur... Cê para, que já tá me irritando pra valer, e você não vai gostar do que eu vou fazer com você. — ele sorri levantando as mãos em sinal de rendição.

— Bom saber que tem amigos assim tão próximos. — desvio do olhar da mulher para os dois imbecis.

— Uma dupla de bocós. — os dois protestam. Ela rir.

— A gente está ajudando. — Mateus fala.

— Com o que?! — sério, perdi a paciência.

Ele vira o rosto fingindo de sonso.

— Que faceta interessante, Gustavo. Você parece ser tão tranquilo.

— Ele é tia. Só que estamos provocando ele desde manhã cedinho.

— Cedo quanto?

— Das seis.

— Uau, seu pavio é incrível. Preciso de um igual, onde comprou?

Sorri sem graça.

— Herdei da minha mãe. — sou sincero.

Minha rainha podia ter suas travessuras, mas é uma mulher muito paciente. Mesmo quando ainda andava, antes de eu nascer, meus irmãos mais velhos falam que ela nunca gritou com eles ou bateu. Ela chamava a atenção, mas nunca exageradamente.

É um puxãozinho de orelha, de cabelo, essas coisas que você reclama na hora mas depois de dez segundos some.

— Acho que vou acatar a ideia do senhor Euzébio. — a olho confuso. — Gostaria de trabalhar com a polícia?

Arthur e o irmão esbugalharam os olhos surpreendidos com o convite completamente repentino. Eu não soube como reagir.

— Vou ser um pouco desonesta com você. Pesquisei sobre seu registro, sei que morava sozinho com sua mãe e ela é deficiente não pode trabalhar, e que você sustenta a casa com muito esforço. Você é perfeito para o que eu preciso.

— Claro. Um favelado sem nada, da para ser usado-

— Gustavo!

— Eu disse em voz alta? — Mateus assente. — Desculpa tenente, mas eu já ouvi muita marola com início idêntico. Não vejo vantagem.

— Posso terminar de falar? — ela me encara. Parece desapontada, mas mantenho a postura. Eu também tenho minhas próprias razões. — Eu preciso de um aprendiz. — me surpreende. Ela coça a nuca com vergonha. — Você só tem até a quarta série, eu poderia te ensinar muito por você ser tão puro assim. — essa é uma nova maneira de descrever quase analfabetos? — Para mim no momento essa sua situação é vantajosa. Porque eu preciso disso para subir de cargo, foi uma missão que me atribuíram.

— Encontrar um pobre lascado, e fazer ele se formar como soldado? — Arthur pergunta.

— Na verdade, sabem que pessoas na situação de Gustavo tendem a lutar para viver de várias maneiras e podem considerar o...

— Entendi. Não quero ouvir mais. Não me encaixo nesse requisito. — digo tirando todas ferramentas de debaixo do carro.

— Gustavo vai ser ótimo para você. Só serão quatro anos longe de casa.

— Quatro anos? Minha mãe não dá conta de viver esse tempo todo sozinha. Ela precisa de mim

— Terá uma pensão-

— Nem tudo se trata de dinheiro. Eu trabalho e dou duro para ter dinheiro, não porque eu sou obcecado por ele, e sim por ele ser necessário. Mas dinheiro não vai tirar minha mãe da cadeira de rodas e a levar para tomar banho, muitos menos carregar ela na hora de descer as escadarias do morro, dentre muitas outras situações.

A encaro. Ela pode estar chateada, mas eu estou ainda mais desapontado.

— Vai precisar disso. Eu não vou te pressionar mais. — ela me entrega um cartão com o número de telefone.

— Eu não tenho celular.

— Mas conhece quem tem. — ela pega a chave do carro com Arthur. — Seus irmãos voltaram para casa, Gustavo. Eu pretendia falar com você amanhã sobre isso com mais calma, mas quis te dar uma solução antes que se desespere. É novo, não deveria ter essa carga.

— O que disse?

— Que não-

— Antes, bem antes.

— Seus irmãos voltaram essa tarde. A mulher do pai deles estava abusando deles. Ele implorou para sua mãe ficar com eles, e claro, ela é mãe. A mulher não vai permitir que ele pague pensão por mais que ele tenha prometido. — ela entra no carro e o liga saíndo da borracharia.

Meu coração começa a bater rápido demais, minha visão embaça e só escuto chamados ao longe.

— Preciso ir para casa. — digo ofegante.

— Gustavo!

Ouço a voz de Mateus, mas não consigo parar de correr.

Abusaram das crianças, Matias as trouxe de volta. Elas estão em casa com mainha.

As voz da tenente ecoando na minha mente, eu tô com a cabeça completamente atormentada por tantas coisa ao mesmo tempo.

Quando me dou conta estou na porta de casa. O som de risadas infantis me enche o peito de alegria e nostalgia.

Abro a porta devagar, encontro Dafne e Ricardo correndo pela sala vazia com poucos móveis no piso grosso, e mamãe penteando o cabelo de Rafaela, a única limpa dos três.

— Já chega. Vão tomar banho, seu irmão já deve estar chegan- — ela se interrompe ao me ver. — Dará conta de cuidar da gente, filho? — assenti indo até ela e a abraçando, junto da minha irmã mais nova.

Escutando a euforia dos pequenos.

Como eu julgaria Mateus por perdoar o pai, apenas por ter laços sanguíneos, enquanto eu, tenho semelhante situação? Eu literalmente sem nada, sem idade, sem estudo, disse para o provedor da casa ir embora que eu ia cuidar de tudo.

Nem carteira assinada eu tenho, um serviço bem remunerado muito menos. Eu só tenho a minha força de vontade e o amor, para tentar dar o melhor de mim, para ver minha família feliz.

Depois de me estabelecer. Tomei banho com Dafne e Ricardo, os ajudei a se trocar me arrumando também enquanto minha mãe foi para cozinha. Tive que pegar gás a prazo, mas com três dias eu consigo o dinheiro para pagar.

— Gustavo. — Mateus entra em casa. Estava penteando o cabelo da Dafne quando ele chega até a porta do quarto. — Trabalhou de graça a tarde toda? — ele coloca a mão na cintura.

Olho para ele sem entender. Ele tava junto comigo. Só fomos terminar o serviço, recebemos ontem.

— Sua parte Gustavo. — ele me entrega não vinte ou cinquenta, sim cem reais. — O dono falou que foi por descarregarmos a carreta sozinhos. Que ele iria dar cinquenta para nós quatro, mas os outros dois não ajudou.

Está aí! O dinheiro do gás.

— Coloca ali em cima pra mim, por favor. — peço e ele coloca.

— O irmão Mateus. — Dafne diz descendo da cama.

— Oi pequena. Como você está?

— Bem melhor agora. To toda cheirosa. — ela se exibe. Arrancando risadas alta de Mateus. — Vou brincar. — ela sai.

— Você não tinha produtos infantis em casa.

— O pai deles trouxe. — digo pegando uma roupa para vestir. — Trouxe cestas básicas também. Disse que é uma ajuda por ter os trazido de maneira repentina. Mas minha mãe disse que todo o tempo ele estava desconfiado e com medo. Não sei que tipo de mulher ele arrumou, mas essa é louca. Rafaela é a mais machucada dos três… — digo com a voz embargada.

— Também a mais parecida com sua mãe. — assenti.

— Minha mãe falou para eu ajudar ela a entrar com o processo. Porque ela tem certeza de que ele não vai pagar a pensão das crianças, e que não pode deixar essa carga imensa só para mim. Sabe o que é interessante? — ele nega. — Eu não creio ser uma carga. Farei com todo prazer o impossível para ver todos saudáveis e confortáveis.

— Foi sobre isso que a tenente falou, Gustavo. — o olho com desgosto. — Promete para mim, que se as coisas apertarem e tiver que mudar seu caminho, vai aceitar a proposta da tenente. Querendo ou não, para ver sua família bem, você tem coragem de eleger o "suicídio". — concordo. — Me prometa.

— Prometo. — vesti a camisa e roupa íntima ainda de toalha.

— Que cheiro bom. — diz ofateando o ar.

— Minha mãe esta cozinhando. Quer ficar para jantar?

— Hoje eu passo. Vovó está preparando purê de mandioquinha. Eu te vejo amanhã na avenida. Tchau tia, tchau crianças. — ele vai embora.

Minha mãe aparece na porta do quarto quando eu vestia a bermuda.

— Senhora? — ela apenas balança a cabeça. — Eu vou pagar o gás ao Tião. — falo dando um beijo na testa dela e saindo.

— Deixa a gente ir com você, Gustavo.

— Não.

— Vai deixa!

Suspiro cansado pego Rafaela e coloco nas costas, e os outros dois pego pela mão saindo de casa.

— Eu tenho tanto orgulho de você meu menino.

— Minha maior honra é ser seu filho mãe. — sorri.

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