Éden - Mundo Destruído - Prólogo 2

"Disseram-me uma vez que, para ser forte, é preciso enfrentar a dor. Mas quando a dor é acompanhada pelo medo, essa força se transforma em pura covardia."

Três meses haviam se passado desde que Ema partiu. Como prometido, eu me forcei a mudar. Abandonei a versão desleixada de mim mesmo, aquela que Ema tanto provocava. Consegui dois empregos, um braçal e outro de garçom, tudo para juntar dinheiro e começar o curso de dublagem e aulas de teatro. Não era apenas uma promessa que eu estava cumprindo para mim. Era também para ela.

Minha rotina se tornou uma corrida contra o relógio. Trabalhar das primeiras luzes do dia até a meia-noite, sem folga para mim mesmo, era exaustivo. Meu corpo, acostumado à inércia, sofreu no início. Os músculos doíam sem parar, o cansaço me consumia. Mas, com o tempo, meu corpo começou a responder, a endurecer. As dores se tornaram toleráveis, e eu passei a suportar. Esse era o preço por me comprometer a seguir em frente.

Certa noite, por volta das 23h30, após mais um turno exaustivo no restaurante, resolvi ir até o Éden. Precisava de ar fresco e de um momento de tranquilidade antes de voltar para casa. A noite estava estranhamente fria para o verão, mas isso não me incomodou. O Éden sempre tinha aquele ar sereno que me acalmava.

Foi então que algo inesperado aconteceu. O céu, que eu tantas vezes observei ali, começou a se transformar diante dos meus olhos. A Lua, que antes brilhava redonda e prateada, mudou. Metade dela escureceu, delineada por um contorno vermelho-sangue, enquanto a outra metade mantinha o brilho suave. O céu estrelado seguiu o mesmo padrão, metade escura com estrelas vermelhas, a outra metade clara e brilhante.

Eu fiquei ali, perplexo, observando aquele fenômeno surreal. O tempo pareceu parar, e minha mente estava entorpecida pelo cansaço. Não queria sair dali, estava fascinado pelo que via. Acabei adormecendo no banco de madeira, vencido pelo sono, sem saber que aquele estranho céu seria o prelúdio de algo muito maior. Algo que, em breve, destruiria tudo o que eu conhecia.

Acordei na manhã seguinte, com o sol batendo em meu rosto e o cheiro das flores me envolvendo. Por um momento, esqueci de tudo. O céu da noite anterior, o peso da realidade... até que lembrei do trabalho. Me levantei num salto, o pânico tomando conta.

— Droga, vou me atrasar! — gritei para mim mesmo, enquanto corria pelo caminho.

Mas, à medida que me aproximava da rua principal, algo me fez parar. O que eu via não fazia sentido. O lugar estava deserto. Uma rua que, a essa hora, deveria estar cheia de gente indo e vindo, estava silenciosa.

— Cadê todo mundo? — murmurei, ofegante, a respiração pesada de tanto correr.

Olhei meu relógio: 9h30 da manhã. Não fazia sentido. Foi então que ouvi o grito.

— SOCORRO! — uma voz feminina rasgou o silêncio, desesperada.

Corri na direção do som, virando a esquina apressadamente. Ali, entre os destroços de uma loja destruída, uma mulher jovem estava presa sob escombros. Seu rosto estava tomado pelo medo. Cheguei até ela, tentando manter a calma.

— Fica tranquila, vou te tirar daqui — disse, minha voz mais firme do que eu me sentia.

Fiz força para remover os destroços.

— Obrigada... — ela murmurou, aliviada, a voz trêmula de pavor.

Mas, de repente, seu olhar mudou. Seus olhos, que estavam fixos em mim, se arregalaram de puro terror. Ela olhava algo atrás de mim. Um silêncio ensurdecedor tomou conta do ambiente, e tudo que eu conseguia ouvir era a batida rápida do meu coração.

Antes que eu pudesse reagir, senti uma força avassaladora me atingir pelas costas. Fui lançado no ar, colidindo violentamente contra um carro estacionado. O impacto tirou o ar dos meus pulmões, e tudo que eu conseguia fazer era tentar respirar.

— O... que... foi isso? — murmurei, ofegante, o peito subindo e descendo rapidamente enquanto me apoiava no carro.

Com esforço, me levantei e, ao olhar na direção da mulher, vi algo que congelou meu sangue. Ali, diante de mim, estava a criatura que mudaria meu mundo para sempre.

Era uma monstruosidade de três metros de altura. Sua pele era pálida e rachada, com garras afiadas nas mãos. O rosto, distorcido e aterrorizante, tinha olhos ensanguentados que saltavam das órbitas. Sua respiração era pesada, e ele resmungava baixo, como uma fome insaciável.

— CaRneee... CoMiDa... — murmurava, salivando grotescamente.

Com um único movimento, o monstro arrancou os escombros que prendiam a mulher. Eu só pude ficar parado, paralisado, enquanto ela me olhava com olhos cheios de lágrimas e terror. Seus lábios tremeram ao tentar pedir ajuda.

— Socor-... — antes que pudesse terminar, suas palavras foram interrompidas.

Ela foi devorada diante dos meus olhos. O som da carne sendo rasgada, o estalar das entranhas sendo arrancadas e devoradas, e os gritos agonizantes da mulher se gravaram na minha mente como um pesadelo eterno. O horror me paralisou por um momento, mas então o instinto tomou conta. Tudo o que eu conseguia pensar era em fugir. Corri com toda a força que meu corpo permitia, o medo pulsando em minhas veias, a respiração ofegante e pesada. Precisava me afastar daquilo, me esconder. E o único lugar que me veio à mente foi o Éden.

Cheguei lá apavorado, o coração disparado, as pernas trêmulas. Sentei no banco de madeira, tentando recuperar o fôlego, mas o medo ainda me consumia. Meu corpo inteiro tremia, e tudo o que eu queria era que aquilo fosse apenas um pesadelo do qual eu pudesse acordar.

O aroma suave das flores ao redor lentamente começou a me acalmar. Minha mente, antes ofuscada pelo pânico, voltou a clarear. Sentei ali por um longo tempo, pensando se haveria mais daquelas criaturas por aí, se ainda existiam sobreviventes... onde estavam os militares? O que havia acontecido com o mundo?

Mas ficar ali não mudaria nada. Eu sabia disso. Ainda assim, o medo me paralisava. Olhei para minhas mãos trêmulas, respirei fundo e, num ato de pura necessidade, dei um soco no próprio rosto.

— Eu preciso encontrar outras pessoas. Só preciso evitar aquela coisa... — murmurei para mim mesmo, tentando reunir coragem. O otimismo soava vazio, mas era tudo o que eu tinha.

Respirei fundo novamente e me levantei, voltando à rua onde tudo começou. Cada passo era cauteloso, meus movimentos eram silenciosos enquanto me aproximava da esquina onde a criatura atacara. Espiei com cuidado... o monstro havia ido embora. Um alívio pesado desceu sobre meus ombros, mas a tensão ainda me sufocava. Aproveitei a oportunidade e me desloquei rapidamente até a delegacia local.

Quando cheguei lá, o lugar estava em ruínas. Havia marcas de tiros e arranhões por toda parte. Sangue cobria o chão e as paredes, espalhado como uma cena de guerra. Caminhei devagar entre os destroços, procurando qualquer arma ou suprimento que pudesse me ajudar a sobreviver. Mas, por mais que eu procurasse, tudo havia sido levado. Era como se alguém tivesse passado por lá antes, limpando o lugar. Os corpos dos policiais estavam ali, mas suas armas não.

Então, ouvi tiros. Disparos ressoando lá fora, perto da delegacia. Corri até uma janela e vi duas pessoas enfrentando o monstro: uma jovem mulher e um homem mais velho, ambos usando uniformes da polícia. Eles disparavam contra a criatura, mas os tiros não pareciam surtir efeito. O monstro avançava impiedosamente.

O homem, percebendo que não conseguiriam detê-lo, empurrou a mulher para longe.

— CORRE! EU SEGURAREI ELE! — gritou, sua voz cheia de determinação.

— O quê?! Eu não vou de- — Ela tentou protestar, mas ele a interrompeu.

— VAI LOGO! SE FICARMOS AQUI, VAMOS MORRER! — Sua voz ecoava com um tom de desespero.

Relutante, a mulher correu, os passos cambaleantes e o rosto inundado por lágrimas. Cada movimento era uma despedida amarga, um corte profundo em sua alma enquanto deixava para trás o homem velho. Ele ficou, uma decisão que misturava coragem e sacrifício; um adeus silencioso para protegê-la. Então, o monstro avançou, brutal e implacável, com um golpe que ecoou como o trovão. O policial foi arremessado, seu corpo frágil colidindo com a cerca de ferro. O impacto foi devastador, e a estrutura perfurou seu abdômen, arrancando-lhe um grito abafado. Eu, escondido na sombra, observei em choque. Não entendia por que o monstro o deixara ali, inerte, sem o devorar como fizera antes com a outra mulher.

Aguardei, o coração disparado, até o som dos passos bestiais do monstro se perder na distância. Só então, tomando coragem, corri em direção ao corpo do policial, movido pelo impulso de pegar sua arma, uma chance mínima de defesa. Mas ao me aproximar, um som quase inaudível me congelou.

— Ei... você... — ele sussurrou, a voz tão fraca que mais parecia o vento atravessando seus lábios trêmulos.

— Santo Cristo! — soltei um grito sufocado, quase deixando a arma cair de minhas mãos. A visão dele, ferido e ensanguentado, deixou meu corpo em alerta.

— Desculpa... não queria assustar... — ele disse entre suspiros, cada palavra arrancada a duras penas. — Pegue minhas armas... mas, por favor... eu imploro... escute meu último pedido...

Eu me ajoelhei ao lado dele, o pânico pulsando em minha mente. Fiz um esforço para manter a voz firme, tentando oferecer um mínimo de dignidade àquele momento.

— Claro, senhor. O que deseja? — perguntei, forçando um tom que soasse respeitoso, mas ao encarar seus olhos, vi o desespero, o brilho da vida se esvaindo rápido demais.

— Aquela mulher... — ele murmurou, o peito subindo e descendo com esforço. — Ela é minha filha. Ajude-a... ela viu... viu o monstro devorar a mãe dela... bem na frente... Por favor, eu... imploro...

Engoli em seco, sentindo o peso cruel daquele pedido pairando sobre mim. Vi no olhar dele não apenas dor, mas uma angústia que parecia estar partindo o seu coração tanto quanto o ferimento. Ele não estava apenas pedindo que eu a ajudasse; ele estava entregando sua última esperança.

— Eu... eu prometo, senhor. Vou protegê-la. Farei o meu melhor — garanti, minha voz embargada, tentando lhe transmitir uma segurança que eu mesmo não possuía.

— Obrigado... — ele murmurou, e uma suavidade inesperada tomou conta de seu rosto. Ele fechou os olhos, o alívio desenhando-se em sua expressão cansada. — Aquele monstro... só devora... mulheres... ignora... homens... Não sei o motivo... mas... é tudo... que sei...

Um último suspiro escapou-lhe dos lábios, e vi a vida se despedir dele, deixando para trás uma expressão de paz, como se, por fim, ele pudesse descansar.

Fiquei ali, ajoelhado ao lado dele, sentindo a solidão pesar sobre mim. A promessa que fizera ao homem moribundo agora cravava-se em meu coração como a cerca em seu corpo. Levantei-me devagar, os ombros vergados pelo peso do que estava por vir. Eu não sabia o que me esperava — aquele monstro, o desespero de uma criança órfã, ou o caos que se espalhava por cada esquina. Só tinha certeza de uma coisa: aquela promessa me obrigava a enfrentar todos os horrores que surgissem.

E ali, naquele instante, minha luta por sobrevivência começava. Sabia que nada mais seria como antes; meu destino se entrelaçara com o daquela menina em um mundo onde a realidade havia se fragmentado, e monstros devoravam o que ainda restava de nossa humanidade.

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Comments

Estrela Cadente

Estrela Cadente

coitado do personagem, perdeu uma pessoa e três meses depois viu alguém perdendo sua vida em sua frente....... muito sofrimento e ainda mais por um monstro.🥲

2023-05-02

2

Estrela Cadente

Estrela Cadente

minha imaginação vai longe

2023-05-02

2

Estrela Cadente

Estrela Cadente

nossa, essa frase é muito boaa

2023-05-02

1

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