Capítulo 14

— E aí, Caio! Por que está tão calado

assim, em? Um Tio Rex comeu sua língua, foi? — escuto Peter perguntar, seguido

por uma risada forçada.

Afasto meus pensamentos

distantes e me concentro no jogo, enquanto escuto risos em meu ouvido.

Embora eu esteja com os

olhos fixos sobre a TV mais à frente e um controle de videogame na mão, minha atenção

no jogo — Matando Dinossauros — não está devidamente precisa. Perdi mais

partidas do que consigo contar. Olhos de Aço está em primeiro lugar, na frente

de Black Jack e John. Peter em quarto e eu, em quinto; um feito raro, para ser

sincero. O pódio costuma ser meu lugar de destaque.

Mas, por alguma razão, o

jogo não está tão emocionante e cativante como costumava ser.

— Será que nosso querido

amigo está apaixonado, galera? — insiste Peter, com seu sarcasmo de sempre. —

Ou será que só está muito preocupado com o que pode acontecer?

— Não viaja, cara — digo,

esboçando um ligeiro sorriso. — Eu apenas não estou focado o suficiente. Como

podem ver, estou em quinto lugar.

— Deixa nosso amigo,

Peter — diz Black Jack. — Ele só está caidinho pela garota da escola. Não é

como se estivesse apaixonado.

— Não estou caidinho — me

sinto constrangido. — Só... Acho que ela seja uma garota interessante, é isso.

Vai dizer que vocês não conhecem pessoas interessantes?

Eu esperava que alguém

pudesse dizer algo, mas apenas o silêncio me faz companhia.

— Tudo bem, já entendi.

Mas não, não estou apaixonado. É como um filme que você gosta de assistir,

sabe? Você se sente bem e deseja que ele nunca acabe. Não é uma paixão.

— Que fofo, gente. O

pequeno Caio está mesmo apaixonado — Peter diminui o tom de voz e conversa como

se estivesse brincando com um cachorro que acabou de conhecer. — Não é

lindinho, gente? Uma gracinha ele.

Não tenho palavras para

respondê-lo. Eu já esperava por isso, para ser sincero. São os jogadores mais

previsíveis que alguém poderia ter como amigos.

— Vamos deixar o cara, galera

— pede John após longos segundos em silêncio, provavelmente notando minha

timidez.

Respiro aliviado.

— Obrigado, John! Viu?

Esse sim é um amigo! — agradeço, ajeitando meu corpo na cama.

— Até por que sabemos que

nunca devemos brincar com paixão alheia, não é mesmo? — completa ele.

Gargalhadas surgem em meu

ouvido.

— Tudo bem, já entendi.

Agora irão pegar no pé por causa dessa garota. Sem problema — solto um demorado

suspiro. — Só não esquece, Peter, que sua vó já pegou você no ato mais preservado

de um homem. Ou se esqueceu de quando me contou isso?

— Isso era segredo, seu

idiota! — rebate Peter, tão constrangido quanto eu fiquei minutos atrás.

Ondas de vaias ecoam pelo

ar, se transformando em risos.

Mas ainda não terminou.

— Se lembra, Black Jack,

quando me contou o verdadeiro motivo de esconder seu rosto?

— Caio...

— Ou você não quer que eu

conte sobre sua falta de sobrancelhas? — pergunto, abaixando de maneira

intencional meu tom de voz.

Será que estou indo longe

demais? Acho que não.

— Vou matar você, garoto!

— Black Jack parece mesmo nervoso.

— Quer dizer que Black

Jack na verdade é Black Sem Sobrancelha Jack? — Peter ri da própria piada;

sendo único, aliás.

— O que você está

falando, tarado de avó? — responde Black Jack.

— Não sou tarado de avó!

Ela apenas entrou no meu quarto enquanto eu estava sem cueca. Eu disse que era

segredo, Caio. Seu mané!

Sorrio. Não me sinto mais

constrangido. De alguma forma, contar segredos embaraçosos é uma grande forma

de aliviar toda tensão acumulada em seu corpo. Se bem que nunca fui bom em

manter tudo dentro de mim.

— Estou achando John

muito calado também. O que está acontecendo, micropênis? — pergunta Peter,

interrompendo o breve silêncio presente.

— Desde quando eu tenho

micropênis, seu idiota?

— Mas poderia ter, não é?

— Mas aí se trata de uma

mentira, seu imbecil. Só vale quando é uma verdade. Tipo quando sua vó precisou

de uma lupa para ver seu pênis — John gargalha, assim como Black Jack e eu.

— Muito engraçado, muito

engraçado. Nossa, estou morrendo de rir — Peter finge uma risada, enquanto

Olhos De Aço mata mais um dinossauro.

Realmente não foi uma boa

ideia contar sobre Maia para esse bando de idiotas, mas isso não faz diferença,

na verdade. Tenho certeza que todos esses garotos moram em estados diferentes,

longe demais para se preocupar com alguém como eu. Portanto, tudo não passa de

uma informação momentânea e passageira, capaz de arrancar risos e zombarias, exatamente

como ocorreu agora pouco. Peter é devagar demais para se lembrar de algo além

do jogo Matando Dinossauros. John e Black certamente possuem uma vida corrida e

agitada fora dos jogos, o que é um alívio.

Pelo visto eu sou o único

que se incomoda com opiniões e olhares alheios.

Olhos De Aço termina em

primeiro lugar, acabando com toda partida. Não tenho muito que fazer dentro

dessa casa. Todo esse silêncio, como se nem fantasmas estivessem presentes. Um

tédio absoluto, para ser sincero. O que me resta é manter minhas mãos

entrelaçadas atrás da cabeça, com um sorriso no rosto e memórias frescas na

mente, tendo cenas repetitivas. Maia e seu avental. Palavras diretas e

preocupadas. Senso de humor afiado. Não é como se ela fosse uma garota popular

que se preocupa com última tendência de moda, tampouco uma garota desleixada

que vaga pelos corredores da escola com os ombros curvados e olhar distante.

Acho que está mais para

uma adolescente bonita e misteriosa que não precisa de opinião alheia para ser

quem é. Eu gosto disso, mesmo não conseguindo seguir a risca esse pensamento.

Ainda sou um garoto amedrontado que espera o pior da vida, mas com esperança de

que tudo possa sair bem. Desejo profundamente que opostos possam se atrair.

Minha mãe entra no quarto.

Nem sequer escutei seus passos. Parece mesmo que virou uma regra ter que me

visitar sempre que chega do trabalho.

— Filho — me chama,

espreitando antes de caminhar em minha direção.

Ainda está com camisa e

calça branca, como se estivesse acabado de sair do consultório. Seu rosto está

levemente maquiado e borrado, como quem ficou tempo demais no sol.

Sento-me na cama,

recolhendo minhas pernas, deixando espaço para que ela possa se sentar também.

— Como está meu garoto

lindão, em? — ela pergunta.

— Mãe! — fecho meus olhos

por um rápido instante, constrangido. — Estou bem, obrigado. Mas não precisa me

chamar assim.

Ela sorri.

 — E como foi o trabalho hoje? Parece que se

divertiu tanto que até esqueceu de tirar o uniforme.

Ela olha para baixo.

— Sabe que nem notei —

murmura. — Mas o trabalho foi ótimo, na verdade. Alguns homens são realmente

bonitos.

— Mãe! — digo mais uma

vez. — O papai não vai gostar de saber disso.

— Quem disse que ele

precisa saber? — O sorriso se estende.

Gosto de vê minha mãe com

um sorriso no rosto, exibindo seus dentes perfeitos e reluzentes. Ela trabalha

mais do que deveria para manter essa casa de pé, o mínimo que merece é ter o

prazer de atender pessoas bonitas. Meu pai certamente iria entender essa

situação.

— E você, garotão? Sei

que não ficou em casa o dia todo, ou então esse sorriso não estaria aí, não é?

Me conta, o que aconteceu?

Ainda fico admirado como

ela me conhece tão bem.

Encaro seus olhos

castanhos antes de responder, sem deixar de sorrir. Por algum motivo, não

consigo contê-lo.

— Resumidamente? —

pergunto.

Ela nega.

— Tudo. Quero tudo —

ajeita o corpo na cama, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha.

Não me dou bem com palavras,

é verdade. Me sinto pressionado em ter que contar tudo rápido demais, temendo

que pessoas possam encarar meu rosto mais do que deveria e encontrar defeitos

escondido. Odeio que me encarem muito tempo. Há algum tempo, eu também me

sentia desconfortável em ter que encarar minha mãe nos olhos e contar algo de

rotineiro. Mas agora não tenho porque me esconder ou me envergonhar.

Conto detalhe por

detalhe. Desde quando Maia me chamou para um rápido encontro na lanchonete; eu

nervoso para encontrá-la; nossa rápida conversa e minha volta para casa, quando

avistei Bianca — minha vizinha — discutindo com namorado, olhando para mim com

desconfiança e ódio. Minha mãe escutou tudo em silêncio, sem me interromper, o

que me deu mais confiança e liberdade para contar tudo.

— Então... — ela pensa

por um segundo — foi um encontro? — pergunta, digerindo tudo o que contei.

— Não exatamente —

respondo. — Tudo aconteceu tão rápido, sabe? Eu cheguei, ela perguntou e eu fui

embora. Não foi um encontro. Mas... Sabe quando poucos minutos parece o

suficiente?

Merda.

Será que estou mesmo apaixonado?

Não. Claro que não. Eu só

me senti bem com ela.

— Meu filhinho está

apaixonado, é?

— Mãe! Não! — Novamente

me sinto envergonhado. — Ela é uma garota legal, só isso. Parece que não tem

medo ou vergonha de ser quem é, sabe? Admiro isso.

— E o que ela quis dizer

com Diário da Princesa?

— Espero que não seja

nada do que estou pensando. Não quero ter que caminhar em um shopping,

procurando por roupas adequadas, experimentando tudo que surgir pela frente

para me enquadrar em padrões sociais. Como acontece em filmes de mudanças

radicais, sabe? Quando o nerd se transforma em um popular que sempre sonhou.

— Bem... Você é o nerd

dessa história, certo?

— Eu... — dou um tempo

antes de responder. — Caramba, sim. Mas eu não quero ser popular e nem ficar

“bonito”... Meu Deus, então é mesmo isso? Ela vai mudar meu visual? Sério?

Escuto minha mãe

gargalhar.

— Então se prepare, pequeno

gafanhoto — diz ela, ainda rindo.

— Mãe!

Não tinha pensado no que

poderia acontecer, mas agora faz todo sentido. Maia quer que eu me transforme,

por isso disse Diário da Princesa. Eu serei Anne Hathaway dessa história, que se

transformará em uma Princesa.

Não preciso de mudanças

para um casamento. Não é como se eu fosse andar com Maia pela escola e mostrar

para todo mundo o quanto sou capaz de conquistar alguém. Será apenas um evento

passageiro, não um contrato vitalício.

Maia,

não faça o que estou pensando.

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