Por Apenas Uma Noite
Respire
fundo. Está tudo bem. Apenas respire fundo.
Sinto o colarinho apertar
meu pescoço. Observo uma única gota de suor escorrer em minha testa. Respiro
fundo mais uma vez, embora não faça diferença, pois meu nervosismo não irá mudar
por um simples gesto. Boca seca, batidas apressadas em meu coração e medo
inserido na mente.
Respire
fundo. Você consegue.
Tento dizer repetidas
vezes, como me ensinaram, mas em vão. Ouço passos na escada. Engulo em seco.
Espero que esse reflexo no espelho não seja o garoto que terei que ser. Está
amedrontado demais. Apreensivo demais. Não posso ser assim.
Vamos,
respire fundo.
Escuto o som da maçaneta
girando. Minhas pernas tremem. Tento ajeitar o colarinho que me sufoca, sentindo
a saliva queimar minha garganta.
— Está tudo bem, filho? —
Minha mãe entra no quarto e, de imediato, sinto um aroma doce chegar até mim. Penso
em sorrir, mas meus lábios não obedecem.
— Eu? Sim. Acho.
Seus passos seguem para
minha direção. Eu a observo através do espelho. Um vestido justo e escuro
esconde seu corpo. Cabelo solto, caindo por cima dos ombros.
— Sabe que não precisa
ficar tão nervoso assim, não é mesmo? — Seus dedos tocam meus braços, apertando-os.
Não respondo. Fecho meus
olhos. Conto até três.
— Ela está te esperando.
Quando estiver pronto, pode descer — diz ela. Sua voz me acalma, apesar de
tudo. Adocicada. Paro de contar e me viro em sua direção. Não demora muito para
que ela ajeite o terno em meu corpo, assim como a gravata que passei horas
tentando deixá-la perfeita.
Seus olhos escuros estão
cravados em mim. Maquiagem, tanto nos olhos quanto nas bochechas preenchem seu
rosto. Seu sorriso está estampado, como sempre esteve. Uma brisa fria invade o
quarto, vindo da janela à direita. Sinto meu corpo se arrepiar.
— Então, está pronto? —
pergunta com um sorriso aberto.
Respiro fundo mais uma
vez.
Você
consegue.
— É, estou pronto.
***
Escuto passos em minha direção, um de cada
vez, enquanto encaro o espelho à minha frente — mesmo que detestando cada
segundo passado, esforçando-me o máximo para não virar o rosto —, enxergando
nervosismo estampar em minha feição. Por algum motivo, excesso de ansiedade ou
falta de controle emocional, não consigo permanecer quieto. Meus dedos tremem,
minhas pernas bambeiam e meu coração explode dentro do peito.
É
apenas o primeiro dia de aula. Não tem o que temer. É apenas o primeiro dia de
aula.
Observo minha mãe caminhar
para perto de mim, com um sorriso aberto no rosto.
— Como está meu campeão,
em? — Se aproxima com uma pergunta.
Respiro fundo, tentando
não demonstrar indícios de um garoto amedrontado e apreensivo, e tentando ainda
mais não olhar em seus olhos que tanto me conhecem.
— Filho, você está no
terceiro ano do ensino médio, acho que passou da hora de relaxar esses ombros e
agir como um garoto da sua idade. Não precisa se preocupar tanto assim.
Ergo meu olhar. Seu
sorriso brilha em minha direção. Cabelo amarrado em um rabo-de-cavalo, enquanto
uma de suas mãos se apoia em meu ombro, massageando-o suavemente.
Engulo em seco.
— E se não sair tudo bem?
— pergunto, com falhas em minha voz. — E se eu começar a suar e todo mundo rir
de mim?
— Não vai acontecer. Você
fica nervoso jogando videogame?
— Não, mas é diferente.
Não tem ninguém me observando. Muito menos comentando sobre como eu sou.
— E por que acha que
estão comentando sobre você? — Suas duas mãos estão em meus ombros agora,
apertando-os. De alguma forma, isso me faz acalmar.
— Porque é o que parece.
— Não, eles não estão
falando de você. Sabe quantos alunos tem naquela escola? — pergunta, achando
graça da situação, no entanto. — O suficiente para não comentarem sobre você.
— Mas...
— Nada de “mas”, filho. Você
se lembra de quantas vezes eu tive que te buscar na escola, quando você chorava
e dizia para a professora que tinha alguém te observando?
— Infelizmente —
respondo. — Era o ensino fundamental, crianças são assim.
— Não, crianças não são
assim. Você era assim — Seus dedos me apertam ainda mais forte, e eu agradeço
por isso. — Não existem pessoas te observando ou te julgando. É apenas sua
mente. Não foi isso que a terapeuta explicou?
— Tecnicamente sim. Mas
não é tão fácil quanto parece. Eu começo a suar, minha boca não abre e minha
cabeça gira. Não gosto que me observem.
— E é por isso que você
vai sair desse quarto, caminhar até aquele lugar repleto de alunos e se
esforçar o máximo para se sair bem. Ou você não quer se tornar um diretor de
cinema?
Ela sabe mesmo como me
acertar em cheio. Retiro minha atenção do espelho por um momento e giro o corpo
para encará-la. Ela logo faz questão de ajeitar o cabelo que está caído em
minha testa. Alinha a camisa xadrez em meu corpo e suspira, fitando-me nos olhos.
Estão calmos e reflexivos, decididos talvez. Sorri.
Minha boca se abre, mas
nenhuma palavra consegue sair. Então a fecho, engolindo em seco.
— Vamos, uma escola
precisa de você. — Tenta me incentivar, abrindo passagem e esperando que eu
siga para fora do quarto.
— Mãe...
— Não adianta enrolar,
filho. Você tem uma missão e precisa ser concluída.
— Mas...
— Sem “mas”, eu já disse.
Vamos lá, seu preguicinha. Hora de
fazer seu trabalho e mostrar para o mundo que é muito mais do que imagina.
Dou um suspiro, sentindo
meu estômago se embrulhar com o simples fato de pensar que terei que enfrentar
o mundo lá fora. Não entendo porque preciso me encaixar em uma bolha no qual
não tenho interesse em fazer parte.
Mas sei perfeitamente que
minha mãe jamais concordará comigo, por isso preciso me apressar o quanto
antes. Não quero escutar seus prolongados sermões.
Finalmente meus passos
indicam a saída do quarto.
— Isso mesmo, andando. E
sem pensar demais, em? Apenas faça! — Seu tom de voz sai alto o bastante para
me deixar envergonhado, ainda que não tenha ninguém por perto.
Pego minha mochila
encostada na parede do quarto e desço os degraus da escada.
***
Faz cerca de cinco minutos que estou no
ponto de ônibus. Não posso negar o nervosismo que percorre meu corpo. Algumas
outras pessoas estão presentes, em completo silêncio, perdidas em seus
smartphones ou em conversas cotidianas. Evito olhar diretamente em seus olhos,
mantendo minha cabeça baixa.
Confesso que sessões de
terapias têm me ajudado, embora não por completo. Sinto minhas pernas
bambearem, meu coração bater mais forte e minha boca demonstrar indícios de
ressecamento. Contudo, já é uma grande evolução, eu diria. Agora posso caminhar
com pessoas me olhando, mesmo que de forma discreta e acelerada. Não preciso
derramar mais lágrimas ou correr como um desesperado no qual eu costumava
fazer; ou como eu gostaria de fazer nesse exato momento, para ser sincero.
Fugir sempre parece a melhor solução.
Só preciso respirar fundo
e imaginar que tudo ficará bem. É assim que me ensinaram.
Por fim o grande
transporte se aproxima. Espero todo mundo subir primeiro antes que eu possa dar
o primeiro passo. Não consigo nem mesmo encarar o motorista, temendo que ele
possa me expulsar do ônibus por isso. Meus olhos percorrem todo o lugar por um
rápido instante, enxergando uma quantidade surpreendente de alunos conversando,
rindo e olhando diretamente para o meu rosto amedrontado. Tento ignorar,
observando David e Helena sentados à direta. Caminho até eles imediatamente.
— Eu apostei dez pratas
que você não apareceria hoje — diz David antes mesmo que eu me sente ao seu
lado. — Me deve dez pratas.
— É você quem me deve dez
pratas, idiota. — Helena dá dois tapinha nas costas de David, enquanto exibe
sua seriedade de sempre.
— Viu o que me fez
passar?
— Não enrola. Me paga
logo.
Relutantemente, David
retira uma nota suada do bolso da calça e entrega a Helena, franzindo os cenhos
em minha direção.
— Obrigado, amigo —
ironiza ele, ainda com seus olhos em mim. — Lá se foi toda minha grana.
Satisfeito?
Dando de ombros, eu me
sento.
— Não liga para ele,
estava mesmo convicto que você não apareceria. — Sinto o hálito quente de
Helena em minha orelha. — Mas sejamos sinceros, ele só está assim porque deve
ter descoberto que alguma baleia, em algum oceano, pode ter morrido.
— Muito engraçado. E não,
nenhuma baleia, em nenhum oceano, morreu. Eu espero que não. Falando nisso, vocês
sabiam que baleias possuem melhores amigos? Acho que ninguém aqui seria uma
baleia, pelo visto.
— Eu disse, ele está
mesmo chateado com alguma coisa. Eu ainda aposto que é por causa de alguma
baleia. O que foi, David, Free Willy não é mais sua amiga?
— Muito engraçado
novamente. Deveria abrir um bar de comédia. E tecnicamente Free Willy não pode ser minha amiga, porque é macho. Então seria
amigo. Mas isso não vem ao caso. Aposto dez pratas que não é por causa de
baleira. O que me diz?
— Não sou idiota, garoto
— rebate ela.
David solta um suspiro de
decepção, cruzando os braços no alto do peito. Suas sobrancelhas se franzem,
como uma criança sem seu brinquedo favorito.
— Bom dia para vocês
também — digo por fim, não evitando o sorriso que se abre.
— Não esquece. Dez pratas
— escuto o sussurro de David ao meu lado.
— Continue esperando —
respondo.
Eu costumava permanecer
no primeiro banco, com os olhos voltados para o lado de fora do ônibus, sem me
dar conta que duas pessoas incríveis compartilhavam o mesmo transporte que eu. Ainda
me lembro do dia que David me convidou para sentar ao seu lado, ao ver que
quatro garotos começaram a se implicar comigo, me chamando de...
— Bom dia, Forrest Gump.
— Escuto meu apelido sendo pronunciado atrás de mim.
Não me viro para
encará-lo. Por que deveria? Apenas escuto algumas risadas que percorrem o fundo
do ônibus.
— Cala boca, Milk-shake! —
Helena rebate Mike no mesmo instante, girando o pescoço para ameaçá-lo com um
simples olhar, exatamente como cansou de fazer. — Não me faça ir aí e quebrar
todos esses dentes podres da sua boca.
Uma onda de vaias chega
até mim. Fecho meus olhos e respiro fundo, contando rapidamente. Um... Dois... Três...
Eles
não estão me olhando agora. Eles não estão me olhando agora. Eles não estão me
olhando agora.
Novamente inspiro e expiro.
Não
é nada demais. Apenas provocação. Ninguém está me olhando agora.
Por fim, após alguns
segundos passados, meus olhos se abrem. Apenas David me encara, com o canto do
olho.
— Você está bem? —
pergunta ele.
Concordo com um aceno de
cabeça. Não escuto Mike dizer absolutamente nada mais. Sei que Helena está
sentada e com o corpo voltado para frente. Sinto que olhos alheios estão
voltados para minha direção, mas faço o possível para ignorá-los. São apenas
adolescentes em busca de atenção. Não preciso me preocupar, não é mesmo?
— Não liga para ele,
Caio. É um idiota. — Sinto a mão de Helena em meu ombro. — Você sabe que não se
parece com Forrest Gump. E mesmo assim, qual o problema, não é? Quero dizer,
ele se aventurou pelo mundo. Isso é incrível.
Eu entendo que não pareço
com Forrest Gump, e agradeço por Helena tentar me ajudar, mas não gosto que
pensem que tenho raciocino lento ou invento histórias por aí. O simples fato de
eu temer pessoas e não encarar em seus olhos não faz de mim uma pessoa
estúpida. Posso não ser social ou ter um bom relacionamento com seres humanos,
mas eu ainda sei usar meu cérebro, apesar de tudo.
Abaixo ainda mais minha
cabeça e apoio meu queixo em cima da mochila. Espero que ninguém perceba que
lágrimas estão embaçando meus olhos.
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Atualizado até capítulo 31
Comments
Rayssa Oliveira
anei
2023-03-30
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