Choque de realidade

Andamos um bocado pelo morro enquanto eu pensava sobre a escolha que eu havia feito. Jade apontava um lugar e outro, explicando tudo, mas minha mente estava longe. Não podia processar o que ela dizia Apenas voltava o pensamento, de ter trocado seis por meia dúzia. Entretanto, acho que eu estava cega para a realidade. Olhando ao redor do morro, percebi crianças claramente desnutridas. Outras muito magras e com a barriga inchada. Homens com os olhos amarelos. Mulheres com grandes olheiras e um sorriso no rosto. As casas sempre eram pequenas, não pareciam em nenhum pouco seguras e os fios de energia pareciam caótico, um grande emaranhado. Bastante perigoso para um curto-circuito colocar fogo em todo lugar.

— JADE! JADE! — Uma senhora gritou se aproximando de nós. Ela era baixinha, tinha alguns cabelos brancos e estava bastante ofegante.

— O que foi, Thelma? Você está tremendo. — Jade perguntou preocupada, segurando as mãos da mulher.

— É o Diego. Ele passou a noite com febre. Hoje pela manhã começou a se debater. Já é a terceira vez. Eu levei no postinho, as enfermeiras não sabiam o que fazer, mas estão falando que a fiel do chefe é médica. Pode pedir para ela me ajudar? Meu bebê não pode morrer. Por favor, Jade, eu te imploro. — Thelma implorou para Jade com os olhos marejados.

— Sarah? Pode me fazer esse favor? Thelma e sua família são muito importantes para nós. Não quero que nada aconteça com eles. — Jade me pediu enquanto abraçava a senhorinha que chorava. Tento acalmar ela

— Vou precisar de alguns medicamentos. Pode me conseguir? E... Onde está o menino? — Eu sabia exatamente o que estava acontecendo com o garoto. Precisava parar o mais rápido possível ou poderá ter danos permanentes.

— Vou conseguir as medicações. Anote aqui no meu celular o que é necessário. Pedirei para te levarem para lá. A medicação não deve demorar. — Jade disse me entregando seu celular e erguendo uma de suas mãos.

Na mesma hora, uma moto parou do lado dela. Ela explicou tudo e me disse para subir na moto. Enquanto eu subia, ela falava no celular. Tudo foi tão rápido. Demorou segundos para está entrando já casa da senhora. Era bem humilde. Não tinha piso, mas o chão brilhava. A casa não havia muita coisa, era tudo bem simples, mas era perfeitamente arrumada e cheirosa. Era confortável de uma forma inexplicável.

O garoto estava deitado na cama novamente, tento outra convulsão. Coloquei ele de lado e marquei o tempo. A febre dele ainda estava alta. Só de tocar nele senti ele fervendo nos meus braços. Quando a crise convulsiva parou. Eu decidi que deveria diminuir a febre de forma mais bruscas.

— Moço, pode me ajudar. Não sei onde é o banheiro. — Pedi ao homem que me trouxe, enquanto eu pegava a criança nos braços. — Preciso de ajuda para ligar o chuveiro. A criança precisa de um banho frio para diminuir essa febre.

— Sim, patroa. Por aqui. — O homem concordou, olhando de perto, não era um homem, mas um adolescente. Devia ter por volta dos seus 15 ou 16 anos. Tenho certeza que o cabelo branco dele não é natural. Está na moda agora um cabelo assim, platinado que chama?

Como pedi, ele me guiou até o banheiro e ligou o chuveiro. Entrei no chuveiro junto com o garoto. Que começou a tremer de frio. Me abraçando forte. Buscando calor. Não vou negar que eu também estava, a água era muito gelada.

— Cheguei com os medi... Você está ensopada. O que diabos tá fazendo no chuveiro com o garoto? — Jade gritou ao passar pelo banheiro e perceber a movimentação.

— A febre dele está muito alta. Precisava baixar mais rápido. Preciso de uma toalha para enxugar ele. — Eu expliquei para ela. Que chegou a se mover, mas Thelma entrou antes.

— Aqui está, querida. O que mais posso fazer para te ajudar? — Thelma disse entrando com duas toalhas na mão.

— Pode me ajudar tirando a roupa dele molhada? Vou preparar a medicação. Quando terminar, por favor, coloque o novamente na cama. E fique de olho um pouco. Ainda não sei se as convulsões pararam totalmente — Orientei enquanto me enrolava em outra toalha. Mesmo assim, acabei molhando um pouco da casa. Estava usando moletom, não era fácil de secar.

Ignorei o fato de está bagunçando aquela casa perfeitamente arrumada e foquei na medicação. Não demorou muito para mãe voltar com a criança já com outra roupinha. Com a medicação pronta, apliquei. Coloquei um termômetro para verificar a temperatura.

— O que ele tem, dotorâ? Meu menino vai ficar bem, né? — Thelma perguntou chorando.

— Crianças nessa idade costumam ter febres muito altas. O indicado é diminuir o mais rápido possível. As convulsões foram devido a febre alta. Baixei um pouco da sua temperatura no banho e apliquei algo para febre. Só precisamos esperar um pouco. — Respondi enquanto acariciava o menino que tremia de frio embora estivesse todo enrolado.

— Foi por minha causa. Sou uma mãe terrivel. A sua febre começou de noite e eu não tinha o remédio. Dei para ele um chá, para tentar diminuir, mas não deu certo. Ia pedir dinheiro emprestado pela manhã para comprar, mas ele piorou. Se eu tivesse sido mais rápida, meu bebê não estava nessa situação — Thelma chorava.

— Não foi culpa sua, você fez tudo que estava ao seu alcance. Fez o chá, levou ele no postinho, procurou ajuda. Não se julgue tanto. O Diego vai ficar bem. — Jade consolavam a mulher. — Sarah, você vai ficar molhada aí?

— Preciso monitorar o garoto. Não faz mal. — Eu disse evitando me tremer. Para não criar ainda mais preocupações.

— Tenho algumas roupas da minha filha. Vou pegar para você. — Thelma falou, antes de sumir. Logo voltou com um vestido soltinho e florido. — Aqui está. Não sei se você vai gostar. Talvez minha filha tem um gosto diferente do seu, mas espero que fique bom.

— Muito obrigada. Elas estão ótimas. Não se preocupe — Eu agradeci.

— Eu que agradeço. Você acabou de salvar a vida do meu filho. Deus te abençoe. Thanatos realmente fez um escolha excelente dessa vez. Ele merece ser feliz depois de tudo que já aconteceu. — Thelma disse ao lado do menino. Beijando sua testa.

Fiquei me perguntando ao que Thelma se referia, mas na verdade, minha cabeça estava rodando com a realidade que eu tinha me deparado. Fui ensinada sobre meritocracia. Sobre querer é poder. Será que realmente é verdade ou apenas é algo que se encaixa somente para aqueles que nascem abençoado com rios de oportunidades? Se não fosse eu, o menino havia morrido apenas pela falta de dipirona. Quantas mais crianças passam pelo mesmo todos os dias. Eu não sei. A vida parece tão injusta, que me sinto sortuda, mesmo que eu tivesse vivendo no inferno diário na minha casa, mesmo assim eu vivia bem na maior parte do tempo.

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