Capítulo 9

Menos de cinco minutos para o fim da aula.

Sinto minhas pernas tremerem em um ritmo acelerado; além de boca seca e nó na

garganta. Estou com medo, admito. E se tudo der errado? E se nenhuma garota

aparecer? E se Mike e seus amigos surgirem e estragarem toda seletiva?

Não

pense demais, idiota. Tudo ficará bem É só pensar que tudo ficará bem.

Inspiro e expiro.

David deixou milhares de

panfletos espalhados por várias partes da escola: banheiros, corredores,

refeitório e até salas de aulas, antes dos professores entrarem e o proibirem,

tirando-o dali. “Procura-se por uma namorada de aluguel, recompensa: R$ 1.000”.

Bem, não sei se é a melhor forma de atrair alguém, mas foi o que o amante de

baleias conseguiu produzir em uma noite.

Sinto David me cutucar em

um dos ombros. Estou pensativo demais e amedrontado demais para olhar agora.

Não quero virar para ele e descobrir que muitos alunos estão me encarando,

enxergando todo defeito em meu corpo. Respiro fundo. Menos de três minutos para

o sinal tocar. Mãos e pés estão suando frio. Terei que escolher alguém. Não

posso fazer isso. Ninguém vai aparecer, eu sinto. Serei conhecido como o idiota

sem aluguel.

Respire

fundo, vai ficar tudo bem.

Um...

Dois...

Três...

Inspiro e expiro.

O sinal surge. Algo se

aquece em meu peito. Meu coração bate forte.

David aperta meu ombro.

Alunos se levantam e saem da sala. Continuo sentado, respirando fundo. Não

funciona. O professor pega sua maleta e caminha para fora. Estou só, juntamente

com David e Helena, bem atrás de mim. Abaixo minha cabeça e fecho meus olhos. Imagino,

por um minuto, que tudo ficará bem. Irei caminhar pelo corredor, entrarei pela

porta da biblioteca e uma fila de garotas estará me esperando.

Sei que não funciona, mas

não custa tentar.

— Caio, está pronto? —

escuto Helena me perguntar. — Faz dez minutos que você está aí, refletindo.

Levanto minha cabeça. Engulo

em seco. Viro-me para encará-los.

David me lança um sorriso

sem graça. Retribuo. Abaixo meus olhos. Em um instante me coloco sobre meus

pés, pegando minha mochila do chão. Está pesada. Estou com medo. Muito medo. Só

quero correr para minha casa e fechar a porta do quarto. Fugir sempre parece a

melhor opção quando se está amedrontado.

— Pronto? — pergunta

Helena. Meus dois melhores amigos estão de pé, esperando minha confirmação.

Faço um simples movimento

com a cabeça, concordando. Caminho para fora da sala. Corredor vazio. Luz

forte. Suor escorre em minha testa. Menos de cinco metros para alcançar a

biblioteca. Não consigo pensar da melhor maneira possível. David e Helena

permanecem em silêncio. Vejo alguns dos panfletos pregados nas paredes dos

corredores. Meu rosto está com uma grande interrogação no meio, me escondendo.

Me aproximo. Escuto

sussurros.

Garotas?

Sinto dois tapinhas em

meu ombro. David.

Deu

certo?

Interrompo meus passos.

Não quero ser o primeiro. Enxergarão meu rosto amedrontado.

— Sabemos que tem alguém

ali — sussurra David. Ele toma minha frente. — Caio... — Vira o corpo em minha

direção, sem saber o que estará me esperando atrás daquela porta. —

Independente do que aconteça, se tiver cem ou nenhuma garota, quero que você

não se apavore, tudo bem? Sei que pode parecer o fim do mundo, quando algo não

sai conforme planejamos, mas não será isso que decidirá seu futuro e nem sua

vida, entendeu?

— Virou palestrante, baleinha? — pergunta Helena, me fazendo

sorrir por um momento. — Infelizmente eu terei que concordar com ele, Caio.

Ainda terá tempo para escolher alguém. Então, só aproveite.

Inspiro profundamente. Só aproveite...

Um passo, dois passos,

três passos. Entro na biblioteca. Helena e David apertam meu ombro. Me sinto

calmo, apesar de tudo. David sabe mesmo escolher palavras certas em momentos

certos. Não será uma simples escolha que definirá meu futuro.

Três garotas. Não era

exatamente o que eu esperava — na verdade eu não fazia ideia do que poderia

acontecer —, mas não é tão ruim quanto aparenta. Elas estão paradas, em uma

pequena fila, aguardando minha chegada. David e Helena se aproximam, enquanto

me escondo atrás deles, espreitando por uma pequena fresta. Reconheço Mônica,

uma garota de estatura baixa e cabelos longos. Lembro-me de tê-la vista

agredindo um garoto que aproveitou da oportunidade e beijou sua bochecha. Nunca

vi alguém tão raivosa antes.

— Estão aqui por causa do

anúncio? — David não precisou pensar duas vezes antes de perguntar. Confiança e

entusiasmo exalam de si.

— Desse anúncio? — Uma

das garotas ergue um dos panfletos feito por David.

— Exatamente desse

anúncio — responde, com uma risada forçada. Limpa a garganta. — Então, estão

prontas?

Elas não parecem

entender.

David gira o corpo em

minha direção.

— Como vai ser? —

sussurra. — Uma breve entrevista ou você consegue saber quem deveria levar? Eu

gostei da menina da direita, o cabelo cacheado me chamou atenção. — Faz um leve

movimento com a cabeça, indicando Mônica, a garota de cabelos cacheados e calça

justa, propositalmente rasgada na região da coxa.

Meus olhos passam por ela

por um rápido instante, antes de enxergar David novamente. Helena parece tão

perdida quanto essas garotas, com os braços cruzados e olhar distante.

— Acha que conseguiria

fazer uma entrevista? — pergunto.

— O que? — David deixa um

sorriso se abrir. — É claro que consigo fazer uma entrevista. Está falando com

David Jordan, meu caro amigo. Veja e aprenda.

Gira sobre os

calcanhares.

— Meninas, se preparem,

porque o show vai começar — diz ele, fazendo uma breve reverência.

Indicando uma mesa no fim

do corredor, David e Helena conduzem as garotas para lá, a fim de realizarem a

entrevista. Eu sigo logo atrás, temendo e suando frio. Um passo de cada vez, é o que eu tento dizer, mas cada minuto que

passa, eu sinto que algo irá comer todo meu estômago.

Três garotas sentadas,

com os dois dos meus melhores amigos por perto, observando-as.

— Então... — começa

David, após longos segundos em silêncio, estudando-as. — Primeiro, eu gostaria

de apresentar o anfitrião desta tarde. Caio, se aproxime.

Ainda com medo e

desesperado para fugir desse local, me aproximo. Elas enxergarão meu rosto e

saberão o quão assustado eu estou.

— Esse, senhoritas, é

Caio Benjamin, o garoto desconhecido por trás do misterioso retrato. Um jovem

de aparência singular, com um porte físico... — Me encara por um breve momento,

de cima a baixo — pouco invejável, como podem perceber, e com gostos

excêntricos por dinossauros.

David parece não notar,

mas Helena sim. Se eu soubesse atirar raio laser dos olhos, David certamente estaria

frito agora.

— Faremos uma breve

entrevista para descobrir quem de vocês, senhoritas esbeltas e de belezas exuberantes,

acompanhará esse jovem rapaz para um belíssimo casamento.

— O que? — Uma das

garotas, mantendo pernas cruzadas e olhar franzido, pergunta. Seu tom de voz

sai alto o bastante para que eu possa perceber desentendimento em sua pergunta.

— Um casamento? Achei que seria... Sei lá, sair com ele por uma noite?

— Bem... tecnicamente sim.

— David exibe seu largo sorriso. — Será por uma noite, mas dentro de um local

fechado e repleto de pessoas desconhecidas.

— Desculpe, rapaz de

aparência singular, ou sei lá o que diabos isso significa, mas estou fora.

Pensei que seria dinheiro fácil. — Termina em um sussurro, se levantando e

saindo da biblioteca, sem olhar para trás.

Um clima mórbido paira no

ar.

Nenhuma mosca foi ágil o

bastante para entrar na boca de David, no tanto que ela se mantém aberta por

demorados segundos. Helena está encostada em um canto, observando.

— Vocês estão de acordo?

— pergunta David por fim, afinando sua voz.

— Por mil reais? Sem

dúvida — Mônica deixa um sorriso surgir, enquanto ajeita o cabelo longo.

David vira o rosto em

minha direção. Engulo em seco. Duas garotas apenas, provavelmente estão aqui

por interesse. Não julgo, é uma boa grana, afinal de contas. E eu... Bem, sou

apenas um garoto de aparência singular, que se iludiu por um momento pensando que

alguma garota aparecia por querer sair comigo, e não simplesmente pelo

dinheiro.

Um sorriso repentino

surge em meu rosto. Coço minha cabeça. Apesar de tudo, estou acostumado com

rejeição.

David começa sua

entrevista. Perguntando nome, idade, filmes favoritos, séries e sonhos. Mônica

é uma garota um tanto quanto clichê, eu diria. Embora tenha um cabelo que se

destaca no meio de tantas pessoas, seu gosto por filmes e séries nada mais é do

que comédias românticas com finais felizes. Carla, uma garota de cabelo curto e

óculos grandes e arredondados, tem preferência por filmes horripilantes e

macabros, com sangue jorrando por toda parte. Porém, mesmo com beleza atraente

e gosto pouco tradicional, não é bem o que eu esperava. Fico feliz por ter que

escolher alguém, já que apareceram nessa misteriosa seletiva, mas não fizeram

meu coração se alegrar.

Helena observa distante,

escutando cada pergunta feita por David. Costuma selecionar bem. Quando criança,

brincando no quintal de sua casa, gostava de observar pássaros e cuidá-los

quando algumas de suas asas se machucavam. Hoje, embora tenha uma aparência

capaz de afastar pessoas e língua extremamente afiada, prefere observar

pessoas. Em raras ocasiões, onde revelou um pouco do seu sonho futuro, dizia se

tornar uma médica e ajudar pessoas que moram em áreas pouco desenvolvidas.

— Garotas, muito

obrigado. Tenho certeza que nosso amigo Caio fará uma escolha perfeita. — David

respira fundo e volta sua atenção para mim, após ficar mais de dez minutos

perguntando e escutando todo tipo de respostas possíveis.

Não sabia que seria uma

entrevista de emprego.

— Isso realmente foi um

saco. — Helena se aproxima. — Mas acho que Caio saberá o que fazer, não é?

Minha boca se abre, mas

logo ela se fecha. Não tenho respostas. Eu não estava prestando atenção o

suficiente para saber qual garota eu deveria levar. Carla me pareceu calma, mas

sua falta de ânimo e lentidão em cada resposta me incomodou em determinados

momentos. Provavelmente ficará com cara fechada durante todo o casamento, esperando

o dinheiro no dia seguinte. Diferente de Mônica, que contém entusiasmo em cada

palavra e sorriso estendido, sem medo de mostrar os dentes da boca. Porém, não

parece raciocinar corretamente, tendo dúvidas em muitas palavras e perguntas,

além da atenção exagerada no dinheiro, perguntando quando e como ela o

receberá.

Mas quem sou eu para

julgar? Um garoto amedrontado, ansioso, tímido, introvertido e totalmente

apavorado. Não estou em melhores condições de selecionar alguém. Elas são

bonitas, apesar de tudo. Isso eu não posso negar.

Helena caminha com passos

curtos até onde estou. Braços cruzados e olhar penetrante.

— Olha, eu sou suspeita

para falar, até porque não gostei de nenhuma dessas garotas, mas... Não sei,

não senti confiança, sabe? — sussurra em meu ouvido. — Uma é extremamente

confiante de si, como se o mundo girasse ao seu redor. E não podemos negar o

estranho fato de pensar tanto em dinheiro. A outra... Não sei, parece que vive

em um eterno velório. Acho que você terá problemas, amigo. — Apoia uma mão em

meu ombro.

Confirmo. Helena está

certa. Embora seja um casamento onde eu não me importe inteiramente, não é como

se eu quisesse levar qualquer pessoa.

— Então, Caio, o que vai

ser? Elas estão esperando — pergunta David, ansioso.

Encaro ambas as meninas

por um momento. Mônica exibe seu largo sorriso, ajeitando o cabelo de segundo

em segundo, enquanto Carla ergue uma das sobrancelhas, mantendo expressão séria

e sem entusiasmo. Desvio o olhar e miro o chão de cerâmicas brancas. Sinto

olhares em minha direção. Estou constrangido. Uma garota não irá gostar, pois

perderá a chance de ter mil reais. E não gosto de decepcionar pessoas.

Levanto minha cabeça.

Respiro fundo.

— Como vai ser, Caio? —

insiste David.

Não sei se foi melhor

opção, e certamente me odiarão por isso e serei tachado como um completo idiota,

mas eu giro sobre meus calcanhares e caminho para fora da biblioteca, sem dizer

absolutamente nada. Escuto David chamar meu nome, mas o ignoro completamente. Não

consigo enxergar perfeitamente e nem saber o caminho que estou tomando. Tudo se

torna um borrão sem sentindo e desfocado. Meus passos são apressados. Sinto que

alguém me segue, mas não olharei agora. Caminho por entre os corredores que

parecem não ter fim.

Merda,

merda, merda...

Coração apertado, lábios

secos e mente inquieta.

Minha cabeça está baixa,

o que me faz encarar apenas o chão sob meus pés. Ninguém parece estar presente.

Toda escola está vazia. Escuto meu nome sendo chamado, bem distante de onde

estou. Sinto meu peito se apertar.

Meu corpo se choca com

alguém. Não consigo reagir da maneira mais rápido possível e a derrubo no chão.

Merda!

— Ai! O que foi isso? —

grita. Uma garota.

— Eu... — Não sei o que

dizer. Meus lábios tremem. Minha boca se fecha.

Estou assustado e sentindo

dor no peito. Minha respiração está falha. Não consigo inspirar e expirar como

eu gostaria. Meus olhos se fecham. Escuto vozes. Sinto meu corpo tremer. Meu

coração bate forte. Muito forte. Acho que vou morrer.

— Me machucou! Olha por

onde anda, idiota! — grita ela.

— Caio! — Alguém chama

meu nome. David? Helena?

Não respondo. Não

consigo. Por quê?

Sinto minha cabeça girar.

Então tudo se apaga.

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