Capítulo 10

— Caio? Está me ouvindo?

Sim,

estou te ouvindo. É o que eu deveria dizer, mas palavra

nenhuma sai da minha boca. Sinto gosto ruim na língua. Por que minha cabeça dói

tanto? Assim como o desfocar de uma lente fotográfica, meus olhos, lentamente,

se abrem. Um forte clarão me impossibilita de mantê-los abertos por muito tempo.

Pisco duas vezes. Vejo rostos. Um, dois, três, quatro pessoas em volta. Ou

serão cinco?

Fecho meus olhos mais uma

vez.

— Caio? — uma voz

feminina ecoa em minha direção. — Está tudo bem?

Sinto alguém tocar meu

pulso. Um cheiro familiar surge no ar.

Eu

desmaiei?

— Ele está vivo, galera — David. Reconheço sua voz firme e

aguda.

Dedos seguram em meu

pulso e me erguem, fazendo-me sentar.

— O que houve? —

pergunto, esfregando minhas têmporas.

David, Helena, Mônica e

Carla. Quatro rostos familiares me cercam. David está agachado, sorrindo e segurando

em meu pulso. Helena de pé, fitando-me nos olhos e mantendo braços cruzados.

Mônica e Carla do lado, curiosas. E...

— Quem é essa? — minha

pergunta sai baixo o suficiente para eu duvidar se realmente entenderam. Minha

garganta está seca. — Quanto tempo eu fiquei no chão?

— Dois minutos? —

responde Helena.

Dois

minutos?

Sorrio. Coloco-me de pé,

ainda que atordoado. Sinto um caroço em minha nuca, provavelmente por culpa do

tombo que levei. Não havia desmaiado desde muito tempo, quando ainda era um

garoto que sofria fortemente de crises de ansiedade e síndrome do pânico.

Pensando bem, parece que

ainda sou esse garoto.

Vejo um rosto pouco

familiar em minha frente. Olhos verdes e piercing no nariz. Cabelo curto, chegando até altura dos ombros; além de mechas azuis.

Por algum motivo, que eu ainda não consigo lembrar, eu conheço essa garota.

— Parece que você perdeu

mesmo a visão, não foi? — pergunta ela, em um frágil sussurro.

Agora eu me lembro. Ainda

assim, sem saber o que dizer, permaneço em silêncio. Recordo-me de caminhar apressadamente

e trombar em seu corpo, exatamente como ocorreu dois minutos atrás. Eu estava

com medo, havia deixado um professor desentendido em sua sala, e então, perdido

e sem direção, me choquei com toda força contra essa menina de olhos claros.

Ela me xingou e eu simplesmente ignorei.

Sempre serei um garoto amedrontado.

— Ele é mudo? — pergunta

novamente, franzindo os cenhos.

— Caio? Está tudo bem com

você? — sinto os dedos de David em minha testa, como se quisesse medir minha

temperatura. Por que não consigo respondê-lo? O que está acontecendo?

Uma mão alcança meu

ombro.

— Caio? — Helena. — Você está bem?

Não pode ser. Não agora.

É apenas uma garota. Uma garota que me rejeitará sem hesitar, como aconteceu

durante todos esses anos. Não posso confiar nas reações do meu corpo.

Balanço minha cabeça,

afastando, ou tentando, toda ideia confusa em minha mente.

— Sim, estou bem —

respondo, engolindo em seco. — Caio, prazer.

Enxergo seus olhos mais

uma vez.

— Maia — responde ela.

Não afasto o olhar e nem encaro outro ponto distante. Não me sinto

constrangido. — Parece que você gosta mesmo de me acertar, não é?

Demoro poucos segundos

para entender e sorrir.

— Peço desculpas — digo.

Deslizo meu dedo sobre o caroço em minha nuca. Parece que ficou maior. — Eu...

Bem... Sinto muito. Desculpe.

Sou

um idiota.

— Então era você? — Maia

ergue uma das mãos, revelando um pequeno panfleto, o mesmo feito por David.

— Sim... Quer dizer, tecnicamente

sim. Sou eu — sorrio timidamente. — Por acaso você...

Estava

a caminho da biblioteca?

Não consigo terminar, me

sinto constrangido demais em perguntar.

— É. Bom, não sei

exatamente. Talvez sim, talvez não — responde ela, sabendo perfeitamente o

sentido da minha pergunta. Gosto de seu tom de voz, agudo e apressado. — No

meio da dúvida, minha mãe diz que o melhor é não fazer. Mas não posso culpá-la,

sempre fugiu dos problemas antes.

Silêncio.

Vejo vazio em seu olhar,

ou será cansaço? Não sei. Nenhum sorriso surge em minha direção. Ela suspira.

Coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha, mordendo o lábio inferior. Um fino

colar está em volta de seu pescoço, com uma pequena pedra esverdeada no centro.

— Então... — começa

David, interrompendo o breve silêncio presente. — Gostei dessa interação, entre

vocês dois, claro, mas... Caio, você desmaiou, está tudo bem mesmo? Parece que

ainda está meio idiota.

— Eu concordo com ele — afirma

Helena.

— Eu também — diz Mônica,

tendo suas primeiras palavras após meu desmaio. Havia esquecido o quanto sua

voz me deixa irritado. — Você parece um pouco vesgo, sabe?

Esfrego meus olhos.

— Não, eu estou bem.

Só... Bem... Eu desmaiei, não é? Acontece — deixo um sorriso escapar.

— Está tentando passar

confiança para alguém? — pergunta David.

— O que? Não. Por quê?

— Está sorrindo feito uma

baleia-piloto e até agora não deixou de encarar essa menina. Nunca vi você

olhar tanto nos olhos de alguém antes. Está tudo bem? — por um rápido momento,

talvez mais, sinto vontade de socar David.

Mas infelizmente ele tem

razão. Não havia notado, ou não queria notar, mas já faz algum tempo que meus

olhos estão fixos sobre Maia. Não demoro e logo encaro o chão sob meus pés. Algo

prende minha garganta. Não gosto de receber atenção, principalmente quando

estou movido pela timidez e constrangimento.

Ergo minha cabeça e

enxergo Maia mais uma vez. Seus olhos estão apertados em minha direção. Meu

coração está acelerado demais. Ela está enxergando todo defeito em meu rosto,

assim como o restante do corpo. Percebendo minhas orelhas de abanos, meus olhos

arregalados, minha boca ressecada e meu cabelo desgrenhado. Provavelmente está

achando graça e se arrependendo de segurar um panfleto idiota. Agora que

descobriu quem é o misterioso garoto por trás da interrogação, jamais aceitará minha

oferta.

Por

que eu quero que ela aceite?

— Maia, certo? — diz

Helena, se virando na direção da garota de cabelo curto. Sinto um frio em minha

barriga, temendo o que poderia surgir em seguida. — Agora que você sabe quem é

o garoto do panfleto, o que me diz?

— Sobre o que?

Helena faz um leve

movimento com a cabeça, indicando minha presença.

Não

faz isso, Helena.

— Está perguntando sobre

ser uma namorada de aluguel? — pela primeira vez desde que eu me lembre, Maia

sorri, mas que logo é contido. — Não. Quer dizer, não é o que eu procuro no

momento. Então não.

— Mas você está com

panfleto até agora e, se não percebeu, não tem ninguém na escola. Então... —

Helena ergue uma das sobrancelhas, deixando suas palavras no ar.

— O que você está dizendo,

senhorita? — Mônica parece não gostar e interrompe a conversa entre Maia e

Helena. — Caso não notou, o que eu acho que foi o caso, eu cheguei primeiro.

Por que ela seria acompanhante dele?

— Uma acompanhante? —

Maia volta sua atenção para mim rapidamente.

Engulo em seco.

— Não é uma acompanhante!

— rebate Helena no mesmo instante. — Sim, é uma acompanhante, mas por uma noite

apenas. Não é como se fosse uma acompanhante de luxo.

— Mas será um casamento,

o que eu acho que é bem pior. Casamentos são um porre, para falar a verdade —

Mônica revira os olhos.

— Então esse panfleto é

para um casamento? — novamente exibe seus dentes.

— Dinheiro fácil, não é

menina? — ironiza Mônica. — Eu achei que seria como nos filmes, sabe? Ter que

andar com ele de mão dada pela escola e fingir ser uma namorada, como esses

idiotas fissurados por filmes estrelares costumam fazer.

— O que não vai acontecer

com você, obviamente — sussurra Helena. — Caio jamais te escolheria.

— Por que tem tanta

certeza, menina das trevas? — Cruza os braços, apresentando uma séria

expressão.

— Nem preciso responder,

sua interesseira. Só está aqui por causa do dinheiro.

— E eu tenho culpa se

ofereceram uma recompensa para sair com esse idiota?

— Como é? — Helena se

exalta e ameaça avançar na direção de Mônica.

— Opa! Pode parando aí,

bonitona. — David entra na frente, segurando Helena. — Vamos nos acalmar, tudo

bem? Já está ficando tarde e Caio não gosta de brigas, sabe disso. Vamos

apenas... — pensa por um segundo. — Sair, o que me dizem? Respirar um pouco do

ar lá fora. Sabia que baleias também fazem isso?

— Esse garoto só sabe

falar de baleias? — Mônica também se mostra enraivecida.

— Melhor que falar de dinheiro,

seu olho gordo! — grita Helena.

— Acho que já entendemos,

não é mesmo? Não precisa dessa raiva toda — David continua segurando Helena.

Não posso negar minha

vontade incontrolável de girar o corpo e sair de perto de toda essa situação. Porém,

ainda que eu me sinta constrangido e extremamente desconfortável, algo faz meus

pés permanecerem no mesmo lugar. Maia. Não posso simplesmente caminhar para

fora, como eu fiz durante toda minha vida, ou jamais verei essa garota

novamente.

Gostaria

de ir ao casamento comigo?

Sinto as palavras presas

em minha língua, faltando pouco para sair. Mas não consigo. Minha garganta se

fecha, como se um fantasma estivesse me apertando agora. Meu corpo está paralisado.

Gostaria

de ir ao casamento comigo?

Novamente sinto vontade

de perguntar. Por que não consigo? Não é uma pergunta tão complicada assim.

Será o medo da rejeição?

Merda!

Encaro Helena por um

rápido segundo, já livre das mãos de David. Não tenho certeza se ela entendeu o

que eu gostaria de dizer. Meus olhos estão acuados demais para que ela possa

percebê-los. Sinto algo se agitando dentro do meu estômago. Só quero perguntar

se Maia gostaria de ir até o casamento comigo. Mas não funciona.

Cincos pessoas em

completo silêncio. Ainda sinto o clima tenso parar no ar. Mônica continua com

os olhos fixos sobre Helena, como se em sua mente milhares de pensamentos

assassinos passasse de segundo em segundo. Carla nada diz, tendo seu silêncio

como atributo fundamental. David e Helena não sabem o que fazer, assim como

Maia, que está no meio de um fogo cruzado. Meu corpo se mantém imóvel, sem

forças para falar e sem motivos para fugir.

— Desculpe — diz Maia,

baixinho.

Em um minuto ela já não

está presente. Seu corpo desaparece em questão de segundos, saindo de vista

pelo portão da escola. David e Helena arregalam os olhos, incrédulos. Não eu.

No fundo, eu sabia que não tinha todo tempo do mundo. Ela fez o que eu teria

feito. Na verdade, ela fez o que eu fiz momentos atrás. Um buraco se abre em

meu peito, como se toda animação e esperança fosse sugado para dentro,

deixando-me vazio, perdido. David coloca uma mão em meu ombro, parecendo

entender minha situação.

— Bem feito — diz Mônica,

ajeitando o cabelo e caminhando para fora da escola. Carla também desaparece,

sabendo que eu não poderia escolhê-la.

Sinto como se um caroço

estivesse entalado em minha garganta.

— Eu posso ir com você,

se quiser — sugere Helena, em um tom baixo, se aproximando de mim.

— Eu estou bem — digo.

Meus olhos se enchem d’água.

Por

que essa vontade de chorar?

Pisco várias vezes para

afastar o sofrimento inconveniente que surge nos olhos. Não gosto que me veem

chorando. Não tenho motivos para chorar.

— Vamos? — pergunta

David, abrindo caminho e revelando o livre corredor.

Tudo está silencioso. Sem

professores, alunos e diretores. Nem mesmo o zelador está por perto. Ainda

sinto o buraco em meu peito. Não sei por que me senti atraído por Maia. Não sei

sua história, não sei seu passado e não sei seus sonhos. Tudo o que eu pude

notar fora sua beleza e suas palavras apressadas.

Espero seja apenas um

sentimento momentâneo.

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