Capítulo 5

Ônibus, escola e volta para casa. Confesso

que minha rotina não tem sido tão aventureira assim. Uma vez ou outra, quando

David e eu resolvemos visitar uma amiga apenas para irritá-la profundamente em

seu ambiente de trabalho, que tenho uma fuga para meus dias entediantes.

— Aposto dez reais que

ela irá nos mandar embora em cinco segundos, o que acha? — pergunta David, um

tanto quanto otimista, eu percebo.

Estamos parados em algum

degrau de alguma escada rolante. Pessoas com mãos lambuzadas de sorvetes e crianças

choramingando por causa de um brinquedo são cenas comuns de se observar em um

shopping. Sinto o ar-condicionado em meu corpo, enquanto observo o chão abaixo

de mim. Por muitas vezes, principalmente após um filme repleto de aventuras e

heróis mascarados, já me imaginei pulando e me jogando perante grande queda que

avisto. Sempre com uma teia de aranha saindo dos meus pulsos e conquistando

todas as meninas que se admiram por um super-herói repentino.

— Na verdade o tempo

certo é quatro segundos. E não, não vou apostar dez reais com você — respondo.

O espaço reservado para o

cinema fica no quarto andar do shopping, exatamente onde Helena trabalha. E

exatamente onde gostamos de irritá-la. Confesso que não sou o fã número um de

lugares espaçosos repleto de pessoas desconhecidas que caminham por horas em

busca de produtos que encontraria facilmente em uma pequena loja perto de casa.

Estou com uniforme escolar e, mesmo que eu não goste de todo esse ambiente, me

sinto desconfortável por não usar uma roupa apropriada.

— Você está errado, o

tempo certo é cinco segundos — diz David assim que saímos da escada rolante,

avistando Helena atrás de um balcão segurando um balde de pipoca. Um cliente

esconde grande parte do seu corpo, impossibilitando sua visão até nós.

Sem maquiagem escura e o curto

cabelo preso em um rabo-de-cavalo. Seu olhar se torna muito mais convidativo e

simpático quando não está rodeado por sombras.

Sigo para perto do

balcão, ainda invisível perante olhos grandes e escuros da garota por detrás do

balcão.

— Conte comigo — sussurra

David ao meu lado.

Helena ergue a cabeça

assim que o cliente se afasta. Seus cenhos se franzem imediatamente.

— Vão embora, idiotas —

diz ela antes que possamos nos aproximar por completo.

— Dois segundos. Essa foi

rápida — ironiza David.

Sorrio.

— É sério, vão embora.

Vocês só gostam de subir até aqui para rirem do meu uniforme e da minha cara de

garotinha certinha e enjoada.

— Eu prefiro você desse

modo — afirma David. — Não afasta pessoas e ainda fica tão fofinha.

— Cala boca, babaca. —

Helena pega um pouco da pipoca que está em cima do balcão e joga no rosto de

David. — E ainda estão atrapalhando meu serviço, caso não percebam.

— Tecnicamente está vazio

— digo, olhando ao meu redor.

Poucas pessoas perambulam

de um lado para o outro.

— Tecnicamente vou encher

sua cara de porrada se não for embora — rebate ela.

Helena não teve escolhas

quando resolveu trabalhar como balconista e atendente em um cinema. Usar camisa

vermelha, boné chamativo e sorrir para pessoas desconhecidas? Certamente não

era seu sonho de infância. Porém, como mora com os pais em uma pequena casa e

precisa urgentemente de dinheiro, aceitou logo o emprego e não se importou com

o uniforme trajado; embora prefira manter distância de todo mundo conhecido,

principalmente David e eu.

— Vocês sabem que eu

odeio pedir ajuda — começo, apoiando meu braço sobre o balcão. Sinto minha

mochila pesar nas costas. — Mas eu... Bem, não chamaria de ajuda. Até porque

não sei como vou resolver. Mas preciso de alguém para um casamento.

— Já perguntou para Ning?

— pergunta Helena.

— Ning?

— Ninguém liga! — ironiza

ela. — Agora podem por gentileza irem embora?

— Espera, você disse

casamento? — David gira o corpo em minha direção, curioso.

— Exatamente. Minha mãe

inventou que eu precisava aceitar o convide do meu primo Tony. Sabe, aquele mesmo

que passava horas na frente do espelho admirando a própria beleza...

— E por que precisa de

alguém?

 — É sério, gente. Eu preciso trabalhar e vocês

estão me atrapalhando. — Helena parece mesmo incomodada com nossa presença.

— Bem, porque o bonitão

disse que eu preciso levar alguém para ocupar toda a mesa, já que não quer que

esteja com cadeira vazia na hora da gravação.

— E ele colocou essa

responsabilidade em cima de você? Não poderia simplesmente chamar alguém? Ou

sei lá, tirar essa cadeira, talvez.

— Você sabe que ele

sempre teve esse problema com organização. Já te contei da vez que ele brigou

com um menino porque o garoto sentou na mesa errada da festa de aniversário da

irmã dele? Imagina o que pode fazer em seu próprio casamento — respondo.

— O papo está ótimo, mas

será que poderiam resolver esse assunto longe daqui? — pergunta Helena.

— E o que você vai fazer?

Se quiser eu posso ir com você...

— Eu pensei nessa

hipótese, mas não acho que seria apropriado. Minha mãe quer que eu leve uma

garota.

— Uma garota? — Um

sorriso se abre no rosto de David. — Ela sabe que você não conhece garotas?

— Como assim não conhece

garotas? — pergunta Helena.

David vira o corpo na

direção da amiga atrás do balcão.

— Uma garota comum,

obviamente — responde ele.

Helena bufa.

— Então acha que Helena

seria melhor opção? — David volta seu olhar para mim. Evito encarar seus olhos

e então miro meus braços apoiado sobre o balcão de vidro.

— Não vou ir a um

casamento idiota. — diz ela rapidamente. — Além do mais, não concordo com essa

ideia de ter alguém para toda a vida. Ele é idiota e você também é por aceitar

essa idiotice. Agora será que podem sair daqui?

Respiro fundo.

— Por que não sua irmã? —

pergunta David, ignorando completamente Helena que está do seu lado.

— Ela fará aniversário no

mesmo dia — respondo. — E você sabe como minha mãe é. Não gosta de desapontar

pessoas, muito menos quando se trata de família. Portanto, eu terei que ser o

bobo dessa vez. Outro dia meu pai teve que visitar tia Lúcia porque completou

trinta anos de casados. Pensa no tanto que minha mãe ouviu no dia seguinte. — Um

sorriso nostálgico surge em meu rosto, mas que logo é contido. — Posso dizer

que estou em um verdadeiro impasse.

— Aí merda! — exclama

Helena.

— Sim, uma grande merda —

concordo.

— Não, seu idiota! Agora

é merda de verdade.

Helena se abaixa instante

depois, escondendo-se atrás do balcão.

Giro meu corpo em um

rápido movimento, curioso, e enxergo algumas pessoas caminhando pelo quarto

andar do shopping. Algumas encarando cartazes de lançamentos dos próximos

filmes e outras em filas para comprar ingresso. No mais, tudo se mantém quieto

e com pouca movimentação.

— Espera, aquele não é...

— Começa David, com os olhos apertados.

— Jean Raphael, sim —

completo sua frase, avistando um garoto, olhando de um lado para o outro, perdido.

Não me parece com o mesmo

garoto que frequentava minha escola anos antes. Seu cabelo está maior, chegando

na altura dos ombros. Camisa preta com estampa de caveira, calça rasgada na

região da coxa e tênis de cano alto. Pulseira, brinco e piercing pelo rosto.

Cansado de procurar alguém, seus passos seguem para minha direção. Sinto um

rápido agitar em meu estômago.

Me encara quando se

aproxima, logo em seguida mira o rosto de David. Franze o cenho e abre a boca,

como quem encontrou dois conhecidos de longa data.

— David? Caio? —

pergunta, fitando tanto David quanto eu. Me sinto constrangido por ter que

olhá-lo nos olhos, então abaixo minha cabeça, enxergando a caveira em seu

peito. — Que surpresa. Vocês... Trabalham aqui também?

— O que? Não — David abre

um sorriso. — Como assim: “aqui também”?

— Bem... Helena trabalha

aqui, não é mesmo? Se não me engano, vocês eram amigos, certo? Então eu achei

que vocês também trabalhassem aqui.

Rapidamente, erguendo uma

das sobrancelhas, David vira o rosto em minha direção. Não precisei mais que

dois segundos para entender o que ele queria me dizer.

— Conte mais sobre Helena

— diz David, diminuindo drasticamente seu tom de voz. — Por que essa

curiosidade sobre ela?

Jean encara David por um

longo minuto antes de responder. Suas sobrancelhas continuam juntas, sem

entender o que está ocorrendo.

— Estamos meio que... Saindo

algumas vezes, entende? — Um fraco sorriso se estende, revelando um pequeno

piercing entre os dois dentes incisivos centrais. — Ela me disse que estaria

aqui, então... Aqui estou. — Completa.

David faz um som com a

garganta, concordando.

— Helena, é?

Helena e Jean? O garoto

que mudou de escola e nunca mais o vimos. Deixou o cabelo crescer, tirou todas

as espinhas do rosto e engordou alguns quilos. Então esse é o medo de Helena?

Por isso estava apreensiva e insistente em nossa saída?

Eu o encaro por algum

momento, notando o quanto parece mais calmo e tranquilo de que quando eu o

conheci. Sua expressão, embora pareça duvidosa, contém experiência, como se não

precisasse se esconder nem baixar os olhos por causa de alguém.

— Por acaso vocês a

viram? — pergunta ele, girando o pescoço para esquerda e direita.

Vejo por cima do meu

ombro, mantendo o máximo de cautela possível, Helena, atrás do balcão,

ajoelhada. Suas sobrancelhas estão arqueadas e um dedo está erguido até os

lábios, pedindo silêncio.

— Não — digo

imediatamente. — Viemos comprar pipoca e parece que não tem ninguém aqui.

— Que estranho. Ela me

disse que estaria aqui e até sairia mais cedo para podermos ir ao cinema.

— Mulheres — ironiza

David. — Seres complicados, não é mesmo?

Jean não ri.

David limpa a garganta.

 — Bem... Então é isso. Foi um prazer rever

vocês, garotos. Se por acaso Helena aparecer, diga que eu estarei em casa,

desapontado. — Jean gira sobre os calcanhares e sai de perto do balcão,

seguindo em direção a escada rolante.

Helena espera um ou dois

minutos para se levantar. Suor escorre em sua testa.

— Eu disse para vocês

irem embora, idiotas — resmunga ela.

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