Por Apenas Uma Noite

Por Apenas Uma Noite

Capítulo 1

Respire

fundo. Está tudo bem. Apenas respire fundo.

Sinto o colarinho apertar

meu pescoço. Observo uma única gota de suor escorrer em minha testa. Respiro

fundo mais uma vez, embora não faça diferença, pois meu nervosismo não irá mudar

por um simples gesto. Boca seca, batidas apressadas em meu coração e medo

inserido na mente.

Respire

fundo. Você consegue.

Tento dizer repetidas

vezes, como me ensinaram, mas em vão. Ouço passos na escada. Engulo em seco.

Espero que esse reflexo no espelho não seja o garoto que terei que ser. Está

amedrontado demais. Apreensivo demais. Não posso ser assim.

Vamos,

respire fundo.

Escuto o som da maçaneta

girando. Minhas pernas tremem. Tento ajeitar o colarinho que me sufoca, sentindo

a saliva queimar minha garganta.

— Está tudo bem, filho? —

Minha mãe entra no quarto e, de imediato, sinto um aroma doce chegar até mim. Penso

em sorrir, mas meus lábios não obedecem.

— Eu? Sim. Acho.

Seus passos seguem para

minha direção. Eu a observo através do espelho. Um vestido justo e escuro

esconde seu corpo. Cabelo solto, caindo por cima dos ombros.

— Sabe que não precisa

ficar tão nervoso assim, não é mesmo? — Seus dedos tocam meus braços, apertando-os.

Não respondo. Fecho meus

olhos. Conto até três.

— Ela está te esperando.

Quando estiver pronto, pode descer — diz ela. Sua voz me acalma, apesar de

tudo. Adocicada. Paro de contar e me viro em sua direção. Não demora muito para

que ela ajeite o terno em meu corpo, assim como a gravata que passei horas

tentando deixá-la perfeita.

Seus olhos escuros estão

cravados em mim. Maquiagem, tanto nos olhos quanto nas bochechas preenchem seu

rosto. Seu sorriso está estampado, como sempre esteve. Uma brisa fria invade o

quarto, vindo da janela à direita. Sinto meu corpo se arrepiar.

— Então, está pronto? —

pergunta com um sorriso aberto.

Respiro fundo mais uma

vez.

Você

consegue.

— É, estou pronto.

***

Escuto passos em minha direção, um de cada

vez, enquanto encaro o espelho à minha frente — mesmo que detestando cada

segundo passado, esforçando-me o máximo para não virar o rosto —, enxergando

nervosismo estampar em minha feição. Por algum motivo, excesso de ansiedade ou

falta de controle emocional, não consigo permanecer quieto. Meus dedos tremem,

minhas pernas bambeiam e meu coração explode dentro do peito.

É

apenas o primeiro dia de aula. Não tem o que temer. É apenas o primeiro dia de

aula.

Observo minha mãe caminhar

para perto de mim, com um sorriso aberto no rosto.

— Como está meu campeão,

em? — Se aproxima com uma pergunta.

Respiro fundo, tentando

não demonstrar indícios de um garoto amedrontado e apreensivo, e tentando ainda

mais não olhar em seus olhos que tanto me conhecem.

— Filho, você está no

terceiro ano do ensino médio, acho que passou da hora de relaxar esses ombros e

agir como um garoto da sua idade. Não precisa se preocupar tanto assim.

Ergo meu olhar. Seu

sorriso brilha em minha direção. Cabelo amarrado em um rabo-de-cavalo, enquanto

uma de suas mãos se apoia em meu ombro, massageando-o suavemente.

Engulo em seco.

— E se não sair tudo bem?

— pergunto, com falhas em minha voz. — E se eu começar a suar e todo mundo rir

de mim?

— Não vai acontecer. Você

fica nervoso jogando videogame?

— Não, mas é diferente.

Não tem ninguém me observando. Muito menos comentando sobre como eu sou.

— E por que acha que

estão comentando sobre você? — Suas duas mãos estão em meus ombros agora,

apertando-os. De alguma forma, isso me faz acalmar.

— Porque é o que parece.

— Não, eles não estão

falando de você. Sabe quantos alunos tem naquela escola? — pergunta, achando

graça da situação, no entanto. — O suficiente para não comentarem sobre você.

— Mas...

— Nada de “mas”, filho. Você

se lembra de quantas vezes eu tive que te buscar na escola, quando você chorava

e dizia para a professora que tinha alguém te observando?

— Infelizmente —

respondo. — Era o ensino fundamental, crianças são assim.

— Não, crianças não são

assim. Você era assim — Seus dedos me apertam ainda mais forte, e eu agradeço

por isso. — Não existem pessoas te observando ou te julgando. É apenas sua

mente. Não foi isso que a terapeuta explicou?

— Tecnicamente sim. Mas

não é tão fácil quanto parece. Eu começo a suar, minha boca não abre e minha

cabeça gira. Não gosto que me observem.

— E é por isso que você

vai sair desse quarto, caminhar até aquele lugar repleto de alunos e se

esforçar o máximo para se sair bem. Ou você não quer se tornar um diretor de

cinema?

Ela sabe mesmo como me

acertar em cheio. Retiro minha atenção do espelho por um momento e giro o corpo

para encará-la. Ela logo faz questão de ajeitar o cabelo que está caído em

minha testa. Alinha a camisa xadrez em meu corpo e suspira, fitando-me nos olhos.

Estão calmos e reflexivos, decididos talvez. Sorri.

Minha boca se abre, mas

nenhuma palavra consegue sair. Então a fecho, engolindo em seco.

— Vamos, uma escola

precisa de você. — Tenta me incentivar, abrindo passagem e esperando que eu

siga para fora do quarto.

— Mãe...

— Não adianta enrolar,

filho. Você tem uma missão e precisa ser concluída.

— Mas...

— Sem “mas”, eu já disse.

Vamos lá, seu preguicinha. Hora de

fazer seu trabalho e mostrar para o mundo que é muito mais do que imagina.

Dou um suspiro, sentindo

meu estômago se embrulhar com o simples fato de pensar que terei que enfrentar

o mundo lá fora. Não entendo porque preciso me encaixar em uma bolha no qual

não tenho interesse em fazer parte.

Mas sei perfeitamente que

minha mãe jamais concordará comigo, por isso preciso me apressar o quanto

antes. Não quero escutar seus prolongados sermões.

Finalmente meus passos

indicam a saída do quarto.

— Isso mesmo, andando. E

sem pensar demais, em? Apenas faça! — Seu tom de voz sai alto o bastante para

me deixar envergonhado, ainda que não tenha ninguém por perto.

Pego minha mochila

encostada na parede do quarto e desço os degraus da escada.

***

Faz cerca de cinco minutos que estou no

ponto de ônibus. Não posso negar o nervosismo que percorre meu corpo. Algumas

outras pessoas estão presentes, em completo silêncio, perdidas em seus

smartphones ou em conversas cotidianas. Evito olhar diretamente em seus olhos,

mantendo minha cabeça baixa.

Confesso que sessões de

terapias têm me ajudado, embora não por completo. Sinto minhas pernas

bambearem, meu coração bater mais forte e minha boca demonstrar indícios de

ressecamento. Contudo, já é uma grande evolução, eu diria. Agora posso caminhar

com pessoas me olhando, mesmo que de forma discreta e acelerada. Não preciso

derramar mais lágrimas ou correr como um desesperado no qual eu costumava

fazer; ou como eu gostaria de fazer nesse exato momento, para ser sincero.

Fugir sempre parece a melhor solução.

Só preciso respirar fundo

e imaginar que tudo ficará bem. É assim que me ensinaram.

Por fim o grande

transporte se aproxima. Espero todo mundo subir primeiro antes que eu possa dar

o primeiro passo. Não consigo nem mesmo encarar o motorista, temendo que ele

possa me expulsar do ônibus por isso. Meus olhos percorrem todo o lugar por um

rápido instante, enxergando uma quantidade surpreendente de alunos conversando,

rindo e olhando diretamente para o meu rosto amedrontado. Tento ignorar,

observando David e Helena sentados à direta. Caminho até eles imediatamente.

— Eu apostei dez pratas

que você não apareceria hoje — diz David antes mesmo que eu me sente ao seu

lado. — Me deve dez pratas.

— É você quem me deve dez

pratas, idiota. — Helena dá dois tapinha nas costas de David, enquanto exibe

sua seriedade de sempre.

— Viu o que me fez

passar?

— Não enrola. Me paga

logo.

Relutantemente, David

retira uma nota suada do bolso da calça e entrega a Helena, franzindo os cenhos

em minha direção.

— Obrigado, amigo —

ironiza ele, ainda com seus olhos em mim. — Lá se foi toda minha grana.

Satisfeito?

Dando de ombros, eu me

sento.

— Não liga para ele,

estava mesmo convicto que você não apareceria. — Sinto o hálito quente de

Helena em minha orelha. — Mas sejamos sinceros, ele só está assim porque deve

ter descoberto que alguma baleia, em algum oceano, pode ter morrido.

— Muito engraçado. E não,

nenhuma baleia, em nenhum oceano, morreu. Eu espero que não. Falando nisso, vocês

sabiam que baleias possuem melhores amigos? Acho que ninguém aqui seria uma

baleia, pelo visto.

— Eu disse, ele está

mesmo chateado com alguma coisa. Eu ainda aposto que é por causa de alguma

baleia. O que foi, David, Free Willy não é mais sua amiga?

— Muito engraçado

novamente. Deveria abrir um bar de comédia. E tecnicamente Free Willy não pode ser minha amiga, porque é macho. Então seria

amigo. Mas isso não vem ao caso. Aposto dez pratas que não é por causa de

baleira. O que me diz?

— Não sou idiota, garoto

— rebate ela.

David solta um suspiro de

decepção, cruzando os braços no alto do peito. Suas sobrancelhas se franzem,

como uma criança sem seu brinquedo favorito.

— Bom dia para vocês

também — digo por fim, não evitando o sorriso que se abre.

— Não esquece. Dez pratas

— escuto o sussurro de David ao meu lado.

— Continue esperando —

respondo.

Eu costumava permanecer

no primeiro banco, com os olhos voltados para o lado de fora do ônibus, sem me

dar conta que duas pessoas incríveis compartilhavam o mesmo transporte que eu. Ainda

me lembro do dia que David me convidou para sentar ao seu lado, ao ver que

quatro garotos começaram a se implicar comigo, me chamando de...

— Bom dia, Forrest Gump.

— Escuto meu apelido sendo pronunciado atrás de mim.

Não me viro para

encará-lo. Por que deveria? Apenas escuto algumas risadas que percorrem o fundo

do ônibus.

— Cala boca, Milk-shake! —

Helena rebate Mike no mesmo instante, girando o pescoço para ameaçá-lo com um

simples olhar, exatamente como cansou de fazer. — Não me faça ir aí e quebrar

todos esses dentes podres da sua boca.

Uma onda de vaias chega

até mim. Fecho meus olhos e respiro fundo, contando rapidamente. Um... Dois... Três...

Eles

não estão me olhando agora. Eles não estão me olhando agora. Eles não estão me

olhando agora.

Novamente inspiro e expiro.

Não

é nada demais. Apenas provocação. Ninguém está me olhando agora.

Por fim, após alguns

segundos passados, meus olhos se abrem. Apenas David me encara, com o canto do

olho.

— Você está bem? —

pergunta ele.

Concordo com um aceno de

cabeça. Não escuto Mike dizer absolutamente nada mais. Sei que Helena está

sentada e com o corpo voltado para frente. Sinto que olhos alheios estão

voltados para minha direção, mas faço o possível para ignorá-los. São apenas

adolescentes em busca de atenção. Não preciso me preocupar, não é mesmo?

— Não liga para ele,

Caio. É um idiota. — Sinto a mão de Helena em meu ombro. — Você sabe que não se

parece com Forrest Gump. E mesmo assim, qual o problema, não é? Quero dizer,

ele se aventurou pelo mundo. Isso é incrível.

Eu entendo que não pareço

com Forrest Gump, e agradeço por Helena tentar me ajudar, mas não gosto que

pensem que tenho raciocino lento ou invento histórias por aí. O simples fato de

eu temer pessoas e não encarar em seus olhos não faz de mim uma pessoa

estúpida. Posso não ser social ou ter um bom relacionamento com seres humanos,

mas eu ainda sei usar meu cérebro, apesar de tudo.

Abaixo ainda mais minha

cabeça e apoio meu queixo em cima da mochila. Espero que ninguém perceba que

lágrimas estão embaçando meus olhos.

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Rayssa Oliveira

Rayssa Oliveira

anei

2023-03-30

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