No Morro Por Acaso
O dia estava quente. Mal consegui atender na clínica o dia todo, o ar-condicionado estava com problema, não estava resfriando direito. Ficar de jaleco e máscara para atender foi um inferno. Por sorte, não tinham mais pacientes depois das duas da tarde. Coloquei o meu jaleco na maleta. Para ser sincera, eu não queria voltar para casa, mas para onde eu iria? Se eu demorasse iria ser ainda pior. Félix estava cada vez mais impaciente, já não sei mais como agradar a ele. Eu tinha que voltar, infelizmente. Queria nunca mais precisar colocar os pés naquele lugar.
Desatenta pensando no que podia fazer para o jantar, talvez uma boa comida melhorasse de alguma forma o humor do meu marido. Uma noite calma cairia bem. Imersa em meus pensamentos, acabei entrando sem querer em um beco um pouco escuro, tropeçando em algo grande, me desequilibrei e cai no chão de bunda. Que fantástico. Estava orando pedindo a Deus uma luz para sair da minha situação e ganhei um tombo. Talvez seja a resposta das minhas preces.
— O que é isso? — Minha mão estava suja com um líquido que estava por todo chão, o cheiro me atingiu depois, era bastante conhecido. — Sangue?
— Barulhenta do caralho — Um homem estava sentado no chão, encostado na parede, uma das suas mãos pressionava sua barriga que jorrava sangue.
— Você precisa de ajuda. — Falei me aproximando dele. Vendo de perto, era um homem bonito. Negro, estava sem camisa, seu corpo estava coberto por tatuagens, podia está em um estado lamentável, mas mesmo assim, era um tremendo de um mal caminho. — O que aconteceu com você?
— Papo reto, tu é gostosa, mas tô cheio de ódio agora. Vaza daqui — O homem sorrio sem humor.
— Quê? Não! Preciso saber exatamente o que aconteceu. Você perdeu muito sangue. Não sei nem como ainda está consciente. Vou ligar para SAMU. Não temos muito tempo — Falei já discando o número no meu celular, mas ele derrubou com um tapa com sua mão que estava livre.
— Deixa de ladainha. Só xispa daqui. Rala peito. Eu tô de boa. Tu tem cara de laranjada. Já tive o suficiente por hoje — O homem pálido me dizia com uma voz rouca, ao mesmo tempo fraca.
— CALA BOCA! Deixa eu parar esse sangramento. E me fala logo o que aconteceu de verdade, só assim posso te ajudar. — Enquanto falava com ele, tirei da minha maleta meu kit de emergência, precisava estancar aquilo o mais rápido possível.
— Pega a visão, tu vai me ajudar como? — O homem parecia surpreso.
— Sou médica. O que te feriu? Preciso saber. Fala logo. Você vai acabar morrendo desse jeito. E FALA DIREITO. Não entendo quase nada que tu fala. Tenta explicar de uma forma que eu consiga entender — Eu gritei com ele. Já estava nervosa. o sangue não parava. A pulsação dele tava cada vez menor.
— Foi um tiro. — O homem me respondeu um pouco receoso, ao mesmo tempo que parecia analisar minha reação.
— UM TIRO? ISSO EXPLICA TODO ESSE SANGUE. A minha clínica está longe demais para ir para lá. Precisamos ir para minha casa. Vem, se apoia em mim. — Pensei que ele ia se negar ou fazer barulho, mas ele concordou se apoiando em mim.
Por sorte, minha casa era do outro lado do beco. Foi muito difícil carregar aquele homem enorme, com meu tamanho, eu parecia uma anã perto dele. Assim que entramos coloquei ele no sofá. Fiquei andando para um lado e para o outro pensando o que eu tinha em casa que podia ajudar naquele momento.
— Tais vendo bicho? — O homem disse debochado.
— Não sei o que quer dizer, mas vamos brincar de falar comigo sem gírias? Ou vai dificultar o diálogo e eu preciso de respostas. Quero saber se morrer vai continuar cheio de piadinha também, gaiato. Eu sei o que fazer ou o que deveria fazer, mas se você ainda não percebeu, não estamos em um hospital ou clínica. Não tenho uma sala de procedimento no meu porão. Talvez isso seja até crime. Ah! Que seja! Vamos fazer do modo antigo. Por sorte, tenho anestesia na maleta. — Eu falei enquanto pegava álcool, alguns instrumentos, algumas toalhas e a medicação que seria necessário. Não vou mentir. Nunca fiz isso. Só na faculdade, com cadáver! Mas estamos sem opções no momento.
— Caralho, trema menos ou mesmo faço isso. — O homem gritou.
— Cala boca. Preciso ficar calma. Se você morre, eu perco a minha licença, sabia? O que estou fazendo é errado de várias formas. Então não me pressione ainda mais do que já estou. — Minha cabeça parecia que ia explodir.
— Curti. Papo reto. Em vez de se preocupar com a minha vida, está preocupada com a licença. Você é diferenciada. — O homem continuava de bom humor. Não conseguia nem entender o que ele falava, muito menos sua linda de raciocínio.
Tentei parar o sangue ao máximo manualmente, mas apenas quando a medicação fez efeito, parou um pouco, mesmo assim, ainda estava com bastante dificuldade de enxergar qualquer coisa. Dei o máximo que tinha de anestesia e passei uma garrafa de whisky para ele.
— Whisky? — O homem perguntou confuso
— Eu não tenho muita anestesia, dei tudo que tinha. Você ainda vai sentir dor. Não vou mentir. Precisa ser forte e aguentar. Me desculpa, eu vou tentar ser rápida. — Eu estava realmente preocupada. Não sabia o que fazer. Não podia amenizar a dor que causaria, mas era necessário.
— Não se preocupe, tô de boa. Só concentra no seu corre. Confio em você. — O homem me disse.
Não tinha outra opção, ele estava certo. As medicações que dei não vão ter o efeito por muito tempo. Respirei fundo, comecei. Tive que cortar um pouco mais ele, precisava ter uma visão melhor da parte interna. Senti seu corpo ficando rígido, seu pulso diminuindo. Ele estava sentindo tudo. Preciso me apressar. Meu desespero aumentava cada vez que encontrava mais e mais sangue, mas nenhuma bala. Eu já estava ficando desesperançoso e vendo minha licença escorrendo das minhas mãos.
— ACHEI! — gritei já tirando a bala com cuidado. Senti ele respirando aliviado. O marrento não queria admitir, mas deveria está com medo. Não julgo. Eu já estaria morta a muito tempo. Não aguentaria metade do que ele aguentou, ainda mais de bom humor.
Limpei o melhor que pude tudo e comecei a fechar. Ele sentiu a dor. A anestesia já deve ter sumido totalmente. Quando finalmente terminei de fechar ele, o alívio bateu, me joguei no chão. Comecei a me tremer toda. Eu tinha acabado de abrir e fechar um homem gostoso, mas totalmente desconhecido, que levou um tiro no meio da minha sala. O quão absurdo tinha sido esse dia? Eu só estava pedindo um dia calmo e tropecei em problemas.
— Tais bem? — O homem perguntou, parecendo preocupado, eu tive uma crise de riso na mesma hora.
— Eu acho que você não está em um estado que possa se preocupar com alguém. Não se preocupe. Minha adrenalina caiu. Já vou ficar bem. — Olhei no relógio, estava quase na hora de Félix chegar. Eu preciso deixar tudo isso o mais limpo possível ou aí sim, eu terei problemas de verdade. — Vou pegar uma roupa para você. Pode trocar no banheiro. Vai chamar muita atenção você saindo por aí todo melado de sangue.
— Pensei que ia me entregar para os "omis" — O homem perguntou confuso.
— Não é da minha conta o que te levou para essa situação, sou médica, não policial. Minha função é salvar pessoas, não julgar elas. O resto, indico que converse com a polícia. Me deixei fora disso. — Falei indo em direção da porta e voltando com um moletom velho, que Félix não gosta mais. Na verdade, ele nunca gostou, fui eu que dei. — Pode se trocar naquela porta.
— Obrigado. — O homem concordo indo se trocar. Ele também conseguia falar normal? Que surpresa.
Enquanto isso, eu comecei a limpar o que podia. O tapete branco não tinha jeito. Enrolei ele e escondi. Mandaria para lavanderia amanhã. Continuei com a limpeza. Quando o homem finalmente saiu do banheiro, boa parte da bagunça eu tinha organizado já.
— Você é rápida. Tudo já está limpo. Obrigado pelo que fez. Prometo que voltarei para retribuir sua boa ação. Salvou a minha vida. Você é uma ótima médica, mesmo não parecendo. Na verdade... você é essencial. Interessante. Nos vemos depois. Eu tenho que ir. — o homem disse indo em direção da porta e saindo.
— Nem acredito que consegui entender uma frase inteira dele. — Brinquei quando ouvi ele batendo a porta.
Estava focada em limpar toda aquela bagunça. Depois que a casa estava totalmente limpa. Fui para o banho. Como ia explicar tanto sangue em cima de mim. Meu marido ia surtar comigo. E se eu tentasse explicar, eu estaria em uma fria maior ainda. Quando sai do banho, Félix estava entrando dentro de casa.
— Boa noite, querido. — Falei com sorriso amarelo.
— Boa noite. O que tem para o jantar? Estou morrendo de fome. O dia no trabalho foi um inferno. Mal via a hora de voltar para casa — Félix falou indo lavar as mãos no banheiro. Que engraçado, né? Ele querendo voltar para casa e eu orando para nunca mais precisar voltar. Que injusto.
— Ainda não comecei a fazer o jantar, acabei me atrasando para chegar em casa do trabalho. Posso pedir al.. — Eu já falei nervosa. Sabia que não ia acabar nada bem. Antes que eu pudesse terminar a frase, Félix puxou meu cabelo e me jogou na parede.
— No trabalho? Que piada. Sua função é manter essa casa e me alimentar. Você serve nem para isso? É uma inútil mesmo. Não posso te exibir para meus amigos, nem bonita é. É uma médica fraca. É medíocre em tudo que faz. Eu fiz uma boa ação quando casei com você. Ninguém ia querer você. Não tem nada de bom. E em troca, nem um jantar faz para mim? Isso é ridículo. Já cansei de tentar te ensinar. — Félix falou antes de dar uma tapa no rosto. Senti o sangue na minha boca.
— Félix. Me desculpa. Eu errei. Perdão. Vou conseguir o jantar agora. Não faz isso, por favor. Não vai demorar. — Pedi enquanto ele tirava o cinto da calça. Já sabia o que vinha pela frente. O que vivi nos últimos anos. Um inferno. Queria uma luz. Quero sumir daqui. Nunca mais precisar por essa situação. Eu não aguento mais.
— CALA BOCA E DE VIRA DE COSTAS. Um dia você ainda vai aprender a ser uma boa esposa. Faço isso por seu bem. — Félix gritou antes de começar a bater com o cinto nas minhas costas sem piedade alguma. Conseguia sentir o sangue escorrendo pelo meu corpo.
As pancadas eram tão fortes, que eu gritava de dor. Ele batia ainda mais. Ouvi um barulho forte vindo da porta. Eu estava tonta por conta da dor que estava sentindo. Não entendi nada. Quando vi, Félix já estava no chão e vários homens ao seu redor, apontando armas para ele.
— Apago ele? — O homem que ajudei mais cedo perguntou.
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Atualizado até capítulo 74
Comments
Karla Barbosa Marinho
pelo amor Deus que história boa é essa se é louco mano
2024-06-03
5
Graziele
posta fotos dos personagens
2024-05-16
1
Babi
eita 🤔
2024-03-28
4