O dia estava quente. Mal consegui atender na clínica o dia todo, o ar-condicionado estava com problema, não estava resfriando direito. Ficar de jaleco e máscara para atender foi um inferno. Por sorte, não tinham mais pacientes depois das duas da tarde. Coloquei o meu jaleco na maleta. Para ser sincera, eu não queria voltar para casa, mas para onde eu iria? Se eu demorasse iria ser ainda pior. Félix estava cada vez mais impaciente, já não sei mais como agradar a ele. Eu tinha que voltar, infelizmente. Queria nunca mais precisar colocar os pés naquele lugar.
Desatenta pensando no que podia fazer para o jantar, talvez uma boa comida melhorasse de alguma forma o humor do meu marido. Uma noite calma cairia bem. Imersa em meus pensamentos, acabei entrando sem querer em um beco um pouco escuro, tropeçando em algo grande, me desequilibrei e cai no chão de bunda. Que fantástico. Estava orando pedindo a Deus uma luz para sair da minha situação e ganhei um tombo. Talvez seja a resposta das minhas preces.
— O que é isso? — Minha mão estava suja com um líquido que estava por todo chão, o cheiro me atingiu depois, era bastante conhecido. — Sangue?
— Barulhenta do caralho — Um homem estava sentado no chão, encostado na parede, uma das suas mãos pressionava sua barriga que jorrava sangue.
— Você precisa de ajuda. — Falei me aproximando dele. Vendo de perto, era um homem bonito. Negro, estava sem camisa, seu corpo estava coberto por tatuagens, podia está em um estado lamentável, mas mesmo assim, era um tremendo de um mal caminho. — O que aconteceu com você?
— Papo reto, tu é gostosa, mas tô cheio de ódio agora. Vaza daqui — O homem sorrio sem humor.
— Quê? Não! Preciso saber exatamente o que aconteceu. Você perdeu muito sangue. Não sei nem como ainda está consciente. Vou ligar para SAMU. Não temos muito tempo — Falei já discando o número no meu celular, mas ele derrubou com um tapa com sua mão que estava livre.
— Deixa de ladainha. Só xispa daqui. Rala peito. Eu tô de boa. Tu tem cara de laranjada. Já tive o suficiente por hoje — O homem pálido me dizia com uma voz rouca, ao mesmo tempo fraca.
— CALA BOCA! Deixa eu parar esse sangramento. E me fala logo o que aconteceu de verdade, só assim posso te ajudar. — Enquanto falava com ele, tirei da minha maleta meu kit de emergência, precisava estancar aquilo o mais rápido possível.
— Pega a visão, tu vai me ajudar como? — O homem parecia surpreso.
— Sou médica. O que te feriu? Preciso saber. Fala logo. Você vai acabar morrendo desse jeito. E FALA DIREITO. Não entendo quase nada que tu fala. Tenta explicar de uma forma que eu consiga entender — Eu gritei com ele. Já estava nervosa. o sangue não parava. A pulsação dele tava cada vez menor.
— Foi um tiro. — O homem me respondeu um pouco receoso, ao mesmo tempo que parecia analisar minha reação.
— UM TIRO? ISSO EXPLICA TODO ESSE SANGUE. A minha clínica está longe demais para ir para lá. Precisamos ir para minha casa. Vem, se apoia em mim. — Pensei que ele ia se negar ou fazer barulho, mas ele concordou se apoiando em mim.
Por sorte, minha casa era do outro lado do beco. Foi muito difícil carregar aquele homem enorme, com meu tamanho, eu parecia uma anã perto dele. Assim que entramos coloquei ele no sofá. Fiquei andando para um lado e para o outro pensando o que eu tinha em casa que podia ajudar naquele momento.
— Tais vendo bicho? — O homem disse debochado.
— Não sei o que quer dizer, mas vamos brincar de falar comigo sem gírias? Ou vai dificultar o diálogo e eu preciso de respostas. Quero saber se morrer vai continuar cheio de piadinha também, gaiato. Eu sei o que fazer ou o que deveria fazer, mas se você ainda não percebeu, não estamos em um hospital ou clínica. Não tenho uma sala de procedimento no meu porão. Talvez isso seja até crime. Ah! Que seja! Vamos fazer do modo antigo. Por sorte, tenho anestesia na maleta. — Eu falei enquanto pegava álcool, alguns instrumentos, algumas toalhas e a medicação que seria necessário. Não vou mentir. Nunca fiz isso. Só na faculdade, com cadáver! Mas estamos sem opções no momento.
— Caralho, trema menos ou mesmo faço isso. — O homem gritou.
— Cala boca. Preciso ficar calma. Se você morre, eu perco a minha licença, sabia? O que estou fazendo é errado de várias formas. Então não me pressione ainda mais do que já estou. — Minha cabeça parecia que ia explodir.
— Curti. Papo reto. Em vez de se preocupar com a minha vida, está preocupada com a licença. Você é diferenciada. — O homem continuava de bom humor. Não conseguia nem entender o que ele falava, muito menos sua linda de raciocínio.
Tentei parar o sangue ao máximo manualmente, mas apenas quando a medicação fez efeito, parou um pouco, mesmo assim, ainda estava com bastante dificuldade de enxergar qualquer coisa. Dei o máximo que tinha de anestesia e passei uma garrafa de whisky para ele.
— Whisky? — O homem perguntou confuso
— Eu não tenho muita anestesia, dei tudo que tinha. Você ainda vai sentir dor. Não vou mentir. Precisa ser forte e aguentar. Me desculpa, eu vou tentar ser rápida. — Eu estava realmente preocupada. Não sabia o que fazer. Não podia amenizar a dor que causaria, mas era necessário.
— Não se preocupe, tô de boa. Só concentra no seu corre. Confio em você. — O homem me disse.
Não tinha outra opção, ele estava certo. As medicações que dei não vão ter o efeito por muito tempo. Respirei fundo, comecei. Tive que cortar um pouco mais ele, precisava ter uma visão melhor da parte interna. Senti seu corpo ficando rígido, seu pulso diminuindo. Ele estava sentindo tudo. Preciso me apressar. Meu desespero aumentava cada vez que encontrava mais e mais sangue, mas nenhuma bala. Eu já estava ficando desesperançoso e vendo minha licença escorrendo das minhas mãos.
— ACHEI! — gritei já tirando a bala com cuidado. Senti ele respirando aliviado. O marrento não queria admitir, mas deveria está com medo. Não julgo. Eu já estaria morta a muito tempo. Não aguentaria metade do que ele aguentou, ainda mais de bom humor.
Limpei o melhor que pude tudo e comecei a fechar. Ele sentiu a dor. A anestesia já deve ter sumido totalmente. Quando finalmente terminei de fechar ele, o alívio bateu, me joguei no chão. Comecei a me tremer toda. Eu tinha acabado de abrir e fechar um homem gostoso, mas totalmente desconhecido, que levou um tiro no meio da minha sala. O quão absurdo tinha sido esse dia? Eu só estava pedindo um dia calmo e tropecei em problemas.
— Tais bem? — O homem perguntou, parecendo preocupado, eu tive uma crise de riso na mesma hora.
— Eu acho que você não está em um estado que possa se preocupar com alguém. Não se preocupe. Minha adrenalina caiu. Já vou ficar bem. — Olhei no relógio, estava quase na hora de Félix chegar. Eu preciso deixar tudo isso o mais limpo possível ou aí sim, eu terei problemas de verdade. — Vou pegar uma roupa para você. Pode trocar no banheiro. Vai chamar muita atenção você saindo por aí todo melado de sangue.
— Pensei que ia me entregar para os "omis" — O homem perguntou confuso.
— Não é da minha conta o que te levou para essa situação, sou médica, não policial. Minha função é salvar pessoas, não julgar elas. O resto, indico que converse com a polícia. Me deixei fora disso. — Falei indo em direção da porta e voltando com um moletom velho, que Félix não gosta mais. Na verdade, ele nunca gostou, fui eu que dei. — Pode se trocar naquela porta.
— Obrigado. — O homem concordo indo se trocar. Ele também conseguia falar normal? Que surpresa.
Enquanto isso, eu comecei a limpar o que podia. O tapete branco não tinha jeito. Enrolei ele e escondi. Mandaria para lavanderia amanhã. Continuei com a limpeza. Quando o homem finalmente saiu do banheiro, boa parte da bagunça eu tinha organizado já.
— Você é rápida. Tudo já está limpo. Obrigado pelo que fez. Prometo que voltarei para retribuir sua boa ação. Salvou a minha vida. Você é uma ótima médica, mesmo não parecendo. Na verdade... você é essencial. Interessante. Nos vemos depois. Eu tenho que ir. — o homem disse indo em direção da porta e saindo.
— Nem acredito que consegui entender uma frase inteira dele. — Brinquei quando ouvi ele batendo a porta.
Estava focada em limpar toda aquela bagunça. Depois que a casa estava totalmente limpa. Fui para o banho. Como ia explicar tanto sangue em cima de mim. Meu marido ia surtar comigo. E se eu tentasse explicar, eu estaria em uma fria maior ainda. Quando sai do banho, Félix estava entrando dentro de casa.
— Boa noite, querido. — Falei com sorriso amarelo.
— Boa noite. O que tem para o jantar? Estou morrendo de fome. O dia no trabalho foi um inferno. Mal via a hora de voltar para casa — Félix falou indo lavar as mãos no banheiro. Que engraçado, né? Ele querendo voltar para casa e eu orando para nunca mais precisar voltar. Que injusto.
— Ainda não comecei a fazer o jantar, acabei me atrasando para chegar em casa do trabalho. Posso pedir al.. — Eu já falei nervosa. Sabia que não ia acabar nada bem. Antes que eu pudesse terminar a frase, Félix puxou meu cabelo e me jogou na parede.
— No trabalho? Que piada. Sua função é manter essa casa e me alimentar. Você serve nem para isso? É uma inútil mesmo. Não posso te exibir para meus amigos, nem bonita é. É uma médica fraca. É medíocre em tudo que faz. Eu fiz uma boa ação quando casei com você. Ninguém ia querer você. Não tem nada de bom. E em troca, nem um jantar faz para mim? Isso é ridículo. Já cansei de tentar te ensinar. — Félix falou antes de dar uma tapa no rosto. Senti o sangue na minha boca.
— Félix. Me desculpa. Eu errei. Perdão. Vou conseguir o jantar agora. Não faz isso, por favor. Não vai demorar. — Pedi enquanto ele tirava o cinto da calça. Já sabia o que vinha pela frente. O que vivi nos últimos anos. Um inferno. Queria uma luz. Quero sumir daqui. Nunca mais precisar por essa situação. Eu não aguento mais.
— CALA BOCA E DE VIRA DE COSTAS. Um dia você ainda vai aprender a ser uma boa esposa. Faço isso por seu bem. — Félix gritou antes de começar a bater com o cinto nas minhas costas sem piedade alguma. Conseguia sentir o sangue escorrendo pelo meu corpo.
As pancadas eram tão fortes, que eu gritava de dor. Ele batia ainda mais. Ouvi um barulho forte vindo da porta. Eu estava tonta por conta da dor que estava sentindo. Não entendi nada. Quando vi, Félix já estava no chão e vários homens ao seu redor, apontando armas para ele.
— Apago ele? — O homem que ajudei mais cedo perguntou.
— Que? Eu nem sei o que isso quer dizer, mas não parece coisa boa. Faz nada com ele não, ele é meu marido. Eu preciso dele.— Gritei desesperada. Ao ver que o homem se aproximava cada vez mais do Félix. As armas claramente não pareciam de brinquedo.
— Papo reto, o otário não te merece, porra. Tú é areia demais. Tô cheio de ódio agora. Merecia mesmo era acordar em uma vala. — o homem gritou comigo parecia irritado. Eu estava na verdade, envergonhada. Ele estava certo, eu não merecia nada daquilo. Nem aguentava mais aquela vida, mas eu não tinha outra opção. Eu precisava continuar com Félix para o bem da minha família.
— Eu preciso dele ... — Falei chorando sem parar.
— Ela é uma vadia. Sabe exatamente o lugar dela. Não sei quem são vocês, mas ela deve ter mentido. Ela gosta dessas brincadeiras. Uma puta! Joga com todos. Por isso deve ser domesticada diariamente. Deveria tá agradecendo por ter um marido como eu, mas em vez disso, é uma ingrata inútil — Félix gritou. O homem atirou na perna dele sem piscar.
— Que treta. E tu não quer que apague ele, porr@? Olha a ladainha que o otário tá cuspindo. Que seja. Sem tempo, irmão. Abrace minha ideia que é sucesso. — O homem disse me puxando com tudo para o lado de fora da casa.
— Para onde está me levando? — perguntei olhando Félix se contorcendo em dor. E desesperada. Não tinha ideia de quem era aquele homem e sabia que Félix descontaria tudo que aconteceu em mim sem qualquer piedade.
— Te devo uma. A ninha mãe sempre disse, uma mão lava a outra. Eu respeito a minha veia. Tu vem comigo. Vai ficar na minha proteção. Papo reto, te devo minha vida. Aliás, me chamo Thanatos, você é? — Thanatos falava, enquanto ele me colocava agora dentro do seu carro, mas meu cérebro não processava, muita coisa estava acontecendo na mesma hora, era demais para mim. E nem entendia muito bem o que ele queria dizer. Deveria vir com tradutor esses papos dele.
— Me chamo Sarah. Eu estou confusa. Fala direito comigo. Sem todas essas gírias. Não entendi nada. Para onde está me levando? Eu entendi que esteja agradecido pelo que fiz por você, mas era minha obrigação como médica. E o que você está fazendo agora, parece um pouco como um sequestro. Você até mesmo baleou meu marido. Isso é errado. Está muito errado. Me deixa sair daqui. Eu preciso voltar para casa antes que seja ainda pior. Félix deve está com muita raiva. — Insisti. Eu estava com medo. Félix me mataria da próxima vez que me visse. Eu acordaria em um hospital, igual a última vez que disse que iria me separar. Ele não seria nenhum pouco gentil. Dessa vez, podia ser pior, ele poderia me matar. E com toda certeza, não iria ouvir uma palavra que eu tivesse para dizer.
— Você é chata, ehn! Tu vem comigo para o Morro, porr@. Esquece o otário. Não sei o que te liga a ele, mas tu agora vai comigo, vai ser a minha medica. Vamos dizer que eu posso me meter um pouco em problemas — Thanatos respondeu sorrindo, como se dissesse que estávamos indo comprar pão.
— QUÊ? MORRO? VOCÊ É LOUCO? ME DEIXA SAIR DAQUI! — Eu gritei tentando sair do carro.
— Um pouco louco. Vou curtir com você por lá. Você fala tudo que vem na cabeça sem medo. É divertido. — Thanatos brincou.
— Não tem graça. Eu tenho marido, casa, emprego. Uma vida toda aqui. Que direito você tem de simplesmente decidir minha vida? Você enlouqueceu? — eu gritei. Eu pedi para sair daquela vida, eu sei, mas o morro? Com um louco que gosta de ser baleado e me quer para fechar os buracos que as balas fazem nele? Não! É trocar um inferno por outro. Será karma na minha vida?
— Que vida? Apanhar do marido todo dia? Ouvir dele que você não presta? Por mais que você faça o seu melhor, nunca será o suficiente. Sempre vai acabar apanhando até se morta por ele. Você não merece passar por isso. É uma pessoa boa. Não vou deixar que você simplesmente volte para aquele inferno. Nenhuma mulher deveria passar pela situação que você está passando. — Thanatos falava enquanto nós aproximamos no morro. Podia ver de longe. Meu coração disparou. Eu já li tanta coisa terrível desse lugar. É assustador está sendo levada para lá sem qualquer escolha.
— Para me dar sermão fala normal? Sério? Vou responder agora a você só se falar direito. Eu não posso deixar ele. Eu devo muito a ele. Estou pressa ele. Acha mesmo que gosto de apanhar feito saco de pancada por nada? — Eu tremia. Sabia exatamente como era tratada por Félix. Que não era aceitável, mas eu precisava aceitar. Ele financia o tratamento da minha mãe e ajuda na empresa do meu pai que precisou de dinheiro depois de um grande investimento que fizeram errado.
Logo estávamos subindo. O lugar estava bem escuro. Haviam muitos becos. Eu podia ver entre eles, mesmo escuro, uma grande movimentação. Podia ver pontos vermelhos no meio do breu e quando saia alguém de dentro de um beco, podia notar algo reluzindo em suas mãos. Eram armas? Não. Impossível. Não tem como ter tanta gente com armas. Isso é impossível.
— Não sei como ele fez para te prender a ele, mas eu sou ótimo em quebrar ossos quer dizer, algemas. Em você, aquele homem não vai tocar nunca mais. Pode ter certeza. — Thanatos estacionava em uma casa enorme. Ela se destacava no meio de tantas moradias simples. — Aliás, esqueci um pequeno detalhe. Eu sou meio que o dono do morro. Então, saiba que está no meu território. E aqui, o que eu digo é lei. Lembre-se disso.
— Quê? — Só pode ser um pesadelo. Como assim eu fui sequestrada pelo dono do morro? Minhas escolhas são essa? Um playboy mimado que pensa que sou um brinquedo ou o dono do morro que acha que sou uma profissional de remendos dele?
— Venha, preciso que você conheça duas pessoas. Jade e Beatriz. Quer dizer, só a Jade, melhor assim. — Thanatos falou me puxando pela mão agora dentro de casa.
— Você é casado? — Não podia ficar pior. Deixei de apanhar do meu marido, agora vou apanhar da esposa desse louco. Será que ela também andava com armas? Aí, senhor. Devo ter jogado pedra na cruz.
— Jade! — Thanatos gritou animado para uma negra com corpo de deusa que se aproximavam de nós.
— Já disse que não quero marmita na minha casa. Tire esse lixo daqui, antes que eu mesma faça isso. Ou quer que chame Beatriz para fazer isso por mim? — Jade respondeu me olhando com ódio. Definitivamente, dessa noite eu não passo.
Eu não sabia o que fazer, vi alguns filmes e livros, nunca acabava bem para amante. E eu nem mesmo era uma, mas não parecia que aquela mulher iria querer ouvir nada de mim. Para onde eu corro. O portão. Será que consigo fugir? Posso pedir ajuda a alguém para me levar até em casa ou me mostrar o caminho. É isso. Vou fugir!
— Tu assustou a doutora. — Thanatos disse rindo enquanto eu corria para o portão.
— Doutora? Médica? Tu sequestrou uma médica? Ela tá desesperada, seu idiota. O que tu aprontou agora. Hey, doutora, precisa correr não. Pensei que você era uma das marmitas que vivem correndo atrás dele, querendo se tornar fiel. Não tenho paciência para quenga. Eu me chamo Jade, sou irmã desse mané. Você está segura. O idiota não vai fazer nada com você enquanto eu estiver por aqui. — Jade explicou, eu já estava tentando pular o portão desesperada quando ela falava.
— Mo treta. Fiz nada. Tava devendo uma parada para ela. Não gosto de ficar devendo. Fica de olho nela. — Thanatos respondeu andando até a porta.
— Ela vai ficar aqui em casa? Sabe que vão infernizar ela, pensando que é um dos seus brinquedos. Se realmente quer ajudar ela, deveria pensar em um plano melhor que esse. Não colocar uma patricinha como ela aqui. Ela vai ser massacrada. — Jade gritou irritada.
— Tô castelando. Por enquanto, ela é minha fiel. Resolve aí. Vou falar com Beatriz. — Thanatos falou entrando dentro de casa. Ouvi um grito de criança, me virei preocupada, será que ele havia ferido alguém? Depois uma gargalhada. Acho que é a tal da Beatriz. Deve ser filha dele.
— Eu sei, ele é um idiota. Não sei em que problema meu irmão meteu você, mesmo que não pareça muito ele é gente boa. Vem comigo. Vou te mostrar seu quarto. Pelo que conheço do meu irmão, não vai te deixar sair do morro tão cedo. — Jade parecia falar normal. Na realidade, eu entendia bem mais ela que o Thanatos. Ele oscilava na língua.
— Eu não posso ficar. Sou casada. Preciso voltar para casa. Ou terei muitos problemas. Meu marido não é fácil de lidar. Quanto mais tempo eu passar aqui, mais problemas eu terei. — Expliquei a ela, quando estávamos já uma do lado da outra.
— Para sua segurança, não conte isso para mais ninguém aqui dentro. E algo me diz que tem mais nessa história, meu irmão não se mete com mulher casada e nem precisa sequestrar. Normalmente, elas se jogam ao pé dele. Se ele te pegou a força, tem as razões dele. Não vou questionar. — Jade me olhava como se tivesse me analisando.
— Eu.. bem.. ajudei ele que estava ferido, quando voltou para me agradecer, me pegou... Em uma briga... Com meu marido. Depois disso não entendi muito o que ele falou. Só me colocou no carro e atirou no Félix. Quando me dei conta já estava no meio do morro. Ele não me perguntou nada. Apenas decidiu e me trouxe. Eu não posso ficar aqui. — Eu estava envergonhada, era ridículo, assim que me sentia. Não se enganem, eu não amo o Félix. Também tenho plena certeza que não é amor o que ele sente por mim, sim, posse. Entretanto meus pais estão nas mãos dele. Tento juntar dinheiro para sair desse problema, mas nunca consigo.
— Venha. Entendi tudo. Meu irmão não vai te deixar daqui enquanto seu marido tiver vivo ou estiver interessado em você. Ele podia ter matado seu marido e te deixado lá. Pagaria a divida. Se ele te trouxe para cá, ele quer algo de você. E não se preocupe, se meu irmão disse que deve algo a você, vai fazer de tudo para te proteger, ainda mais, se tratando disso. Não sei como ele não o matou. Eu teria feito isso sem pensar duas vezes. Homens como seu marido não deveriam existir. — Jade respondeu segurando minha mão e me puxando. — Não tenha medo. Apenas me conte tudo. Vou te ajudar a resolver isso. Não é tão ruim quanto parece está aqui.
Jade me levou até a cozinha, fiquei calada enquanto ela preparava um chá. Eu só notei quando me sentei que minhas mãos estavam tremendo. Como poderia ser diferente? Eu estava no meio de um morro depois de ser sequestrada enquanto apanhava do meu marido. A noite tinha sido caótico.
— Me conta, você aceita que ele machuque você porque o ama? — Jade perguntou me entregando o chá. Ela foi tão direta que me assustou.
— Não, não é isso. Eu nunca amei o Félix. Nunca nem ao menos quis ficar com ele, mas ele é sócio do meu pai, pelo menos, se tornou com a condição que eu me casasse com ele. Ajudaria minha família e a empresa, mas somente enquanto tivéssemos casados. Meus pais de início foram totalmente contra, Félix é bem mais velho que eu, mas as coisas começaram a piorar quando minha mãe ficou doente, sabe? A empresa em falência, minha mãe com câncer. Eu não tive outra opção além de aceitar. Não podia deixar meus pais naquela situação se eu podia ajudar. — Não sabia nem o motivo do interesse dela por minha história, mas fui sincera. Enquanto falava minhas lágrimas rolavam. Eu estava cansada daquela situação. Nunca fui o tipo de pessoa que aceitava abuso de ninguém, entretanto, o que eu podia fazer? Eu queria ajudar minha família. Era um pequeno preço a pagar para tudo ficar bem. Pelo menos, para meus pais. Eu podia sobreviver aquela situação.
— Acha mesmo que seus pais estão felizes de terem vendido sua filha? Me poupe. Isso é tudo terrível. Anota o nome dos seus pais e a empresa. Meu irmão vai resolver tudo isso. Amanhã mesmo você estará livre do idiota. — Jade falava com bastante ódio.
— Porque seu irmão faria algo assim por mim? As pessoas não fazem nada de graça. Tudo na vida tem um preço. E normal, quanto maior se ganha, mais se é cobrado. — Eu sabia disso. Aprendi de uma forma terrível. Quanto maior for ajuda, maior será o preço a se pagar por ela.
— Não faço ideia, meu irmão não é o tipo que faz algo sem benefício próprio, mas no seu caso, não sei o que rolou exatamente, mas ele tá te devendo uma, isso é certo. Só não sei ainda porque ele te trouxe para cá. Qual é o interesse dele. Ele é um idiota, mas não faz nada sem um plano. — Jade explicou.
— Fazendo minha caveira? Deixa de ladainha aí. Papo reto, anota aí os nomes do seus pais, a empresa e o nome do otário. — Thanatos falou apontando para um papel que estava na mesa. Jade havia me passado com uma caneta.
— Sabe que para me salvar dele, você terá que comprar a parte dele na empresa dos meus pais e ainda bancar o tratamento da minha mãe. Vai fazer tudo isso só porque salvei sua vida? Sabe que eu teria que fazer isso querendo ou não. Faz parte da minha profissão. Algo me diz que não vai ser só isso que vai me pedir. — Eu não sou inocente. A vida me ensinou exatamente como os seres humanos são. Todos são absurdamente egoístas. Ninguém faz nada só por fazer. Sempre tem uma razão oculta.
— Eu gosto dela. Ela fala mesmo. Curti. Aceito ela como sua fiel. Algo me diz que será quem te colocará direitinho na coleira. Está precisando. — Jade disse rindo.
— Se cala, Jade. Fala demais, caralho. Na boa...— Thanatos estava falando, mas eu interrompi. Precisava que ele falasse direito para eu realmente entender.
— De uma forma que eu compreenda, por favor. Não consigo entender nada que sai da sua boca. Parece falar em uma língua desconhecida. — Estava irritada já.
— Mete o louco mesmo. Isso que eu quero. A comunidade não tem médicos bons, saco? Ninguém quer vir trabalhar na favela, mas não muda o fato que temos doentes e pessoas precisando de ajuda. Além do que, não é raro que eu e os meus acabamos feridos, quero alguém a disposição para resolver quando surgir um B.O. Até tem um postinho aqui, mas nunca tem médico e os enfermeiros fazem mágica para ajudar a todos com a pouca estrutura e medicamentos. Quero que você se torne minha médica e também dos meus. Vou montar um consultório para você. Só precisa me dizer o que precisa. É Basicamente isso que terá que fazer. Nada além do que você ia faz. — Thanatos falou em um português quase que perfeito. Ele me confundia com a pose de malandro e depois todo certinho. Quem é esse cara?
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