Capítulo 16

Uma simples pulga, contendo apenas quatro

milímetros de tamanho, consegue saltar até trinta centímetros de altura, ou

seja, 200 vezes mais longo do que o seu minúsculo corpo. Suas pernas traseiras

funcionam como molas, que ajuda no impulso, fazendo-a voar — literalmente —

pelos ares. Eu, nesse momento, só gostaria de poder pular o mais alto possível e

fugir de toda essa ansiedade que corrói meu corpo; exatamente como uma pulga.

Em poucos minutos, talvez

menos, Maia surgirá pela entrada do inferno e me levará para algum lugar, onde

me transformará em uma princesa. Confesso que não sinto minhas pernas da

maneira que eu gostaria. Estou suando mais do que deveria. Meu coração bate tão

forte que sinto que fugirá do meu peito em qualquer instante. Mas não posso

fugir agora. Não posso ser uma pulga e saltar para bem longe apenas porque

sinto medo.

— O medo não pode ser

maior do que sua capacidade, Caio. Se trata de um sentimento pavoroso, e não de

quem você realmente é — dizia minha antiga psicóloga.

David e Helena me

deixaram em completa solidão, alegando que eu precisava cuidar dessa situação

sozinho. Muitos dos alunos já retornaram para suas casas. Maia ainda não

apareceu, tendo alguns minutos de atrasos. Estou escondido atrás de uma árvore,

tanto para me proteger do sol, quanto das pessoas em volta. Cheiro de cigarro é

tão comum quanto do ar que eu respiro. Alguns adolescentes jogam fumaças para o

alto, como uma forma de alívio para o estresse do cotidiano. Conversam em

pequenos grupos isolados, praças públicas ou barzinhos, e sorriem com alguma

piada ruim, sempre com uma garrafa de vinho no chão e um maço de cigarros no

bolso.

Maia surge instantes

depois, quando me perco distraído, encarando um dos grupos de estudantes

sentados em bancos de madeira e conversando, deixando o tempo passar. Ela desce

os poucos degraus da entrada, olhando de um lado para o outro, como se quisesse

me encontrar. Está com fones de ouvido, cantarolando uma canção.

Respire

fundo.

Ela ainda não me

enxergou, e não posso dizer que estou confiante o bastante para sair de trás

dessa árvore e caminhar até ela. Raios solares atingem seu rosto, fazendo-a apertar

os olhos. Parece feliz, de certa forma. Sorridente. Não tenho certeza se eu

deveria surgir agora. Sou apenas um garoto tímido e amedrontado, que repete o

tempo todo o quão incapaz eu posso ser. Maia é diferente. Ela brilha. Não como

um vampiro ruim, mas como se nascesse para o sucesso. Como se os ponteiros da

vida girassem sempre ao seu favor. Parece movida pelo otimismo e compaixão, e

que nada poderia abalá-la. Não sou bom o bastante para alguém como ela.

Sou apenas...

— Caio! — Maia me chama,

girando todo o corpo em um rápido movimento. — Caio!

Devo ir embora? Ou ser

corajoso uma vez na vida e encará-la, ainda com medo?

— Caio! — grita meu nome

novamente.

Respiro fundo.

Não posso permanecer mais

tempo escondido, preciso ser um guerreiro destemido, assim como William Wallace já fora um dia. Inspiro

e expiro, soltando o ar lentamente. Ainda com medo e sentindo o coração martelar

no peito, saio de trás da árvore. Maia me observa, franzindo o cenho. Em

seguida, deixando-me aliviado, ela sorri. Aproximo-me.

— Brincando de

esconde-esconde, é? — tira o fone de ouvido, colocando uma mecha do cabelo

atrás da orelha.

Sorrio timidamente.

— Então, está pronto? —

ela pergunta, enrolando o fio e guardando o celular no bolso. — Digno de ser

uma princesa de respeito?

— Ou será um sapo de

respeito?

Ela sorri.

— Então está na hora

desse sapo se transformar em um príncipe, o que acha?

— Posso dizer não?

— Não — novamente exibe

seus dentes em um largo sorriso. — Anda logo! Temos um dia inteiro pela frente.

— Falando fofo desse

jeito é impossível recusar.

— Engraçadinho.

Caminhamos até o ponto de

ônibus, quase que em completo silêncio. Toda minha confiança que havia na

cafeteria, imaginando um mundo perfeito, simplesmente desapareceu. Palavras se

prendem em minha garganta. Maia se torna ainda mais interessante e cheia de

mistério quando observada de perto. Me sinto constrangido em ter que fazer

perguntas sobre sua vida; não quero ser um incômodo.

Mantenho minhas mãos

aquecidas nos bolsos da calça, encarando o chão sob meus pés.

Um

passo de cada vez. É o que tento repetir em minha mente.

— Onde estão seus amigos?

— pergunta Maia, em uma tentativa de quebrar o silêncio.

— Eles foram embora. —

respondo, tendo falhas em minha voz. Penso em dizer algo a mais, mas não

consigo. De fato minha garganta está presa.

— Aquela garota trabalha

no cinema, não é? Acho que já a vi por lá.

— Sim... É...

Merda,

o que está acontecendo comigo?

— E o outro amigo? — ela

pergunta.

— Nada. Eu acho.

— Olha, se você não

estiver à vontade com isso, podemos ir embora...

— Não! — ergo minha

cabeça, enxergando-a nos olhos pela primeira vez. — Não é isso. Bem... Não sei

como posso explicar...

— Então tente.

Engulo em seco,

respirando fundo. Concordo com um leve aceno de cabeça, voltando minha atenção

para o chão cimentado.

— Já se sentiu... Como

posso dizer... Deslocada? — pergunto.

— Depende. Uma vez eu

tive que fazer aula de dança para mostrar para o meu pai que não era o que eu

sabia fazer.

— Não é bem assim —

sorrio. — Sabe quando você se sente pequeno, quase como uma formiga, e parece

que em qualquer momento alguém poderá pisar em cima de você?

Maia pensa por algum

tempo.

— Não — deixa um sorriso

surgir.

— É como se você não

fizesse parte de tudo isso, sabe?

— Tudo isso?

— Sim. Todo esse

universo, na verdade. Veja você, por exemplo. É descolada e parece ter tanta

confiança que poderia desfilar em um evento de moda usando apenas o que está

vestindo agora. Parece... Que não se importa com o que pensam de você.

— Então é isso que está te

incomodando? Você não se sente bem comigo?

— Eu me sinto muito bem,

para ser sincero. Mas não somos do mesmo grupo, sabe? Eu sou... Apenas eu.

Percebo um ônibus se

aproximar.

— Eu também sou eu — Maia

sorri.

— Sim, e é por isso que

eu tenho medo.

Vejo que sua boca se

abre, mas nada diz. Subimos para o ônibus, seguindo para algum lugar.

— Mas isso não importa

muito, não é? — digo, sorrindo. Claramente eu estou mentindo, até porque eu

vejo importância. Muito. Mas não é motivo para mostrar indiferença. — Agora me

conta, para onde estamos indo?

— Um shopping, é claro.

Ou pelo menos foi assim que aprendi com filmes de princesas e namoros forjados.

Leve alguém para um shopping, experimente roupas e pronto, um princeso estará adequadamente vestido para

um casamento.

— Um princeso? — pergunto, achando graça. — Gostei dessa ideia. Melhor

do que princesa, claro.

— Mas não vai se animando

tanto, gafanhoto. Princesa ainda é seu número um.

— Fico feliz em saber.

Ela sorri.

O único shopping da

cidade não fica distante o bastante para colocarmos assuntos em dia — se é que

temos assuntos. Permaneço grande parte do percurso observando prédios e casas

passarem tão rápido que nem consigo enxergá-las direito. Maia mantém o celular

na mão, digitando compulsivamente, como minha irmã costumava fazer. Algumas

nuvens escuras se mostram presentes no céu, indicando que uma possível chuva

tomará conta da cidade.

Em menos dez minutos

descemos do ônibus. Uma quantidade surpreendente de pessoas se encontram

presentes no shopping. Sinto um frio em minha barriga só de me imaginar

entrando em uma loja e sendo observado por pessoas que não me conhecem.

— Bom... — Maia toma

minha frente, apressando os passos, e me encara, de cima para baixo. —

Precisamos de camisas novas, calças novas, sapatos novos, meias novas e... Um

corte de cabelo novo. Nada contra seu visual desleixado e bagunçado, até porque

pode ter certo charme nisso tudo, mas acho que está na hora de você mostrar

todo seu potencial, garoto.

— Charme, é?

— Certo charme, não disse

que parecia um ator de cinema.

— Mas não deixa de ser um

charme.

— Bom, se quiser

impressionar seu primo, então esse charme não será o suficiente.

— Espera... Como sabe que

quero impressionar meu primo? — pergunto.

— Um passarinho me

contou, pequeno gafanhoto. Mas isso não vem ao caso. O que precisamos agora é

de roupas novas e um estilo novo. Está pronto?

— Eu deveria?

Maia sorri. Segura em meu

pulso e me arrasta consigo, transitando por lojas e mais lojas do shopping. Por

algum motivo, provavelmente por estar sendo guiado por uma garota capaz de

arrancar olhares alheios, não me sinto constrangido. Tudo bem que não gosto de

entrar em lojas e ter que encarar vendedores que fazem de tudo para extrair meu

dinheiro. É um tanto quanto intimidador. Mas com Maia é diferente. Sinto que

ela está tomando conta da situação, e não preciso me preocupar com o que pensam

sobre mim nem julgamento superficial. Afinal, eu estou com uma garota. Uma

garota incrível.

— Vamos, achei uma camisa

que combinaria muito com você — ela diz, ainda segurando em meu pulso.

— Por que preciso de uma

camisa? Que eu saiba, usamos ternos em casamentos, não é?

Maia interrompe os

passos. Deixa de segurar em meu pulso e respira fundo, fitando-me nos olhos.

— Olha — ela suspira —,

parece que não ficou muito claro, então irei explicar. Não é justo você me dá

todo esse dinheiro apenas para eu te acompanhar em um casamento. Serão o que?

Três horas? Além do mais, não seria convincente, não é mesmo? Fala sério,

qualquer pessoa poderia notar que não teríamos intimidade se nunca tivéssemos

conversado antes.

— Então o que está

querendo dizer?

— Que precisamos ir além,

não acha? Não quero que se sinta forçado a fazer algo só porque eu quero.

Mas... Pensa só. O que me diz de sermos namorados de aluguel? Além do

casamento, é claro.

Não tenho certeza se a ouvi

corretamente.

Namoradosde aluguel?

— Então, o que me diz?

Prometo que não será nada de mais. Mas acho que seria uma forma de você tomar

confiança, sabe?

Dou um tempo antes de

responder. Minha mente trabalha rapidamente para juntar informações, mas que

não parece ser o suficiente.

— Temos todo tempo do

mundo, pode pensar o quanto quiser.

— Não é isso — fecho meus

olhos por um momento, constrangido. Sinto vontade de sorrir. — Mas... O que quer

dizer? Está falando sobre namoro que não existe? Do tipo... Sei lá, que anda

juntos pela escola, e passa uma informação que não corresponde com a realidade?

Maia concorda algumas

vezes com a cabeça, como se pensasse no caso.

— Sim, exatamente isso.

Se por acaso seu primo estiver em dúvida se somos namorados, testemunhas que

não vão faltar, não é?

Isso é muito mais do que

eu tinha em mente. Sair com Maia, como se fossemos namorados pela escola. É

tão...

— Incrível — sussurro.

— Como é?

— Aceito! — digo, não

contendo o sorriso no rosto. Meu primo não precisa saber se estou namorando ou

não, nem deve se importar, para ser sincero. Eu só precisava de um acompanhante.

Mas Maia não precisa saber, não é? — Perfeito. Vamos ser namorados de aluguel

então.

— Ótimo!

— Isso é mais do que

ótimo.

Não

precisa se empolgar, idiota.

— Deixa de ser bobo —

Maia me acerta com um leve soco, também exibindo seu sorriso. — Agora é melhor

apressarmos, temos mais roupas para escolhermos. Além do mais, precisamos

cortar esse seu cabelo.

— Você que manda,

senhorita.

Nem me importo com o fato

de cortar meu cabelo. Afinal, eu estou namorando com Maia.

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