Éden
Sou um jovem de 1,79 m, pele morena, cabelos pretos e semi-ondulados que caem até o pescoço. Meus olhos, cinza prateados, refletem a sombra do que já fui. Hoje, vou contar minha história. Não apenas a minha, mas a nossa. Tudo começou antes dos desastres, quando o mundo ainda parecia estar no lugar e o caos não fazia parte da rotina.
Era 5 de maio, uma data que gravaria para sempre na memória. Ema, minha amiga de infância, me chamou para nos encontrarmos às 20:00 P.M, no lugar que só nós conhecíamos. Esse lugar era mais do que um refúgio, era o "Éden". Descobrimos esse pedaço escondido do mundo quando tínhamos apenas 8 anos, por acaso, em uma brincadeira que nos levou a essa clareira mágica, cercada de árvores e flores. Já faziam dez anos desde aquele dia. Mas, na verdade, três anos desde a última vez que vi Ema.
Depois da nossa formatura no ensino médio, perdemos contato. Não foi por falta de amizade, mas pela vida que seguiu seus próprios caminhos tortuosos. Quando ela me ligou de um número desconhecido, fiquei surpreso, mas também cheio de expectativa. A ideia de reencontrá-la me encheu de um entusiasmo que eu nem sabia que ainda tinha.
Ema era como uma luz que iluminava os dias nublados, uma garota de pele clara como porcelana, com cabelos longos em um belo tom de castanho. Quando ventava, seus cabelos se moviam como se estivessem dançando, e aqueles olhos tão belos, naquele tom de castanho claro, me faziam perder-me neles. Com ela, levava a inocência e a doçura; Ema era pura demais para este mundo. Apesar de tudo isso, ela tinha um corpo tão frágil, e seu coração parecia não resistir às coisas, tão delicado como um vidro. Mesmo sendo uma pessoa doente, ela era a mais forte entre todos, tão alegre e corajosa, o que acabava sendo contagiante, fazendo um contraste oposto ao que eu era: um desleixado e preguiçoso. Eu nunca fui de me esforçar muito, mas ela... Ela fazia parecer que cada dia era uma oportunidade de lutar.
Lembro das nossas tardes na casa dela, jogando videogame ou tentando — em vão — fazer bolos. Ema adorava cozinhar, mas algo sempre saía errado. O bolo, invariavelmente, ficava queimado ou com algum ingrediente estranho que deixava o gosto esquisito. Eu, claro, tirava sarro, e ela ria. Eram momentos simples, mas preciosos. Nossa amizade era feita dessas pequenas cumplicidades, dessas lembranças que só nós compartilhávamos.
Quando algo ruim acontecia — e, ao longo dos anos, houve muitas coisas ruins —, sempre íamos para o Éden. Lá, nos sentíamos em paz, longe dos problemas. Era um lugar dentro de uma floresta fechada, onde o céu se abria e a natureza nos abraçava com sua beleza pura. No centro da clareira, havia um banco de madeira cercado por todas as flores que você pudesse imaginar. Demos esse nome ao lugar porque, para nós, era o paraíso na Terra. Toda vez que saíamos de lá, nos despedíamos com um "Nos vemos no Éden". Era a nossa promessa silenciosa de que, não importava o que acontecesse, sempre nos encontraríamos ali.
Naquela noite, ao chegar ao Éden, me deparei com uma visão que tirou o fôlego. Ema estava lá, parada sob o luar, usando um vestido branco com bordados em forma de rosas. Era como se a própria Vênus tivesse descido à Terra. Seu cabelo sedoso balançava suavemente com a brisa, e uma rosa branca adornava seus fios. Sua pele, incrivelmente pálida, resplandecia sob a luz da lua, e sua expressão era tão pura quanto as flores que nos rodeavam. Ela era uma visão etérea, quase irreal.
Nos sentamos no banco de madeira, cercados pelas flores que balançavam suavemente com a brisa da noite. O silêncio entre nós era confortável, mas ao mesmo tempo carregava algo não dito. Olhei para as estrelas, buscando coragem, e então quebrei o silêncio.
— Aconteceu alguma coisa, Ema? — perguntei, ainda com os olhos fixos no céu.
Ela demorou um segundo antes de responder, como se estivesse escolhendo as palavras cuidadosamente. Seus dedos se entrelaçavam nervosamente no colo, e ela desviou o olhar para o chão.
— Não, não aconteceu nada. Estou bem. — Sua voz era suave, quase um sussurro. — Só senti vontade de conversar com você. Faz tanto tempo que não nos vemos… — disse com um sorriso pequeno, quase tímido.
Eu sorri, decidido a quebrar a tensão leve que pairava no ar.
— Ah, então estava com saudades de mim, né? — falei com uma voz pretensiosa e um olhar divertido, provocando-a.
Ema franziu a sobrancelha, e seu rosto ficou ruborizado instantaneamente. Ela virou o rosto, tentando esconder o embaraço, e murmurou:
— N-não é isso, idiota! Eu só queria... conversar, só isso! — disse ela, inflando as bochechas, claramente contrariada.
Não consegui segurar. Soltei uma risada contida, observando-a com aquele jeito emburrado que a fazia parecer um hamster bravo.
— Pfft... Tá bom, entendi. Só queria conversar, claro... — continuei rindo, me divertindo com a sua reação.
Ela bufou, ainda com as bochechas coradas, e me lançou um olhar irritado.
— Para de rir, não é engraçado! Você é um bobo, sério! — disse ela, cruzando os braços, mas a expressão emburrada a deixava ainda mais adorável.
O riso finalmente morreu em meus lábios, e o clima descontraído voltou a preencher o espaço entre nós. Começamos a conversar sobre o que tínhamos feito nesses anos em que ficamos distantes. Eu não tinha grandes novidades — estava meio estagnado, como sempre. Já Ema, por outro lado, estava com brilho nos olhos ao me contar sobre seu sonho de se tornar diretora de dublagem. A dedicação dela sempre foi algo que admirei.
Depois de um tempo, ela me olhou de repente, com uma curiosidade genuína.
— Zack, o que você gosta de fazer? — perguntou, inclinando-se levemente para mim.
Eu olhei para o céu, pensativo, deixando o silêncio se estender um pouco antes de responder.
— O que eu gosto de fazer? Hmmm... ainda não sei ao certo. Mas o que eu gosto importa tanto assim? — perguntei, com uma expressão confusa.
Ela, com o vigor de sempre, respondeu sem hesitar.
— Claro que importa! — disse, firme, seus olhos brilhando com convicção.
Fiquei um pouco surpreso com a energia dela. Sorri de lado, refletindo por um momento antes de me virar para ela.
— Entendi... Ei, que tal eu tentar virar dublador? — falei, colocando uma mão no queixo, tentando parecer pomposo. — Você sempre disse que eu tenho uma voz linda, lembra? — acrescentei, me vangloriando um pouco, com um sorriso presunçoso.
Os olhos de Ema se iluminaram. Ela parecia incrivelmente animada com a ideia.
— O quê?! Sério?! Você promete que vai se esforçar? — perguntou com uma excitação que quase transbordava, os olhos brilhando de contentamento.
— Você quer mesmo que eu prometa? — perguntei, tirando a mão do queixo, surpreso com a intensidade dela.
— Siiim! — respondeu, com uma firmeza contagiante, o sorriso dela irradiando uma alegria pura.
Diante daquela energia, não consegui evitar. Abri um sorriso genuíno.
— Tá bom, eu prometo — disse, vendo o sorriso dela crescer ainda mais, como se aquela simples promessa fosse algo de grande importância.
Ema suspirou de alívio e felicidade, olhando para mim com doçura.
— Zack, espero que mantenha essa promessa. Quero te ver conquistando muitas coisas, não só a dublagem. E toda vez que você sair do estúdio, vou estar te esperando com uma fatia de bolo! — disse ela, sua voz suave e cheia de esperança.
Soltei uma risada suave e a olhei de canto.
— Tomara que o bolo seja bom dessa vez — provoquei, com um tom sarcástico.
Ema fez uma careta de desafio, mas os olhos dela ainda brilhavam.
— Ah, você vai ver! Vai ser o melhor bolo que você já comeu! — disse, com convicção, seu olhar confiante e determinado.
Ficamos ali, sentados no banco de madeira por horas, sob o manto estrelado da noite e rodeados pelas flores belas que balançavam suavemente ao vento. Cada palavra trocada, cada riso compartilhado, tornava aquele momento mais especial. Era como se o tempo tivesse desacelerado para nos dar a chance de reviver nossa amizade, sem pressa. Eu fazia piadas sem fim, provocava Ema, e, como sempre, ela ria comigo, sem se importar, apenas se deixando levar pelo momento.
Entre uma risada e outra, com os olhos ainda brilhando de alegria, Ema virou-se para mim e, com a voz suave e um sorriso no rosto, disse:
— Zack, eu quero que você seja feliz... e eu desejo estar lá quando isso acontecer — ela falou, ainda rindo, enquanto limpava as lágrimas que escorriam por ter rido tanto.
Por um instante, fiquei sem palavras. A sinceridade na voz dela, a doçura no sorriso, tudo me pegou de surpresa. Hipnotizado pela beleza daquele momento, apenas respondi:
— E eu quero te ver feliz também, Ema. Mas não só nos momentos bons... Eu quero estar lá sempre, como você sempre esteve comigo. — Eu disse, sorrindo de verdade, com um olhar que esperava que ela entendesse a profundidade do que sentia.
Os olhos de Ema se encheram de lágrimas, mas dessa vez, não eram de riso. Ela começou a soluçar, tentando segurar a emoção.
— Obrigada... obrigada... obrigada... — repetia entre soluços, suas mãos trêmulas agarrando o tecido do vestido, como se estivesse tentando se segurar àquele instante.
Sem pensar duas vezes, a envolvi em um abraço suave. Puxei-a para perto, deitei sua cabeça em meu ombro e sussurrei com uma voz calma, quase como uma promessa.
— Estou aqui, Ema. Para tudo o que você precisar, sempre. — Minhas palavras eram tranquilizadoras, enquanto eu sentia seu corpo tremer com cada soluço.
Ela apertou minha camisa nas costas, afundando o rosto em meu ombro enquanto as lágrimas escorriam, deixando seu choro fluir livremente. Eu apenas afagava seus cabelos, em silêncio, tentando transmitir calma. Não dissemos mais nada por um tempo. Ficamos ali, abraçados, até que seu choro se acalmou.
Levei-a até sua casa mais tarde, a despedida veio com sorrisos sinceros, mesmo que um pouco cansados. Quando já estava me afastando, quase na esquina, ouvi sua voz soar forte atrás de mim.
— ZAAACK, VOCÊ CONSEGUE! EU SEMPRE VOU TORCER POR VOCÊ! — Ema gritava, acenando energicamente com um brilho de esperança nos olhos.
Virei-me, sorrindo, e acenei de volta.
— OBRIGADO, EMA! SE CUIDA! NOS VEMOS NO ÉDEN! — gritei, ecoando nossas antigas despedidas.
— NOS VEMOS NO ÉDEN!! — ela respondeu, sua voz ainda cheia de energia.
Mal sabia eu que aquela seria a última vez que ouviria sua voz.
Na manhã seguinte, acordei com uma notícia que dilacerou minha alma: Ema havia partido durante a noite, vítima de um ataque cardíaco fulminante. A pressão insuportável de uma vida repleta de desafios e tormentos fora o gatilho. Naquele instante, o tempo pareceu desacelerar; o ar ao meu redor ficou denso, difícil de respirar, enquanto o peso de uma realidade cruel se instalava. Levantei-me, mas me senti vazio, desprovido de qualquer força ou propósito. A dor era tão profunda que nem lágrimas encontrei. Tudo dentro de mim parecia entorpecido, incapaz de compreender o abismo que se abria com a ausência dela.
No funeral, cada detalhe trazia uma brutalidade implacável. O murmúrio das pessoas, as flores tristes, o murmúrio frio dos pés sobre a grama — tudo me deixava atordoado. A cada segundo, meu coração, já em pedaços, se quebrava um pouco mais. Não queria aceitar. Não conseguia. O sorriso de Ema, aquela risada que iluminava qualquer ambiente... tudo agora se resumia a memórias frágeis, prestes a se desfazer como névoa. Eu a amava com uma intensidade quase irracional, mas nunca fui capaz de dizer isso a ela. Guardei o sentimento em silêncios, nos pequenos gestos que, agora, pareciam tão insuficientes. Como fui cego... deixei o tempo escapar enquanto ela estava ao meu lado. E agora o tempo era o meu maior inimigo.
O amor, dizem, é cego. E, naquele momento, percebi a dolorosa verdade dessa frase. Ele nos envolve sem que percebamos, até que é tarde demais e se esvai junto com a pessoa que amamos.
Passei dias, semanas, trancado no quarto. O vazio dela era um buraco negro, sugando qualquer resquício de vontade que eu pudesse ter. Não comia, não dormia. As noites eram longas e frias, como se o mundo tivesse perdido as cores. Eu me debatia dentro de um luto sufocante, sem saber como escapar. Mas, numa dessas noites sem fim, algo dentro de mim me empurrou para fora. Voltei ao nosso refúgio, aquele banco no parque onde passamos tantos momentos juntos, onde compartilhamos sonhos, medos e promessas. Sentei ali, tentando absorver o silêncio, e olhei para o céu. A lua cheia me observava, serena, banhando a noite com uma luz melancólica. E então, as lágrimas vieram, sem permissão, num fluxo mudo e incessante.
As lembranças dela invadiram minha mente, me envolvendo num misto de dor e conforto. Ali, naquele lugar onde nossos mundos se cruzaram pela última vez, senti como se ela ainda estivesse ao meu lado. E, entre soluços, aceitei a verdade devastadora: ela se foi. Mas no meio da angústia, encontrei algo que mal reconheci como paz. Ao recordar seu sorriso, uma fagulha de determinação cresceu dentro de mim. Ema acreditava em mim, tinha uma fé inabalável na minha promessa e nos sonhos dela.
Decidi que honraria essa fé, que a promessa que fiz a ela não se apagaria. Eu me dedicaria com cada fibra do meu ser, e, se possível, tentaria realizar o sonho dela — por nós dois.
No entanto, o destino, implacável, tinha outros planos. Em breve, minha vida seria lançada em um turbilhão, uma tempestade que varreria qualquer esperança de fazer o sonho de Ema se tornar realidade. Restaria apenas uma promessa, tecida entre ruínas: a de me esforçar, mesmo quando tudo ao meu redor estivesse desmoronando. E assim, naquele instante em que me despedia dela, começava também minha jornada com a sombra e o peso do que poderia ter sido.
^^^CONTINUA...^^^
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(Arte conceitual, Ema)
(Arte Conceitual, Éden)
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Atualizado até capítulo 26
Comments
Estrela Cadente
essa frase....
2023-05-01
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