Menos de cinco minutos para o fim da aula.
Sinto minhas pernas tremerem em um ritmo acelerado; além de boca seca e nó na
garganta. Estou com medo, admito. E se tudo der errado? E se nenhuma garota
aparecer? E se Mike e seus amigos surgirem e estragarem toda seletiva?
Não
pense demais, idiota. Tudo ficará bem É só pensar que tudo ficará bem.
Inspiro e expiro.
David deixou milhares de
panfletos espalhados por várias partes da escola: banheiros, corredores,
refeitório e até salas de aulas, antes dos professores entrarem e o proibirem,
tirando-o dali. “Procura-se por uma namorada de aluguel, recompensa: R$ 1.000”.
Bem, não sei se é a melhor forma de atrair alguém, mas foi o que o amante de
baleias conseguiu produzir em uma noite.
Sinto David me cutucar em
um dos ombros. Estou pensativo demais e amedrontado demais para olhar agora.
Não quero virar para ele e descobrir que muitos alunos estão me encarando,
enxergando todo defeito em meu corpo. Respiro fundo. Menos de três minutos para
o sinal tocar. Mãos e pés estão suando frio. Terei que escolher alguém. Não
posso fazer isso. Ninguém vai aparecer, eu sinto. Serei conhecido como o idiota
sem aluguel.
Respire
fundo, vai ficar tudo bem.
Um...
Dois...
Três...
Inspiro e expiro.
O sinal surge. Algo se
aquece em meu peito. Meu coração bate forte.
David aperta meu ombro.
Alunos se levantam e saem da sala. Continuo sentado, respirando fundo. Não
funciona. O professor pega sua maleta e caminha para fora. Estou só, juntamente
com David e Helena, bem atrás de mim. Abaixo minha cabeça e fecho meus olhos. Imagino,
por um minuto, que tudo ficará bem. Irei caminhar pelo corredor, entrarei pela
porta da biblioteca e uma fila de garotas estará me esperando.
Sei que não funciona, mas
não custa tentar.
— Caio, está pronto? —
escuto Helena me perguntar. — Faz dez minutos que você está aí, refletindo.
Levanto minha cabeça. Engulo
em seco. Viro-me para encará-los.
David me lança um sorriso
sem graça. Retribuo. Abaixo meus olhos. Em um instante me coloco sobre meus
pés, pegando minha mochila do chão. Está pesada. Estou com medo. Muito medo. Só
quero correr para minha casa e fechar a porta do quarto. Fugir sempre parece a
melhor opção quando se está amedrontado.
— Pronto? — pergunta
Helena. Meus dois melhores amigos estão de pé, esperando minha confirmação.
Faço um simples movimento
com a cabeça, concordando. Caminho para fora da sala. Corredor vazio. Luz
forte. Suor escorre em minha testa. Menos de cinco metros para alcançar a
biblioteca. Não consigo pensar da melhor maneira possível. David e Helena
permanecem em silêncio. Vejo alguns dos panfletos pregados nas paredes dos
corredores. Meu rosto está com uma grande interrogação no meio, me escondendo.
Me aproximo. Escuto
sussurros.
Garotas?
Sinto dois tapinhas em
meu ombro. David.
Deu
certo?
Interrompo meus passos.
Não quero ser o primeiro. Enxergarão meu rosto amedrontado.
— Sabemos que tem alguém
ali — sussurra David. Ele toma minha frente. — Caio... — Vira o corpo em minha
direção, sem saber o que estará me esperando atrás daquela porta. —
Independente do que aconteça, se tiver cem ou nenhuma garota, quero que você
não se apavore, tudo bem? Sei que pode parecer o fim do mundo, quando algo não
sai conforme planejamos, mas não será isso que decidirá seu futuro e nem sua
vida, entendeu?
— Virou palestrante, baleinha? — pergunta Helena, me fazendo
sorrir por um momento. — Infelizmente eu terei que concordar com ele, Caio.
Ainda terá tempo para escolher alguém. Então, só aproveite.
Inspiro profundamente. Só aproveite...
Um passo, dois passos,
três passos. Entro na biblioteca. Helena e David apertam meu ombro. Me sinto
calmo, apesar de tudo. David sabe mesmo escolher palavras certas em momentos
certos. Não será uma simples escolha que definirá meu futuro.
Três garotas. Não era
exatamente o que eu esperava — na verdade eu não fazia ideia do que poderia
acontecer —, mas não é tão ruim quanto aparenta. Elas estão paradas, em uma
pequena fila, aguardando minha chegada. David e Helena se aproximam, enquanto
me escondo atrás deles, espreitando por uma pequena fresta. Reconheço Mônica,
uma garota de estatura baixa e cabelos longos. Lembro-me de tê-la vista
agredindo um garoto que aproveitou da oportunidade e beijou sua bochecha. Nunca
vi alguém tão raivosa antes.
— Estão aqui por causa do
anúncio? — David não precisou pensar duas vezes antes de perguntar. Confiança e
entusiasmo exalam de si.
— Desse anúncio? — Uma
das garotas ergue um dos panfletos feito por David.
— Exatamente desse
anúncio — responde, com uma risada forçada. Limpa a garganta. — Então, estão
prontas?
Elas não parecem
entender.
David gira o corpo em
minha direção.
— Como vai ser? —
sussurra. — Uma breve entrevista ou você consegue saber quem deveria levar? Eu
gostei da menina da direita, o cabelo cacheado me chamou atenção. — Faz um leve
movimento com a cabeça, indicando Mônica, a garota de cabelos cacheados e calça
justa, propositalmente rasgada na região da coxa.
Meus olhos passam por ela
por um rápido instante, antes de enxergar David novamente. Helena parece tão
perdida quanto essas garotas, com os braços cruzados e olhar distante.
— Acha que conseguiria
fazer uma entrevista? — pergunto.
— O que? — David deixa um
sorriso se abrir. — É claro que consigo fazer uma entrevista. Está falando com
David Jordan, meu caro amigo. Veja e aprenda.
Gira sobre os
calcanhares.
— Meninas, se preparem,
porque o show vai começar — diz ele, fazendo uma breve reverência.
Indicando uma mesa no fim
do corredor, David e Helena conduzem as garotas para lá, a fim de realizarem a
entrevista. Eu sigo logo atrás, temendo e suando frio. Um passo de cada vez, é o que eu tento dizer, mas cada minuto que
passa, eu sinto que algo irá comer todo meu estômago.
Três garotas sentadas,
com os dois dos meus melhores amigos por perto, observando-as.
— Então... — começa
David, após longos segundos em silêncio, estudando-as. — Primeiro, eu gostaria
de apresentar o anfitrião desta tarde. Caio, se aproxime.
Ainda com medo e
desesperado para fugir desse local, me aproximo. Elas enxergarão meu rosto e
saberão o quão assustado eu estou.
— Esse, senhoritas, é
Caio Benjamin, o garoto desconhecido por trás do misterioso retrato. Um jovem
de aparência singular, com um porte físico... — Me encara por um breve momento,
de cima a baixo — pouco invejável, como podem perceber, e com gostos
excêntricos por dinossauros.
David parece não notar,
mas Helena sim. Se eu soubesse atirar raio laser dos olhos, David certamente estaria
frito agora.
— Faremos uma breve
entrevista para descobrir quem de vocês, senhoritas esbeltas e de belezas exuberantes,
acompanhará esse jovem rapaz para um belíssimo casamento.
— O que? — Uma das
garotas, mantendo pernas cruzadas e olhar franzido, pergunta. Seu tom de voz
sai alto o bastante para que eu possa perceber desentendimento em sua pergunta.
— Um casamento? Achei que seria... Sei lá, sair com ele por uma noite?
— Bem... tecnicamente sim.
— David exibe seu largo sorriso. — Será por uma noite, mas dentro de um local
fechado e repleto de pessoas desconhecidas.
— Desculpe, rapaz de
aparência singular, ou sei lá o que diabos isso significa, mas estou fora.
Pensei que seria dinheiro fácil. — Termina em um sussurro, se levantando e
saindo da biblioteca, sem olhar para trás.
Um clima mórbido paira no
ar.
Nenhuma mosca foi ágil o
bastante para entrar na boca de David, no tanto que ela se mantém aberta por
demorados segundos. Helena está encostada em um canto, observando.
— Vocês estão de acordo?
— pergunta David por fim, afinando sua voz.
— Por mil reais? Sem
dúvida — Mônica deixa um sorriso surgir, enquanto ajeita o cabelo longo.
David vira o rosto em
minha direção. Engulo em seco. Duas garotas apenas, provavelmente estão aqui
por interesse. Não julgo, é uma boa grana, afinal de contas. E eu... Bem, sou
apenas um garoto de aparência singular, que se iludiu por um momento pensando que
alguma garota aparecia por querer sair comigo, e não simplesmente pelo
dinheiro.
Um sorriso repentino
surge em meu rosto. Coço minha cabeça. Apesar de tudo, estou acostumado com
rejeição.
David começa sua
entrevista. Perguntando nome, idade, filmes favoritos, séries e sonhos. Mônica
é uma garota um tanto quanto clichê, eu diria. Embora tenha um cabelo que se
destaca no meio de tantas pessoas, seu gosto por filmes e séries nada mais é do
que comédias românticas com finais felizes. Carla, uma garota de cabelo curto e
óculos grandes e arredondados, tem preferência por filmes horripilantes e
macabros, com sangue jorrando por toda parte. Porém, mesmo com beleza atraente
e gosto pouco tradicional, não é bem o que eu esperava. Fico feliz por ter que
escolher alguém, já que apareceram nessa misteriosa seletiva, mas não fizeram
meu coração se alegrar.
Helena observa distante,
escutando cada pergunta feita por David. Costuma selecionar bem. Quando criança,
brincando no quintal de sua casa, gostava de observar pássaros e cuidá-los
quando algumas de suas asas se machucavam. Hoje, embora tenha uma aparência
capaz de afastar pessoas e língua extremamente afiada, prefere observar
pessoas. Em raras ocasiões, onde revelou um pouco do seu sonho futuro, dizia se
tornar uma médica e ajudar pessoas que moram em áreas pouco desenvolvidas.
— Garotas, muito
obrigado. Tenho certeza que nosso amigo Caio fará uma escolha perfeita. — David
respira fundo e volta sua atenção para mim, após ficar mais de dez minutos
perguntando e escutando todo tipo de respostas possíveis.
Não sabia que seria uma
entrevista de emprego.
— Isso realmente foi um
saco. — Helena se aproxima. — Mas acho que Caio saberá o que fazer, não é?
Minha boca se abre, mas
logo ela se fecha. Não tenho respostas. Eu não estava prestando atenção o
suficiente para saber qual garota eu deveria levar. Carla me pareceu calma, mas
sua falta de ânimo e lentidão em cada resposta me incomodou em determinados
momentos. Provavelmente ficará com cara fechada durante todo o casamento, esperando
o dinheiro no dia seguinte. Diferente de Mônica, que contém entusiasmo em cada
palavra e sorriso estendido, sem medo de mostrar os dentes da boca. Porém, não
parece raciocinar corretamente, tendo dúvidas em muitas palavras e perguntas,
além da atenção exagerada no dinheiro, perguntando quando e como ela o
receberá.
Mas quem sou eu para
julgar? Um garoto amedrontado, ansioso, tímido, introvertido e totalmente
apavorado. Não estou em melhores condições de selecionar alguém. Elas são
bonitas, apesar de tudo. Isso eu não posso negar.
Helena caminha com passos
curtos até onde estou. Braços cruzados e olhar penetrante.
— Olha, eu sou suspeita
para falar, até porque não gostei de nenhuma dessas garotas, mas... Não sei,
não senti confiança, sabe? — sussurra em meu ouvido. — Uma é extremamente
confiante de si, como se o mundo girasse ao seu redor. E não podemos negar o
estranho fato de pensar tanto em dinheiro. A outra... Não sei, parece que vive
em um eterno velório. Acho que você terá problemas, amigo. — Apoia uma mão em
meu ombro.
Confirmo. Helena está
certa. Embora seja um casamento onde eu não me importe inteiramente, não é como
se eu quisesse levar qualquer pessoa.
— Então, Caio, o que vai
ser? Elas estão esperando — pergunta David, ansioso.
Encaro ambas as meninas
por um momento. Mônica exibe seu largo sorriso, ajeitando o cabelo de segundo
em segundo, enquanto Carla ergue uma das sobrancelhas, mantendo expressão séria
e sem entusiasmo. Desvio o olhar e miro o chão de cerâmicas brancas. Sinto
olhares em minha direção. Estou constrangido. Uma garota não irá gostar, pois
perderá a chance de ter mil reais. E não gosto de decepcionar pessoas.
Levanto minha cabeça.
Respiro fundo.
— Como vai ser, Caio? —
insiste David.
Não sei se foi melhor
opção, e certamente me odiarão por isso e serei tachado como um completo idiota,
mas eu giro sobre meus calcanhares e caminho para fora da biblioteca, sem dizer
absolutamente nada. Escuto David chamar meu nome, mas o ignoro completamente. Não
consigo enxergar perfeitamente e nem saber o caminho que estou tomando. Tudo se
torna um borrão sem sentindo e desfocado. Meus passos são apressados. Sinto que
alguém me segue, mas não olharei agora. Caminho por entre os corredores que
parecem não ter fim.
Merda,
merda, merda...
Coração apertado, lábios
secos e mente inquieta.
Minha cabeça está baixa,
o que me faz encarar apenas o chão sob meus pés. Ninguém parece estar presente.
Toda escola está vazia. Escuto meu nome sendo chamado, bem distante de onde
estou. Sinto meu peito se apertar.
Meu corpo se choca com
alguém. Não consigo reagir da maneira mais rápido possível e a derrubo no chão.
Merda!
— Ai! O que foi isso? —
grita. Uma garota.
— Eu... — Não sei o que
dizer. Meus lábios tremem. Minha boca se fecha.
Estou assustado e sentindo
dor no peito. Minha respiração está falha. Não consigo inspirar e expirar como
eu gostaria. Meus olhos se fecham. Escuto vozes. Sinto meu corpo tremer. Meu
coração bate forte. Muito forte. Acho que vou morrer.
— Me machucou! Olha por
onde anda, idiota! — grita ela.
— Caio! — Alguém chama
meu nome. David? Helena?
Não respondo. Não
consigo. Por quê?
Sinto minha cabeça girar.
Então tudo se apaga.
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Atualizado até capítulo 31
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