Capítulo 6

Escuto barulho no andar debaixo da casa.

Minha mãe. Estou extremamente concentrado agora, segurando de maneira firme um

controle de videogame e olhos vidrados sobre uma grande TV, não posso pausar o

jogo para vê-la. Mas isso pouco importa, certamente ela subirá para saber como

estou.

— Acorda, Peter! — grita

Black Jack. — Deixou escapar dois Velociraptor.

— Cala boca, bundão. Não

está vendo que estou ocupado agora? Minha vó entrou no quarto. Sabe que odeio

que me vejam de cueca — rebate Peter.

— Eca, cara. — John faz

um som de nojo, assim como todos nós. — Sorte dela não enxergar muito bem.

Um sorriso se faz em meu

rosto.

— Muito engraçado, John.

Muito engraçado — ironiza Peter.

22h17. Faz uma hora e

meia que estamos matando dinossauros. Estou em segundo lugar, logo atrás de

Olhos De Aço. Uma menina desconhecida capaz de matar qualquer dinossauro que

surge em seu caminho. Confesso que tenho grande admiração por essa garota,

embora eu prefira vê-la como uma rival.

— Olhos De Aço está na

frente, galera. Acorda, Peter! — Back Jack parece mesmo incomodado com Peter.

Não esperava ser diferente, sempre escolhe um para ser o culpado da vez. — Vamos

lá, Caio, você consegue. Basta matar mais quatro dinossauros. John, me dê

cobertura. Ajude o Caio, Peter. Não deixe que morra agora. — Black Jack é o que

chamamos de líder da equipe, embora ninguém o conheça de verdade. Sem nome, sem

endereço e sem rosto. Um verdadeiro mistério, eu diria. — Atira, Peter! Atira!

Meus dedos estão ágeis. Mato

um, dois, três Tiranossauros Rex em

questão de segundos. Falta apenas um para terminarmos o jogo. Estou em primeiro

lugar, deixando Olhos De Aço para trás. Mordo minha língua, como uma forma de

focar no jogo.

— Estou fora, galera —

avisa Peter. — Pisado por um Braquiossauro. Merda!

— Não! — vocifera John

logo depois. — Pra mim já era, turma.

Respiro fundo. Dois

jogadores estão fora.

Observo Olhos De Aço bem

na minha frente, correndo na direção de um Espinossauro.

Não posso deixar que ela se aproxime dele antes de mim.

— Corre, Caio. Corre! —

grita alguém. Não consigo saber quem é agora.

Sinto meus dedos doerem,

enquanto pressiono fortemente alguns dos botões do controle. Minha língua não

para quieta em minha boca.

Rápido.

— Pega ela, Caio! — ouço

gritos em meu nome. — Pega ela!

Estou próximo. Muito

próximo. Olhos De Aço está incrivelmente armada. Toda sua armadura reluz em

ouro. Uma pesada arma dança em seus braços. Espinossauro é o um dos maiores carnívoros que já existiu, mesmo que prefira fugir a

enfrentar dois jogadores que avançam em sua direção.

— Você consegue, garoto —

sussurra Black Jack.

— Isso! Isso! — Peter

está animado. — Corre, Caio! Corre!

Dois metros. Um metro.

Estou lado a lado com Olhos De Aço. Minha armadura prateada se destaca no meio

tantas de árvores e obstáculos pelo caminho. Falta apenas trinta segundos para

o fim do jogo. Espinossauro continua

fugindo, o mais rápido possível. Não posso deixar que escape. Uma equipe está

torcendo por mim agora.

— Está quase, garoto.

Vamos lá.

Ultrapasso Olhos De Aço.

Menos de dez segundos para o fim do jogo. Ergo minha arma. Não posso vacilar

agora.

Três...

Dois...

Atiro antes da contagem

final.

Silêncio.

Escuto gritos em meu nome

e comemoração exagerada. Alvo eliminado, com apenas um tiro certeiro. Suspiro,

sentindo-me aliviado. Olhos De Aço ficou em segundo lugar, pela primeira vez

desde que entrou em nossa competição. Por algum motivo não consigo gritar

agora.

— Caio! Caio! Caio! —

dizem em um uníssono.

Estou sorrindo.

— Agora, um discurso do

nosso campeão — avisa Black Jack.

Discurso?Imediatamente

sinto suor escorrer em minha testa. Todo alívio que antes eu sentia se

transforma em nervosismo.

Logo atrás de mim, antes

que minha boca pudesse se abrir, escuto o barulho da porta se abrindo.

— Está tudo bem, filho? —

minha mãe.

— Desculpe, galera.

Preciso ir — tiro o headset da orelha

e desligo o videogame, deixando todos os meus amigos para trás. — Mãe. Então...

— Então... — Seus cenhos

se franzem em minha direção, seguido por um curto sorriso.

— Voltou mais cedo hoje —

digo, ajeitando meu corpo na cama.

Ela se aproxima. Seu

rosto está limpo, sem maquiagem. Mantém o cabelo preso em um rabo-de-cavalo.

Vejo cansaço em seus olhos.

Ela senta perto de mim,

afundando boa parte do colchão.

— Como você está? —

pergunta, suspirando.

— Bem. É, vou bem —

respondo. Fragmentos de inquietação estampam em meu rosto. — Como foi o

atendimento hoje?

— Foi um... Babado — ela

sorri. — E você? Sem problemas hoje?

Eu não tinha esse hábito.

Não gostava que tocassem em assuntos que me envolviam no meio. Nunca me achei

digno de ser o centro das atenções ou de preocupações. Sempre abaixei minha

cabeça e respondi que tudo estava bem. Me sentia constrangido quando alguém

perguntava como fora o meu dia ou o que de bom eu fiz durante toda tarde.

Porém, hoje estou bem.

Não preciso mentir nem omitir um acontecimento.

— Sem problemas hoje —

concordo. — Bem, não para mim, eu acho. Helena está saindo com um garoto, então

para ela pode ser um problema.

Minha mãe coloca uma

mecha do cabelo atrás da orelha.

— E aí? — parece curiosa.

— Não conseguiu conversar

com ele quando apareceu no cinema. Ficou atrás do balcão, encolhida.

— Tadinha. Ela está bem?

— Depois de xingar até

nossa décima futura geração, acredito que vai ficar bem sim.

— E é um rapaz digno de

ter Helena? — pergunta, sorrindo. — Sabemos como é estressada aquela menina. Certamente

ele precisa de muita paciência, eu diria.

— Não sei ainda. Estudou

comigo por algum tempo, ficando sempre no fundo da sala com um fone de ouvido.

Agora está mais... Evoluído, sabe? Cabelo grande, roupas rasgadas e camisetas

pretas com estampas de caveira.

— Assim que você vê

evolução?

Respiro fundo. Encaro uma

das minhas pernas, que movimenta em um ritmo acelerado.

— Parece que perdeu o

medo, me entende? — Ergo o olhar e enxergo os mesmos olhos escuros que tanto

admirei na vida.

— Ou pode ser que ele

apenas conseguiu uma maneira de afastar pessoas e esconder o verdadeiro medo.

— Sabe, mãe. Ainda acho

que deveria ser palestrante motivacional.

— De novo? Nem vem com

essa. — Minha mãe me dá um leve empurrão no ombro. — Estou muito bem com meus

clientes e cuidando dos dentes de todos eles. Aliás, filho, por mais que um

dente não pareça ter solução, você sempre poderá arrancar ele e colocar um

novinho. Não tenha medo de trocar de dente.

— Diana, palestrante

motivacional. Cuidando sempre do seu dente e da sua saúde mental. Não é que até

rimou? — Um sorriso se abre em meu rosto.

— Agora chega desse

assunto e é hora de você descansar. Nada de ficar matando dinossauros, em?

Estou de olho. — Coloca-se de pé. Salto alto e calça jeans. Nem mesmo trocou de

roupa para me visitar. Me sinto culpado por não a deixar descansar da melhor

maneira possível.

— Você que manda,

palestrante — respondo. — Boa noite, mãe.

— Boa noite, filho.

Pouco tempo depois, estou

só. Luz apagada e mãos entrelaçadas atrás da cabeça. Sinto um fraco vento atingindo

meu corpo, vindo de uma janela à minha direita. Por algum motivo, ausência de

luz ou silêncio absoluto, me sinto mais leve. Já faz algum tempo que não

converso com um terapeuta, desde o dia em que avisei minha mãe que eu não precisava

mais de um. Para ser sincero, eu apenas não queria causar mais problemas

financeiros para minha família.

Hoje foi meu segundo dia

de aula. Por sorte de um destino incompreendido, Mike faltou e não compareceu

para me atormentar. Seus amigos não são corajosos o bastante para enfrentar

Helena sozinhos, então sempre permanecem de boca fechada e caminham por entre

os corredores como se estivessem de luto. David aproveitou essa rara

oportunidade e contou por horas sobre seu sonho de se formar em biologia e se

aventurar em mares desconhecidos, em busca de baleias perdidas e resgatá-las do

que ele chama de mundo desvalorizado e sem coração.

Helena preferiu não tocar

no assunto sobre seu novo namorado, mesmo sendo perguntada por David. Ele optou

por não levar um soco na boca, como ela deixou bem claro se perguntasse mais

uma vez. E eu? Bem, me mantive o mesmo garoto quieto e amedrontado de sempre,

esperando um dia onde todos os meus anseios sairão de mim e poderei por fim

respirar aliviado e ser uma pessoa sem medo da vida.

Ainda não estou pronto

para enfrentar o que a vida me espera lá fora.

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