— E aí, Caio! Por que está tão calado
assim, em? Um Tio Rex comeu sua língua, foi? — escuto Peter perguntar, seguido
por uma risada forçada.
Afasto meus pensamentos
distantes e me concentro no jogo, enquanto escuto risos em meu ouvido.
Embora eu esteja com os
olhos fixos sobre a TV mais à frente e um controle de videogame na mão, minha atenção
no jogo — Matando Dinossauros — não está devidamente precisa. Perdi mais
partidas do que consigo contar. Olhos de Aço está em primeiro lugar, na frente
de Black Jack e John. Peter em quarto e eu, em quinto; um feito raro, para ser
sincero. O pódio costuma ser meu lugar de destaque.
Mas, por alguma razão, o
jogo não está tão emocionante e cativante como costumava ser.
— Será que nosso querido
amigo está apaixonado, galera? — insiste Peter, com seu sarcasmo de sempre. —
Ou será que só está muito preocupado com o que pode acontecer?
— Não viaja, cara — digo,
esboçando um ligeiro sorriso. — Eu apenas não estou focado o suficiente. Como
podem ver, estou em quinto lugar.
— Deixa nosso amigo,
Peter — diz Black Jack. — Ele só está caidinho pela garota da escola. Não é
como se estivesse apaixonado.
— Não estou caidinho — me
sinto constrangido. — Só... Acho que ela seja uma garota interessante, é isso.
Vai dizer que vocês não conhecem pessoas interessantes?
Eu esperava que alguém
pudesse dizer algo, mas apenas o silêncio me faz companhia.
— Tudo bem, já entendi.
Mas não, não estou apaixonado. É como um filme que você gosta de assistir,
sabe? Você se sente bem e deseja que ele nunca acabe. Não é uma paixão.
— Que fofo, gente. O
pequeno Caio está mesmo apaixonado — Peter diminui o tom de voz e conversa como
se estivesse brincando com um cachorro que acabou de conhecer. — Não é
lindinho, gente? Uma gracinha ele.
Não tenho palavras para
respondê-lo. Eu já esperava por isso, para ser sincero. São os jogadores mais
previsíveis que alguém poderia ter como amigos.
— Vamos deixar o cara, galera
— pede John após longos segundos em silêncio, provavelmente notando minha
timidez.
Respiro aliviado.
— Obrigado, John! Viu?
Esse sim é um amigo! — agradeço, ajeitando meu corpo na cama.
— Até por que sabemos que
nunca devemos brincar com paixão alheia, não é mesmo? — completa ele.
Gargalhadas surgem em meu
ouvido.
— Tudo bem, já entendi.
Agora irão pegar no pé por causa dessa garota. Sem problema — solto um demorado
suspiro. — Só não esquece, Peter, que sua vó já pegou você no ato mais preservado
de um homem. Ou se esqueceu de quando me contou isso?
— Isso era segredo, seu
idiota! — rebate Peter, tão constrangido quanto eu fiquei minutos atrás.
Ondas de vaias ecoam pelo
ar, se transformando em risos.
Mas ainda não terminou.
— Se lembra, Black Jack,
quando me contou o verdadeiro motivo de esconder seu rosto?
— Caio...
— Ou você não quer que eu
conte sobre sua falta de sobrancelhas? — pergunto, abaixando de maneira
intencional meu tom de voz.
Será que estou indo longe
demais? Acho que não.
— Vou matar você, garoto!
— Black Jack parece mesmo nervoso.
— Quer dizer que Black
Jack na verdade é Black Sem Sobrancelha Jack? — Peter ri da própria piada;
sendo único, aliás.
— O que você está
falando, tarado de avó? — responde Black Jack.
— Não sou tarado de avó!
Ela apenas entrou no meu quarto enquanto eu estava sem cueca. Eu disse que era
segredo, Caio. Seu mané!
Sorrio. Não me sinto mais
constrangido. De alguma forma, contar segredos embaraçosos é uma grande forma
de aliviar toda tensão acumulada em seu corpo. Se bem que nunca fui bom em
manter tudo dentro de mim.
— Estou achando John
muito calado também. O que está acontecendo, micropênis? — pergunta Peter,
interrompendo o breve silêncio presente.
— Desde quando eu tenho
micropênis, seu idiota?
— Mas poderia ter, não é?
— Mas aí se trata de uma
mentira, seu imbecil. Só vale quando é uma verdade. Tipo quando sua vó precisou
de uma lupa para ver seu pênis — John gargalha, assim como Black Jack e eu.
— Muito engraçado, muito
engraçado. Nossa, estou morrendo de rir — Peter finge uma risada, enquanto
Olhos De Aço mata mais um dinossauro.
Realmente não foi uma boa
ideia contar sobre Maia para esse bando de idiotas, mas isso não faz diferença,
na verdade. Tenho certeza que todos esses garotos moram em estados diferentes,
longe demais para se preocupar com alguém como eu. Portanto, tudo não passa de
uma informação momentânea e passageira, capaz de arrancar risos e zombarias, exatamente
como ocorreu agora pouco. Peter é devagar demais para se lembrar de algo além
do jogo Matando Dinossauros. John e Black certamente possuem uma vida corrida e
agitada fora dos jogos, o que é um alívio.
Pelo visto eu sou o único
que se incomoda com opiniões e olhares alheios.
Olhos De Aço termina em
primeiro lugar, acabando com toda partida. Não tenho muito que fazer dentro
dessa casa. Todo esse silêncio, como se nem fantasmas estivessem presentes. Um
tédio absoluto, para ser sincero. O que me resta é manter minhas mãos
entrelaçadas atrás da cabeça, com um sorriso no rosto e memórias frescas na
mente, tendo cenas repetitivas. Maia e seu avental. Palavras diretas e
preocupadas. Senso de humor afiado. Não é como se ela fosse uma garota popular
que se preocupa com última tendência de moda, tampouco uma garota desleixada
que vaga pelos corredores da escola com os ombros curvados e olhar distante.
Acho que está mais para
uma adolescente bonita e misteriosa que não precisa de opinião alheia para ser
quem é. Eu gosto disso, mesmo não conseguindo seguir a risca esse pensamento.
Ainda sou um garoto amedrontado que espera o pior da vida, mas com esperança de
que tudo possa sair bem. Desejo profundamente que opostos possam se atrair.
Minha mãe entra no quarto.
Nem sequer escutei seus passos. Parece mesmo que virou uma regra ter que me
visitar sempre que chega do trabalho.
— Filho — me chama,
espreitando antes de caminhar em minha direção.
Ainda está com camisa e
calça branca, como se estivesse acabado de sair do consultório. Seu rosto está
levemente maquiado e borrado, como quem ficou tempo demais no sol.
Sento-me na cama,
recolhendo minhas pernas, deixando espaço para que ela possa se sentar também.
— Como está meu garoto
lindão, em? — ela pergunta.
— Mãe! — fecho meus olhos
por um rápido instante, constrangido. — Estou bem, obrigado. Mas não precisa me
chamar assim.
Ela sorri.
— E como foi o trabalho hoje? Parece que se
divertiu tanto que até esqueceu de tirar o uniforme.
Ela olha para baixo.
— Sabe que nem notei —
murmura. — Mas o trabalho foi ótimo, na verdade. Alguns homens são realmente
bonitos.
— Mãe! — digo mais uma
vez. — O papai não vai gostar de saber disso.
— Quem disse que ele
precisa saber? — O sorriso se estende.
Gosto de vê minha mãe com
um sorriso no rosto, exibindo seus dentes perfeitos e reluzentes. Ela trabalha
mais do que deveria para manter essa casa de pé, o mínimo que merece é ter o
prazer de atender pessoas bonitas. Meu pai certamente iria entender essa
situação.
— E você, garotão? Sei
que não ficou em casa o dia todo, ou então esse sorriso não estaria aí, não é?
Me conta, o que aconteceu?
Ainda fico admirado como
ela me conhece tão bem.
Encaro seus olhos
castanhos antes de responder, sem deixar de sorrir. Por algum motivo, não
consigo contê-lo.
— Resumidamente? —
pergunto.
Ela nega.
— Tudo. Quero tudo —
ajeita o corpo na cama, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha.
Não me dou bem com palavras,
é verdade. Me sinto pressionado em ter que contar tudo rápido demais, temendo
que pessoas possam encarar meu rosto mais do que deveria e encontrar defeitos
escondido. Odeio que me encarem muito tempo. Há algum tempo, eu também me
sentia desconfortável em ter que encarar minha mãe nos olhos e contar algo de
rotineiro. Mas agora não tenho porque me esconder ou me envergonhar.
Conto detalhe por
detalhe. Desde quando Maia me chamou para um rápido encontro na lanchonete; eu
nervoso para encontrá-la; nossa rápida conversa e minha volta para casa, quando
avistei Bianca — minha vizinha — discutindo com namorado, olhando para mim com
desconfiança e ódio. Minha mãe escutou tudo em silêncio, sem me interromper, o
que me deu mais confiança e liberdade para contar tudo.
— Então... — ela pensa
por um segundo — foi um encontro? — pergunta, digerindo tudo o que contei.
— Não exatamente —
respondo. — Tudo aconteceu tão rápido, sabe? Eu cheguei, ela perguntou e eu fui
embora. Não foi um encontro. Mas... Sabe quando poucos minutos parece o
suficiente?
Merda.
Será que estou mesmo apaixonado?
Não. Claro que não. Eu só
me senti bem com ela.
— Meu filhinho está
apaixonado, é?
— Mãe! Não! — Novamente
me sinto envergonhado. — Ela é uma garota legal, só isso. Parece que não tem
medo ou vergonha de ser quem é, sabe? Admiro isso.
— E o que ela quis dizer
com Diário da Princesa?
— Espero que não seja
nada do que estou pensando. Não quero ter que caminhar em um shopping,
procurando por roupas adequadas, experimentando tudo que surgir pela frente
para me enquadrar em padrões sociais. Como acontece em filmes de mudanças
radicais, sabe? Quando o nerd se transforma em um popular que sempre sonhou.
— Bem... Você é o nerd
dessa história, certo?
— Eu... — dou um tempo
antes de responder. — Caramba, sim. Mas eu não quero ser popular e nem ficar
“bonito”... Meu Deus, então é mesmo isso? Ela vai mudar meu visual? Sério?
Escuto minha mãe
gargalhar.
— Então se prepare, pequeno
gafanhoto — diz ela, ainda rindo.
— Mãe!
Não tinha pensado no que
poderia acontecer, mas agora faz todo sentido. Maia quer que eu me transforme,
por isso disse Diário da Princesa. Eu serei Anne Hathaway dessa história, que se
transformará em uma Princesa.
Não preciso de mudanças
para um casamento. Não é como se eu fosse andar com Maia pela escola e mostrar
para todo mundo o quanto sou capaz de conquistar alguém. Será apenas um evento
passageiro, não um contrato vitalício.
Maia,
não faça o que estou pensando.
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Atualizado até capítulo 31
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