A mulher mais preciosa

Desci as escadas indo até o bar de Tião. Os meninos foram animados cumprimentando a todos na rua. As vezes éramos parados por algumas tias que o conhecia. Era aquela coisa de beijos e abraços.

Não deixei que pegassem Rafaela e a expliquei o porquê e ela mesmo se negava.

Esse pega-pega ia fazer ela sentir dor. Os hematomas não são visíveis mas estão por todo o corpo. Enquanto Dafne e Ricardo tem marcas de varadas nas pernas.

Trinco os dentes ao lembrar da cena.

— Maninho? — Rafaela me chama.

— Oi princesa. — um sorriso mínimo me toma a face, quando sinto suas mãozinhas me fazerem carinho. — Tião! — chamo no balcão externo. Não vou entrar com eles lá dentro.

— Fala, Gustavo. — ele vem na expectativa. — O que posso ajudar? — balança as sobrancelhas.

Esse tio é uma comédia.

— Vim trazer o dinheiro do gás. — o semblante dele muda de animado para preocupado, me deixando confuso.

— Gustavo, onde conseguiu esse dinheiro filho? Não faça serviços a ninguém se não fará para mim. Porque aqui você tem segurança garantida por mim, garoto. Onde conseguiu esse dinheiro? — eu sorri. Ele relaxa um pouco ao ver meu sorriso.

Eu não sei se fico feliz ou triste. Vou escolher ignorar.

— Trabalhei na borracharia a tarde. Mas quando soube que os meninos haviam voltado, corri para casa sem receber. Mateus trouxe o dinheiro agora. Fica tranquilo, não vou aceitar trabalhar nem para senhor e ninguém mais se for nesse quesito aí.

— Isso é ótimo. — ele me passa o troco. — Aqui, é malandro velho. Lá é crime pesado. Lembre-se dessa distinção. Eu tenho o respeito, quem trabalha para mim também, mas lá, chefes deve ter respeito e quem desafia morre.

— Acha que eu seria um tipo que desafiaria?

— Eu tenho certeza. — dou risada com sua sinceridade. — Bezerra da Silva já diz filho: ”Malandro é malandro, mané é mané.”

— O senhor acaba de me chamar de mané, mas tudo bem. Entendi o seu ponto. — ele rir e passa a mão na cabeça de Rafaela.

— Eu vou para de te chamar para trabalhar comigo. Agora há crianças envolvidas.

— Tecnicamente sempre teve.

— Você não é criança, é um adolescente. Adolescentes tem capacidade de decidir sobre os próprios atos. — fico boquiaberto. — Isso é perante lei. — seu sorriso era quase diabólico.

— Nunca conheçam seus heróis. — digo para as crianças e dou a volta saindo.

Tião rir e se despende..

...****************...

— Warley, fala pro açougue chamar meu sobrinho para trabalhar.

— Pode deixar chefe.

— E que o pagamento deve ser feito em carne ou o dinheiro da diária. O dono sempre tenta dar uma de esperto.

Horas antes — Casa do Gustavo

— Vanessa, sabe que eu posso ajudar você.

— Eu não quero a sua ajuda, Sebastião. Acredito que sua filha e mulher também preferem assim.

— Deixa de ser cabeça dura menina! Nenhum dos meus sobrinhos sabem de mim, mas ainda assim eu sou tio deles e não me importo em ajudar. Sem contar que só arrumou homem que não presta.

— Me respeite, que ainda sou mais velha que você!

— Aí!

— Eu sei que não falta serviço para Gustavo por sua causa, e isso tem sido o bastante. Olha para mim, eu estou ótima. Gorda, limpa, saudável.

— Gorda você não está, deixa de se exagerada.

— Para quem era só osso. Não podia comer nada por semanas, comer duas vezes ao dia está ótimo. Quando foi que Gustavo pediu esse gás?

— Não pediu. Eu trouxe. Faz dois meses desde a última vez que ele comprou. Com os pequenos aqui, vai precisar cozinhar.

— Coloca pra mim. Vou dar banho em Rafaela e cuidar das feridas dela. Ela tinha sangue nas roupas quando chegou.

— Sabe que posso me encarregar de quem fez isso.

— Deixe os julgamentos para Deus. Ele sabe o que faz.

— Você e essa fé idiota, te colocou numa cadeira de rodas.

— Não fale assim, Sebastião! Você pode ter poder aqui na terra, mas não é você quem comanda os céus. Faz o que eu pedi. Vou falar com Gustavo que foi eu quem te pedi para trazer através de Joabe. Ele leva o dinheiro em até três dias.

— Pode ser até nunca, só cobro por você ser cabeça dura.

...****************...

— Voltamos mamãe! — Dafne sai correndo até a cozinha.

Coloco Rafaela no chão e saio.

— Gustavo você não está bem. Está inquieto, o que aconteceu? — minha mãe me para antes de eu abrir a porta.

— Por enquanto nada. — digo soltando um suspiro. — Eu vou ficar bem mãe. Fica tranquila. — beijo o rosto dela e vou para o quarto.

Deito na cama, e fico pensando onde vou colocar os meninos sem ser necessário eles dormirem com a mãe. Porque ela sentirá dores com eles subindo sobre ela, toda a noite.

É tanta coisa para processar. E se no próximo mês não der bom de trabalho como no início desse mês? O que eu vou fazer para comprar leite que não vem na cesta, produtos de higiene, vai ser uma remessa bem maior.

Respiro fundo.

Olhos verdes e cabelos longos negros tomam-me a mente, que mulher puramente encantada para ferrar com a minha cabeça!

No momento tenho sessenta, da para comprar as coisas que não vieram na cesta, e não foram tragas por Matias. Ele não trouxe tudo. Vou ter que começar a lavar roupa uma vez por semana, tem que tirar um dia para fazer isso. Limpeza da casa é pelo menos vindo vezes na semana. Mamãe vai ficar responsável pela louça, comida e cuidar das crianças.

Crianças... Puta merda! Tem que levar elas para escola que é fora da Baixa.

Não se desespere, Gustavo. Você dá conta. Não surta.

Vou repentino na mente como um sutra, até a minha cabeça ficar completamente em branco. Durmo.

— Gustavo. — a minha mãe me balança. Não sou conta de me virar com o corpo completamente dormente.

Quando me dou conta está Dafne e Rafaela dormindo em cima de mim e Ricardo sozinho esparramado na outra cama. Me levanto e cubro a duas.

— Gugu... — Rafaela resmunga.

— Vida boa em pivete. — aperto o nariz de Ricardo e ele reclama.

— Para com isso. — a minha mãe fala.

Sorri-lhe. Ela pareceu estar liberada de fardos com isso.

— Bom dia, minha rainha! Bora! Trabalhar, porque eu tenho que alimentar esses meninos! — digo beijando e abraçando ela, que ria com muita alegria.

— Vai para avenida?

— Vou, mas vou procurar algo melhor para tarde.

— Não. Tira a semana para me ajudar. — ela pede.

— Certeza mãe? Ainda que tenha tudo em casa ainda assim, vai acabar rápido.

— Filho, vamos comigo no Fórum. Depois vamos à escola pegar transferência dos meninos e trazer para escola daqui de dentro da comunidade. — ela segura as minhas mãos.

Eu concordei com aquilo. A minha mãe pediu-me com tanto pesar que jamais a negaria.

— Dona Terezinha! — chamo e logo a avó de Mateus aparece na porta.

— O que houve filho? — vem preocupada. Eu estar até esse horário na favela é novidade. Eu saio cedo, e já são oito.

A minha não quis acordar os meninos antes não me deixou sair de casa. Fez café, nós comemos juntos. Ela ainda cochilou um pouco mais.

Eu não consegui dormir devido ao costume, só fiquei no sofá olhando para o teto. Que está a precisar de uma limpeza urgente. Mas fiquei tão absorto em pensamentos que nem isso fiz. Também faria muito barulho e a minha mãe ia brigar.

— Tem como ficar com esses pestinhas para eu levar minha mãe na cidade? — o peito dela enche de vida assentindo freneticamente me arrancado risos.

— Vovó, quem é? — Linda vem coçando os olhinhos.

Quando se encontra com o olhar de Rafaela e Dafne também sonolentas, as três despertam.

Eu as deixei entretidas e sai escondido. Eles têm estado bem em alerta com relação a mim e mamãe. Expliquei isso brevemente para dona Tereza.

Eles sentem medo de tenham que voltar para casa do pai, estão em alerta sobre qualquer movimento nosso pensando que vamos mandar eles de volta.

O que é impossível. Só vamos arrumar algumas coisas para ficar melhor para eles viver com a gente.

Querendo ou não a escola era muito longe da Baixa, eles iriam cansar de caminhar até lá todos os dias. Ao ponto de se desmotivar o estudo. O que eu não quero é isso. Mateus já tem 10 anos, para ele simplesmente me usar como desculpa e parar de estudar é muito fácil.

— Está pronta mãe?

— Estou filho.

Como estou sozinho para levá-la. Coloco ela no sofá e desço a cadeira primeiro. Depois volto para buscar ela e travo todas as portas.

Quando termino de ajeitar minha mãe na cadeira, ela parecia sentir incomodada então eu percebo olhares destinados a ela. Me dou conta de um bastante familiar.

— Que foi, Joana?

A bruxa dentro dela deve estar solta, por Joabe ter feito o favor para minha mãe ontem de ter ido pedir o gás.

— Nada, senti cheiro de put4. — encaro a mulher. — Que foi menino? Quer que eu chame meu marido?

— Eu em, claro que não. Vai se ele pega minha mãe e levai aí para dentro? Ela não pode se defender. Eu não tenho culpa se ele não se dá o respeito, e toda vez que a vê destina-lhe uma cantada. Ela tem muito menos culpa de você ser feia e ela bonita. — falo com sonsidez e minha mãe me belisca.

— Vamos, Gustavo. — diz entre dentes.

— Sim senhora. Tchau Joana. Fala pro Joabe parar de olhar para minha mãe porque ele é casado. Não fica ofendendo minha rainha sem ela ter feito nada.

— Se ela pudesse ela faria! — vejo minha mãe revirar os olhos.

— Quem é que quer aquele feio desnutrido? Só tu mesmo baranga encrenqueira. — minha mãe resmunga. Só que Joana não escuta, só eu.

— Se ela pudesse, eu diria para ela fazer. Só para você ter motivos de encher o saco e exibir por aí um belo par de chifre. Aí sim, você poderia agir a vontade igual uma vaca amojada. Porque eu mesmo ia divulgar a existência deles.

— Gustavo! — minha mãe puxa minha orelha.

— Aí, mãe! Tá bom, tá bom! Parei!!! — ela solta e fica de bico.

Fui cantarolando e minha mãe resmungando coisas desconexas. Essa língua afiada era dela, eu só assumi o papel.

Que eu lembro quando ela ia me levar para escola, grávida, sem paciência alguma, e Joana começava a encher o saco. Ela falava que um dia ia dar motivo para ela.

Quando Matias chegava ele mesmo resolvia com Joana e Joabe. Por ser uma briga velha e fútil ele nunca bateu na minha mãe por causa das palavras de Joana.

Ele batia nela sempre que uma tal de Neusa, dizia alguma coisa.

Ele ia para o bar e bebia. Quando chegava em casa a violenteva, sexualmente, físicamente e moralmente.

Só que, infelizmente, nesse mesmo ano, dois meses depois do nascimento de Rafaela. Surgiu um rumor falso, que até hoje Matias pede desculpas a minha mãe, de que ela havia dormido com Tião. Porque viram os dois conversando quando ela passou no bar para pedir o gás.

Matias bateu na minha mãe com uma vara de ferro nesse dia, quebrando a bacia dela. Sem dinheiro para pagar a cirurgia, só podemos esperar o SUS e tratar para que mamãe não tivesse tantas dores. Por isso os medicamentos que ela não pode ficar um dia só sem.

A paraplegia dela é expressamente provada, e a cirurgia seria uma possibilidade de ela poder voltar a andar. Nada garantido.

Estamos há cinco anos esperando. Nada até hoje. Tanto que minha mãe já perdeu as esperanças de que voltará a andar um dia.

 — Que foi Vanessa? Bico é esse? — outro que quer ser mais que um homem qualquer na mente da minha mãe.

Ignoramos o comentário e saímos. No outro dia que fomos para borracharia, estava em horário de almoço, outros trabalhando não teve tanta muvuca.

Mas sair com senhora Vanessa em horário de pico, é pedir para ser aborrecido. É uma mulher de presença marcante, que me faz rir a beça. Por mais que ela fique irritada, é muito bom. Vale a pena.

Minha mãe pode ter seis filhos, mas tem muito homem querendo assumir a creche. Porque ela é muito linda e nova, com apenas tinta e dois anos esbanja muita beleza. Sempre foi uma mulher linda, nunca se acabou como outras.

Acredito que por isso seu ex-marido nunca a largou mesmo sendo muito ciumento, e se percebia nos olhos dele o desejo que sentia por minha mãe.

Mas ela, era exatamente o contrário. O desprezo por ele era evidente. Essa foi minha maior motivação ao dizer que tomaria a frente da casa, minha mãe, digo com orgulho.

Amo demais. Já quiseram me fazer sentir vergonha da minha mãe, do meu nascimento, mas hoje, se me perguntarem eu digo com o maior prazer: "Sou filho de Vanessa, pode ser que você não a conheça. Mas é a melhor mãe que eu perderia ter."

— Bom dia! Cara é essa? — Tião cumprimenta.

— Só me faltava esse moleque... — minha mãe resmunga.

— Eu te ouvi Vanessa. Bom dia para você também. — ele diz.

— Bom dia, Sebastião. Agora vai cuidar da sua vida. — ela vira para frente.

Eu me mato de rir atrás, empurrando a cadeira com cuidado pelo cascalho.

Tem apelido de velho, mas Tião foi motivo do rumor por ser novo e galanteador, na época solteiro. Atualmente casado e com uma filha de dois anos. Ele deve ter menos de trinta anos, a minha mãe sempre o trata com asco.

Julgo que tomou nojo de todos os homens com exceção dos filhos.

— Fazer o que? Ninguém mandou ser tão preciosa. — digo e ela dá-me um sorriso mínimo.

— Esse moleque vai ser garanhão. — ele comenta e é minha vez de o encarar. — Foi um elogio.

— Dispenso.

Ele gargalha da minha cara.

Acabou com meu humor. Povo chato.

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