Uma simples pulga, contendo apenas quatro
milímetros de tamanho, consegue saltar até trinta centímetros de altura, ou
seja, 200 vezes mais longo do que o seu minúsculo corpo. Suas pernas traseiras
funcionam como molas, que ajuda no impulso, fazendo-a voar — literalmente —
pelos ares. Eu, nesse momento, só gostaria de poder pular o mais alto possível e
fugir de toda essa ansiedade que corrói meu corpo; exatamente como uma pulga.
Em poucos minutos, talvez
menos, Maia surgirá pela entrada do inferno e me levará para algum lugar, onde
me transformará em uma princesa. Confesso que não sinto minhas pernas da
maneira que eu gostaria. Estou suando mais do que deveria. Meu coração bate tão
forte que sinto que fugirá do meu peito em qualquer instante. Mas não posso
fugir agora. Não posso ser uma pulga e saltar para bem longe apenas porque
sinto medo.
— O medo não pode ser
maior do que sua capacidade, Caio. Se trata de um sentimento pavoroso, e não de
quem você realmente é — dizia minha antiga psicóloga.
David e Helena me
deixaram em completa solidão, alegando que eu precisava cuidar dessa situação
sozinho. Muitos dos alunos já retornaram para suas casas. Maia ainda não
apareceu, tendo alguns minutos de atrasos. Estou escondido atrás de uma árvore,
tanto para me proteger do sol, quanto das pessoas em volta. Cheiro de cigarro é
tão comum quanto do ar que eu respiro. Alguns adolescentes jogam fumaças para o
alto, como uma forma de alívio para o estresse do cotidiano. Conversam em
pequenos grupos isolados, praças públicas ou barzinhos, e sorriem com alguma
piada ruim, sempre com uma garrafa de vinho no chão e um maço de cigarros no
bolso.
Maia surge instantes
depois, quando me perco distraído, encarando um dos grupos de estudantes
sentados em bancos de madeira e conversando, deixando o tempo passar. Ela desce
os poucos degraus da entrada, olhando de um lado para o outro, como se quisesse
me encontrar. Está com fones de ouvido, cantarolando uma canção.
Respire
fundo.
Ela ainda não me
enxergou, e não posso dizer que estou confiante o bastante para sair de trás
dessa árvore e caminhar até ela. Raios solares atingem seu rosto, fazendo-a apertar
os olhos. Parece feliz, de certa forma. Sorridente. Não tenho certeza se eu
deveria surgir agora. Sou apenas um garoto tímido e amedrontado, que repete o
tempo todo o quão incapaz eu posso ser. Maia é diferente. Ela brilha. Não como
um vampiro ruim, mas como se nascesse para o sucesso. Como se os ponteiros da
vida girassem sempre ao seu favor. Parece movida pelo otimismo e compaixão, e
que nada poderia abalá-la. Não sou bom o bastante para alguém como ela.
Sou apenas...
— Caio! — Maia me chama,
girando todo o corpo em um rápido movimento. — Caio!
Devo ir embora? Ou ser
corajoso uma vez na vida e encará-la, ainda com medo?
— Caio! — grita meu nome
novamente.
Respiro fundo.
Não posso permanecer mais
tempo escondido, preciso ser um guerreiro destemido, assim como William Wallace já fora um dia. Inspiro
e expiro, soltando o ar lentamente. Ainda com medo e sentindo o coração martelar
no peito, saio de trás da árvore. Maia me observa, franzindo o cenho. Em
seguida, deixando-me aliviado, ela sorri. Aproximo-me.
— Brincando de
esconde-esconde, é? — tira o fone de ouvido, colocando uma mecha do cabelo
atrás da orelha.
Sorrio timidamente.
— Então, está pronto? —
ela pergunta, enrolando o fio e guardando o celular no bolso. — Digno de ser
uma princesa de respeito?
— Ou será um sapo de
respeito?
Ela sorri.
— Então está na hora
desse sapo se transformar em um príncipe, o que acha?
— Posso dizer não?
— Não — novamente exibe
seus dentes em um largo sorriso. — Anda logo! Temos um dia inteiro pela frente.
— Falando fofo desse
jeito é impossível recusar.
— Engraçadinho.
Caminhamos até o ponto de
ônibus, quase que em completo silêncio. Toda minha confiança que havia na
cafeteria, imaginando um mundo perfeito, simplesmente desapareceu. Palavras se
prendem em minha garganta. Maia se torna ainda mais interessante e cheia de
mistério quando observada de perto. Me sinto constrangido em ter que fazer
perguntas sobre sua vida; não quero ser um incômodo.
Mantenho minhas mãos
aquecidas nos bolsos da calça, encarando o chão sob meus pés.
Um
passo de cada vez. É o que tento repetir em minha mente.
— Onde estão seus amigos?
— pergunta Maia, em uma tentativa de quebrar o silêncio.
— Eles foram embora. —
respondo, tendo falhas em minha voz. Penso em dizer algo a mais, mas não
consigo. De fato minha garganta está presa.
— Aquela garota trabalha
no cinema, não é? Acho que já a vi por lá.
— Sim... É...
Merda,
o que está acontecendo comigo?
— E o outro amigo? — ela
pergunta.
— Nada. Eu acho.
— Olha, se você não
estiver à vontade com isso, podemos ir embora...
— Não! — ergo minha
cabeça, enxergando-a nos olhos pela primeira vez. — Não é isso. Bem... Não sei
como posso explicar...
— Então tente.
Engulo em seco,
respirando fundo. Concordo com um leve aceno de cabeça, voltando minha atenção
para o chão cimentado.
— Já se sentiu... Como
posso dizer... Deslocada? — pergunto.
— Depende. Uma vez eu
tive que fazer aula de dança para mostrar para o meu pai que não era o que eu
sabia fazer.
— Não é bem assim —
sorrio. — Sabe quando você se sente pequeno, quase como uma formiga, e parece
que em qualquer momento alguém poderá pisar em cima de você?
Maia pensa por algum
tempo.
— Não — deixa um sorriso
surgir.
— É como se você não
fizesse parte de tudo isso, sabe?
— Tudo isso?
— Sim. Todo esse
universo, na verdade. Veja você, por exemplo. É descolada e parece ter tanta
confiança que poderia desfilar em um evento de moda usando apenas o que está
vestindo agora. Parece... Que não se importa com o que pensam de você.
— Então é isso que está te
incomodando? Você não se sente bem comigo?
— Eu me sinto muito bem,
para ser sincero. Mas não somos do mesmo grupo, sabe? Eu sou... Apenas eu.
Percebo um ônibus se
aproximar.
— Eu também sou eu — Maia
sorri.
— Sim, e é por isso que
eu tenho medo.
Vejo que sua boca se
abre, mas nada diz. Subimos para o ônibus, seguindo para algum lugar.
— Mas isso não importa
muito, não é? — digo, sorrindo. Claramente eu estou mentindo, até porque eu
vejo importância. Muito. Mas não é motivo para mostrar indiferença. — Agora me
conta, para onde estamos indo?
— Um shopping, é claro.
Ou pelo menos foi assim que aprendi com filmes de princesas e namoros forjados.
Leve alguém para um shopping, experimente roupas e pronto, um princeso estará adequadamente vestido para
um casamento.
— Um princeso? — pergunto, achando graça. — Gostei dessa ideia. Melhor
do que princesa, claro.
— Mas não vai se animando
tanto, gafanhoto. Princesa ainda é seu número um.
— Fico feliz em saber.
Ela sorri.
O único shopping da
cidade não fica distante o bastante para colocarmos assuntos em dia — se é que
temos assuntos. Permaneço grande parte do percurso observando prédios e casas
passarem tão rápido que nem consigo enxergá-las direito. Maia mantém o celular
na mão, digitando compulsivamente, como minha irmã costumava fazer. Algumas
nuvens escuras se mostram presentes no céu, indicando que uma possível chuva
tomará conta da cidade.
Em menos dez minutos
descemos do ônibus. Uma quantidade surpreendente de pessoas se encontram
presentes no shopping. Sinto um frio em minha barriga só de me imaginar
entrando em uma loja e sendo observado por pessoas que não me conhecem.
— Bom... — Maia toma
minha frente, apressando os passos, e me encara, de cima para baixo. —
Precisamos de camisas novas, calças novas, sapatos novos, meias novas e... Um
corte de cabelo novo. Nada contra seu visual desleixado e bagunçado, até porque
pode ter certo charme nisso tudo, mas acho que está na hora de você mostrar
todo seu potencial, garoto.
— Charme, é?
— Certo charme, não disse
que parecia um ator de cinema.
— Mas não deixa de ser um
charme.
— Bom, se quiser
impressionar seu primo, então esse charme não será o suficiente.
— Espera... Como sabe que
quero impressionar meu primo? — pergunto.
— Um passarinho me
contou, pequeno gafanhoto. Mas isso não vem ao caso. O que precisamos agora é
de roupas novas e um estilo novo. Está pronto?
— Eu deveria?
Maia sorri. Segura em meu
pulso e me arrasta consigo, transitando por lojas e mais lojas do shopping. Por
algum motivo, provavelmente por estar sendo guiado por uma garota capaz de
arrancar olhares alheios, não me sinto constrangido. Tudo bem que não gosto de
entrar em lojas e ter que encarar vendedores que fazem de tudo para extrair meu
dinheiro. É um tanto quanto intimidador. Mas com Maia é diferente. Sinto que
ela está tomando conta da situação, e não preciso me preocupar com o que pensam
sobre mim nem julgamento superficial. Afinal, eu estou com uma garota. Uma
garota incrível.
— Vamos, achei uma camisa
que combinaria muito com você — ela diz, ainda segurando em meu pulso.
— Por que preciso de uma
camisa? Que eu saiba, usamos ternos em casamentos, não é?
Maia interrompe os
passos. Deixa de segurar em meu pulso e respira fundo, fitando-me nos olhos.
— Olha — ela suspira —,
parece que não ficou muito claro, então irei explicar. Não é justo você me dá
todo esse dinheiro apenas para eu te acompanhar em um casamento. Serão o que?
Três horas? Além do mais, não seria convincente, não é mesmo? Fala sério,
qualquer pessoa poderia notar que não teríamos intimidade se nunca tivéssemos
conversado antes.
— Então o que está
querendo dizer?
— Que precisamos ir além,
não acha? Não quero que se sinta forçado a fazer algo só porque eu quero.
Mas... Pensa só. O que me diz de sermos namorados de aluguel? Além do
casamento, é claro.
Não tenho certeza se a ouvi
corretamente.
Namoradosde aluguel?
— Então, o que me diz?
Prometo que não será nada de mais. Mas acho que seria uma forma de você tomar
confiança, sabe?
Dou um tempo antes de
responder. Minha mente trabalha rapidamente para juntar informações, mas que
não parece ser o suficiente.
— Temos todo tempo do
mundo, pode pensar o quanto quiser.
— Não é isso — fecho meus
olhos por um momento, constrangido. Sinto vontade de sorrir. — Mas... O que quer
dizer? Está falando sobre namoro que não existe? Do tipo... Sei lá, que anda
juntos pela escola, e passa uma informação que não corresponde com a realidade?
Maia concorda algumas
vezes com a cabeça, como se pensasse no caso.
— Sim, exatamente isso.
Se por acaso seu primo estiver em dúvida se somos namorados, testemunhas que
não vão faltar, não é?
Isso é muito mais do que
eu tinha em mente. Sair com Maia, como se fossemos namorados pela escola. É
tão...
— Incrível — sussurro.
— Como é?
— Aceito! — digo, não
contendo o sorriso no rosto. Meu primo não precisa saber se estou namorando ou
não, nem deve se importar, para ser sincero. Eu só precisava de um acompanhante.
Mas Maia não precisa saber, não é? — Perfeito. Vamos ser namorados de aluguel
então.
— Ótimo!
— Isso é mais do que
ótimo.
Não
precisa se empolgar, idiota.
— Deixa de ser bobo —
Maia me acerta com um leve soco, também exibindo seu sorriso. — Agora é melhor
apressarmos, temos mais roupas para escolhermos. Além do mais, precisamos
cortar esse seu cabelo.
— Você que manda,
senhorita.
Nem me importo com o fato
de cortar meu cabelo. Afinal, eu estou namorando com Maia.
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Atualizado até capítulo 31
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