— Aí, Forrest Gump!
Fiquei sabendo que teve uma queda por uma garota ontem, em? Pena que ela não te
segurou antes! — escuto Mike e seus amigos gargalharem. — Dá próxima vez que
desmaiar tente não voltar como um idiota!
Alguns
outros alunos deixam suas risadas ecoarem em minha direção, enquanto poucos
olhares se mostram empáticos, exatamente como David e Helena, em minha frente.
Meus pensamentos estavam longe demais para notar palavras de um garoto idiota
em busca de atenção, mas não posso negar meu constrangimento, principalmente
por ter pessoas em minha volta, encarando-me.
—
Não ligue para ele — diz Helena, sem tanta animação assim. — É apenas um idiota.
Como
se tivesse lido minha mente.
—
Vocês sabiam que um grupo de orcas já fizeram bulling com uma baleia-azul? — pergunta David, encarando o prato em
sua mesa, vazio. — Agora sabemos quem representa o lado das orcas e baleias na
escola.
Helena
suspira, revirando os olhos.
— Tenho certeza que essa
informação mudará o mundo, senhor David — ironiza ela. — E eu jamais ficaria do
lado das baleias. Golfinhos sempre serão mais inteligentes.
David faz um som com a
garganta, como se achasse graça. Ergue a cabeça.
— Como se você pudesse
ser um golfinho — diz ele. — Está mais para um peixe-gota.
Helena franze o cenho,
desentendida.
— Não faço ideia do que
está falando, garoto. Mas sei que você seria um ótimo peixe-palhaço. Sua cara
diz tudo.
— Até que não seria ruim.
Quem sabe assim alguém me procuraria.
Não consigo permanecer
sério por muito tempo e deixo um sorriso surgir. Eu sei muito bem que eu não
deveria ter motivos para frustrações ou arrependimentos. Moro em uma bela casa,
com uma incrível mãe e tenho grandes amigos. Mas por alguma razão, sinto que
não é o suficiente. Durmo com vontade de viver uma aventura e acordo com
vontade de dormir para sempre. É um ciclo, que sempre se repete. Medo,
angústia, sofrimento e dor. Onde está o momento de felicidade? Por que não
consigo perceber em minha vida? Será que sou tão ingrato e egocêntrico ao ponto
de não notar o lado bom da vida?
— Segura essa, Forrest
Gump! — grita Mike. Antes que eu possa me virar, sinto algo atingir minhas
costas. Molhado e pegajoso. — Está vendo? Até a bolinha é mais firme que você!
Uma bolinha de papel, que
escorre em minhas costas e cai no chão. Muitas pessoas em volta se mostram
surpresas, curiosas até, encarando tanto minha expressão de nojo quanto o
sorriso aberto de Mike.
Helena se levanta
imediatamente, bufando como um touro. Bate com as duas mãos na mesa, quase
derrubando o prato de David. Penso em segurá-la, mas não tenho forças para
isso. Estou constrangido demais. Minha camisa está molhada, posso sentir.
Olhares me deixam apreensivo e envergonhado. Minhas pernas tremem.
Respire
fundo.
Não funciona.
Um.
Dois.
Três.
Inspiro e expiro. Helena
dá um primeiro passo. Todo o refeitório parece assistir a cena. Dois, três,
quatro passos. Aproxima-se do garoto rechonchudo, que já não está sorrindo.
— Veio defender seu
amiguinho problemático, é? — parece se divertir, olhando em volta, esperando
risos. O que não acontece.
Helena não o responde. Em
um rápido movimento, mantendo palma da mão aberta, acerta o rosto de Mike. Um
estalo repercute para todos os alunos presentes. Tenho certeza que aquelas
bochechas ficarão ainda mais vermelhas do que já são.
Sem dizer uma palavra,
Helena gira sobre os calcanhares e volta para o seu lugar, sentando-se. Coloca
uma mecha do cabelo atrás da orelha e suspira. Engulo em seco, sem saber o que
fazer. Por mais que seja uma garota de língua afiada, nunca pensei que poderia
bater em um garoto. Principalmente Mike.
Instantes depois, de
forma inesperada, palmas surgem, seguido por gritos e assobios. David e Helena
parecem não entender. Mike esfrega uma das bochechas, mantendo um olhar enraivecido
em minha direção.
— Toma essa, otário! — grita
alguém.
— Bem feito, babaca! —
outro grito surge no ar.
Helena tenta segurar o
riso, mas não consegue. David também entra no jogo e abre seu largo sorriso.
Batemos palmas e assobiamos. Mike parece ainda mais enfurecido. Em poucos
segundos ele sai do refeitório.
Helena está tão
envergonhada quanto eu. Provavelmente não esperava palmas, tampouco assobios.
David agita seu ombro, de um lado para o outro. Por mais que odeia quem toque
em seu corpo, parece não se importar com isso. Suas bochechas estão vermelhas,
como se ela tivesse levado um tapa.
— O que está acontecendo
aqui? — surge uma voz, interrompendo todo alvoroço.
Alguns cozinheiros e
zeladores entram no refeitório, para entender o que acabou de acontecer e o que
causou tanto barulho. Até mesmo o diretor aparece, curioso, com olhar franzido.
Ajeita o cinto em sua calça e coloca os óculos de volta na parte alta do nariz.
Ninguém diz absolutamente
nada.
O diretor olha de um lado
para o outro. Tudo está silencioso, como se nada tivesse acontecido. Sem
respostas, ele gira o corpo e caminha para fora do refeitório.
— Parece que alguém teve
seu momento de fama — sussurra David, que logo ganha um soco de Helena, acertando-o
no ombro.
— Cala boca, idiota —
rebate ela.
Logo o refeitório se
encontra vazio. Espero todo mundo deixar o local para eu possa me levantar e me
retirar; exatamente como estou acostumado. Eu deveria sentir alívio ou animação
por Mike ter levado um tapa de Helena, mas não é o caso. Já assisti filmes o
suficiente para saber que o valentão sempre volta para assombrar o garoto
amedrontado. E, conhecendo bem Mike e o quão enfurecido pode ficar, além de ter
o seu ego ferido, certamente virá atrás de mim em algum momento. Não me sinto
bem; se é que eu deveria me sentir. Tenho medo.
Na volta para sala tudo
seguiu de forma natural. Corredores vazios e alunos sentados em salas de aulas.
Sala A, sala B, sala C, sala de música...
Sala de música não está
tão vazia como costuma ficar. Recuo meus passos, admirado pelo som instrumental
que ecoa de forma abafada. De uma pequena janela eu observo, um violino, sendo
tocado por uma garota.
— Caio? — David me chama
Apesar de errar algumas notas,
parece saber tocar de forma convincente. O arco mantém uma trajetória, para
frente e para trás, em um ritmo lento. A garota está com os olhos fechados,
como se quisesse presenciar a melodia em seu coração.
— Essa não é... Qual o
nome dela?
— Maia, sim — respondo,
engolindo em seco.
— Uau — sussurra David.
“The
Scientist”, uma de minhas músicas favoritas. Sinto
vontade de fechar os olhos e me deixar levar, ainda que o som continue abafado
e distante. Mas também quero continuar encarando suas mãos delicadas, cabelo
colorido, gestos simples e expressão de prazer. Uma graciosidade jamais vista,
posso imaginar.
— Já estamos atrasados,
Caio — escuto Helena me alertar, em tom baixo.
— Só mais um pouco —
digo.
Por
que ninguém está por perto? Penso, percebendo que
nenhum professor está auxiliando Maia em seus erros e acertos. Provável que seja um prodígio.
A música está acabando. O
arco desliza de forma ainda mais suave do que minutos atrás. Maia por fim abre
os olhos. Está sorrindo. Satisfeita. Seu olhar percorre até onde estou, de
forma um tanto quanto involuntária, eu diria. Vejo espanto em seu rosto.
Me abaixo rapidamente.
Merda,
merda, merda.
— Será que ela me viu? —
pergunto. Meu coração bate forte.
— Eu disse para irmos
embora, idiota — sussurra Helena.
— Claro que te ela viu,
cabeça de tubarão — responde David.
Helena segura em meu
braço e me faz levantar. Caminhamos de volta para sala, mantendo passos
ligeiros. Escutou barulho de porta se abrindo. Dou uma última olhadela para
trás.
Maia me encara, ainda surpresa.
Helena me puxa ainda mais
forte e me obriga acompanhar seus passos.
Eu obedeço.
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Atualizado até capítulo 31
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