Não é para seu bico

Fomos para delegacia dar entrada na ocorrência junto com o pedido de corpo de delito emitido pela escrivã. Fomos todos interrogados, até mesmo Rafaela.

Na sala fria, perguntas intermináveis.

— Atualmente as crianças presencia abusos sexuais?

— Não que eu saiba. Afinal, elas não estavam morando comigo.

— Qualquer uma pode ter sido violentadas? — o investigador me olha com agudez.

Esse cara tem problema?

— Não! O que quer dizer com isso, encarando meu filho?

— O garoto está na puberdade senhora, a postura de ele tomar banho com as duas irmãs menores não é correta. O que me garante de que não está mentindo? Quem na verdade é o responsável é seu filho?

— Isso é um cúmulo! Como seria ele se as crianças não estavam na minha casa e ele sempre morou comigo! Outra, como ousa acusar minha criança de um ato tão infame!? Ficou senil!? Eu sei educar os meus filhos, não preciso da sua opinião investigador. O que eu quero é provas contra uma vagabunda que se achou a ter o direito de bater nos meus filhos, enquanto eu, a mãe deles, nunca lhes encostei um dedo!

Olho para mão do homem, percebo uma aliança. Por que não fazer uma piada tão pesada quanto?

— Seria bem mais fácil eu dormir com a sua esposa do que com qualquer pessoa da minha família. — falo sério olhando no fundo dos olhos do investigador. Ele esconde a mão com a aliança. — As minhas irmãs teriam medo de mim, elas são crianças e não mentem. Pode perguntar a qualquer uma delas se alguma vez eu as maltratei. Para crianças isso, licença mãe. — pego o braço da minha mãe e puxo com muito cuidado. — Você já fez isso com os seus filhos? Você tem cara de quem obriga os outros aos seus gostos. Isso é maltrato, o mais simples dos atos eu nunca fiz. Então, vai em frente com suas perguntas.

O ato de puxar o braço de uma criança para obrigar ela a fazer algo que não deseja, é muito comum. Mas não deixa de ser uma violência, afinal você além de forçar-la você a puxa com muita força. Isso podendo gerar lesões leves ou mais graves dependendo da situação, mas em sua maior parte de ocorrências elas são leves, deixando apenas marcas. Por isso é comumente usado com crianças birrentas.

— Você vai continuar de meia hora ou vai levar isso a sério? Eu prefiro outro investigador se é para ter você longe da gente. — minha mãe diz.

O investigador ainda estava engolindo nossas palavras. Ele se levanta indo até a porta.

— Alana!

A mulher responde vindo até ele. Ele discute algo como desacato a funcionário público, mas eu posso acusar ele de calúnia.

— Eu me encarrego adiante.

A mulher diz, quando ela se põem dentro da sala e faz contato visual comigo meu corpo treme.

— Que família linda, Gustavo.

Tenente.

Minha mãe me encara, buscando saber de onde eu conheceria a moça.

— Podemos resolver o mais rápido possível? Estamos ficando estressados com o ambiente. — pergunto com educação.

— Serei breve.

Ela se senta e em menos de dez minutos encerra o interrogatório.

— Passe para pegar o resultado do exame de corpo de delito em dois dias. — nós concordamos e assim que levantamos. — Gustavo. — minha mão treme. — Pensou com carinho na minha proposta?

— Que diabos!? O que está havendo aqui, Gustavo? — minha mãe pergunta.

— Pelo visto nem conversou com sua mãe sobre. — diz desgostosa.

— Ainda não tive a oportunidade. Obrigado pelo auxílio.

— Imagina, apenas fazendo o meu trabalho.

Ela sai visivelmente frustrada.

— Essa mulher te pediu em casamento? — minha mãe pergunta. Eu olho profundamente para ela. — Que foi? Ela parece uma noiva rejeitada.

Não consegui conter o riso e saio rindo da sala empurrando a cadeira da mamãe.

— Não ria de mim seu moleque!

— Sua imaginação é muito fértil, mãe. — digo ainda rindo.

Mamãe fica resmungando, mas os pequenos ao me ver sorrir ficaram agitados. Rafaela muito animada no colo de mamãe.

Voltando para casa, Rafa e Dafne dormiram no percurso. Ricardo me ajudou empurrando a cadeira no meu lugar.

— Não estão cansados? — minha mãe pergunta.

Só assim me dou conta de que Ricardo estava andando meio forçado. Eu já sou acostumado a andar o dia todo, mas ele não.

— Mãe a senhora dá conta de empurrar a cadeira até chegamos na entrada da Baixa? — ela assente.

— Vem aqui, garoto. — seguro Ricardo.

— Tá louco, Gustavo? Coloca esse menino no chão!

— Eu já descarreguei uma carreta de pneu de caminhão, garanto que isso aqui pelo menos para ele descansar um pouco vale. Eu carrego a senhora também, esses dois são equivalentes.

— Gustavo meu filho, você não é um homem. Ainda é só um menino. E você me carrega nas costas, levar Dafne nos braços e Ricardo nas costas cansa bem mais.— minha mãe me olha com súplica eu apenas abro um sorriso.

— Vamos mãe. Ricardo não é pesado. Ele é até baixo para idade dele. — digo andando na frente.

— Ele não é baixo, você que é alto demais! — ela briga vindo logo atrás.

Chegando em casa, coloco as pequenas na cama e Ricardo disse que ia tomar banho logo e dormir um pouco também. Ele deu um cochilo no meu colo, tanto que ele quase caiu, eu levei um susto tão grande.

De brinde um esporro da mamãe, dizendo que havia avisado e mais. Típico.

Depois que tiro Ricardo do banho e ele vai para o quarto se trocar, vejo minha senhora me encarando.

— Agora, você mocinho. Venha me ajudar. — levo ela até a cozinha. — Aquela moça é a mesma da televisão?

— Sem rodeios em, dona Vanessa. — sou sarcástico.

— Gustavo.

— Desculpa. — ela torce o nariz. — É sim, a tenente Alana. A mulher que comprou todas minha balas aquele dia.

— Que proposta ela fez a você? Não me disse nada, e já faz três dias que se conheceram.

— Ela fez a proposta ontem mãe. Foi ela que me contou que os meninos haviam voltado para casa, sobre eles estarem sendo abusados... — minha mãe espera que eu prosiga. — Ele me chamou para ser a missão de patente dela.

— Fale para que eu entenda, falta detalhes aí.

— Ela quer se tornar Coronel, mas para isso, ela precisa de um jovem favelizado com grande acessibilidade e probabilidade para o crime e o transformar em um soldado. Teria uma pensão mensal já que sou eu quem trabalha aqui em casa, eu iria poder estudar.

Minha parece refletir.

— Por que não aceitou?

— Porque eu teria que ir para Brasília. Por no mínimo quatro anos mãe. Eu não posso te deixar só, ainda mais com os meninos aqui agora.

— Gustavo eu tenho que te lembrar que eu sou uma mulher adulta, que se você está aqui hoje é por que eu te pari?

— Não. — respondo sem entender.

— Eu dou conta de me virar sozinha. Você vai aceitar a proposta.

— Não vou.

— Vai sim! — ela fala com firmeza me impedindo de retrucar. — Isso é o seu futuro. Conseguindo entrar para polícia você terá uma vida muito melhor. Você vai poder voltar a estudar, vai trabalhar, mesmo de longe se me ajudar financeiramente eu dou conta de viver com seus irmãos muito bem.

Ela se aproxima ao ver minha carranca séria e contrariada.

— Você é meu orgulho. Por isso, eu não permito que deixe essa oportunidade passar, não é bem o dinheiro Gustavo, mas só de saber que você vai ter oportunidade de estudar, trabalhar e garantir um bom futuro eu te obrigo a ir. Porque isso é algo que eu não posso te oferecer, se essa mulher pode, eu sou muito grata a ela. — ela beija minha testa.

— Eu não vou ficar em paz deixando a senhora aqui sozinha mãe. — digo sentindo meu rosto molhar com lágrima solitárias.

Alguém bate na porta chamando a atenção de nós dois.

Limpo os resquícios e vou até a porta a abrindo. Ao ver quem era puxo para dentro com brusquidão.

— Realmente é apenas um garoto que acaba de entrar para adolescência!? — fecho a porta e cruzo os braços encarando a mulher.

— Ficou louca, tenente? Dá próxima vez passa pela Baixa gritando ser uma oficial que vai receber um balaço mais rápido. — ela segura um riso.

Ela é maluca. Querendo ou não, aqui ainda tem chefes de facção. Andar assim, enquanto o rosto foi exposto por toda a cidade do Rio como interceptora de carga de droga, um prejuízo danado para o tráfico, pedindo para cabeça, literalmente.

— Gustavo, modos. — minha mãe repreende.

— Obrigada pela preocupação. — ela sorri e eu reviro o olhos. — Isso é para senhora. — ela entrega um envelope para minha mãe. — Já que seu filho é difícil de convencer, eu resolvi partir para o ponto fraco dele. Espero que me entenda.

Minha mãe abre o envelope, depois de alguns minutos lendo eu vejo os olhos dela encherem de lágrimas.

— Que foi? — corro até ela.

Ela me mostra o papel.

Ela foi aprovada para fazer a cirurgia...

Entro em choque com aquilo. Depois de cinco anos aguardando, que seria bem mais. Com apenas algumas horas, a tenente conseguiu a aprovação... O que o poder não faz?

— Gustavo, vem comigo. Por favor. — ela me pede.

Minha mãe seca as lágrimas se recuperando da emoção.

— Ele vai. Ele já iria mesmo sem a aprovação de cirurgia, agora ele vai nem que seja algemado, tenente. — minha mãe fala trêmula. — Eu estava conversando com ele quando você chegou. Acaba de me deixar em dívida com você, então sim, Gustavo vai com você.

Agora para minha surpresa quem chora é a tenente.

— Muito obrigada! — ela diz. — Muito obrigada mesmo!

Isso é estranho.

— Eu vou, mas, tinha outra pessoa além de mim?

— Gustavo, isso não é da sua conta.

A tenente diz que tudo bem, e começa a explicar.

— Na verdade sim. Caso eu não conseguisse recrutar alguém, meus chefes me designariam adolescentes errantes. Eu não queria colocar esse tipo de pessoa na minha casa, espero que entenda, não é preconceito com "carência", é o fato de querer me colocar como responsável de homens de dezessete, dezoito anos e concertar algo quebrado e ainda me por em risco. — ela foi contando tudo entre soluços. — Eu sei que Gustavo é trabalhador, e duvido muito que ele seguiria o caminho errado. Mas eu estou usando tudo ao meu favor, para poder dormir tranquila sem ter medo de amanhecer morta por alguém que eu mesma coloquei na minha casa-

Interrompi ela com um abraço. Ela tremia, e seu choro era de uma criança desamparada. Enquanto isso, minha mãe foi buscar água.

— Bebe um pouco de água querida. — minha mãe diz com o copo na mão.

Sento a tenente no sofá. Ela não consegue segurar o copo por estar tremendo muito. Pego o copo da mão da minha mãe, agradecendo.

— Abre a boca. — digo levando o copo até seus lábios. Com calma ela vai bebendo.

Para minha infelicidade era uma cena extremamente tentadora. Creio que minha mãe também percebeu, o anseio que tive pela tenente naquele momento.

— Parece que não era uma noiva com expectativas quebradas e sim um noivo. — minha mãe diz estalando a língua.

Olho para ela com vergonha. Ela apenas arqueia a sobrancelha.

— Quem não te conhece que te compre, Gustavo. Na verdade, já compraram. Pobre menina.

— Mãe!

— Vou fazer a janta. Fique para jantar, Alana. Posso chamar você assim? — a tenente assente. — Que doçura. — minha mãe some de nossa vista.

— Eu tenho o prazo de duas semanas, Gustavo. — ela diz rouca. — Eu não poderia confiar. Querendo ou não, eu estando de guarda baixa sou mais fraca que um homem por natureza. Prova disso, foi você me puxar para dentro com facilidade com a sua força em apenas um braço. Isso é que você só tem treze anos, o que dirá um rapaz com dezoito pode fazer. — assenti. — Eu vi pureza em você. Eu acho que me entendeu errado na borracharia. A pureza que eu vi em você não foi a falta de escolaridade, ou algo do gênero, você não tem maldade. Você olha para pessoas com sinceridade, puro, ao ponto de quem não te conhece se sentir bem perto de você. Transmite segurança.

— Quem é puro não cobiça mulheres descaradamente. — minha mãe fala da cozinha.

— Mãe! — olho para tenente com vergonha.

— Acho que isso é normal. — ela rir. — Pelo menos algo em você é da sua idade. A curiosidade com o sexo oposto, o desejo que os hormônios afloram. Pode trazer namoradinhas, vou amar tomar café com elas.

Se ela soubesse...

— É Gustavo, namoradinhas. — minha mãe debocha.

— Mãe, a senhora está parecendo o Mateus e o Arthur agora. Chegô!

Ambas riem de mim por estar envergonhado.

— Eu sou nova, mas pelo meu pai ser comandante geral aposentado do exército, eu consegui muitas regalias. Com isso estou para chegar no posto com o título de coronel mais jovem. Eu quero dar esse orgulho ao meu pai, ele só tem a mim. Meu irmão faleceu em um confronto. Sei que é repentino essa história Gustavo, mas eu quero te mostrar que eu sei o valor da família. Eu também quero ser o orgulho da minha.

— Tem quantos anos, Alana? — minha mãe pergunta.

— Tenho vinte e sete. — ela responde.

Pude ouvir um: ”Nao é para seu bico.” da parte de minha mãe.

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