Capítulo 11

Uma casa silenciosa e um coração extremamente

apertado. Meu pai e minha irmã estão presentes, contemplando o precioso

silêncio. Uma música no fundo deixa sua marca; provavelmente jazz. Escuto um

distante barulho de pingo, como se alguma torneira estivesse aberta. No

entanto, nada do que escuto ou sinto consegue tirar meus pensamentos em Maia.

Por

quê?Não tenho respostas para minha pergunta.

Não gosto de ter pessoas

em meus pensamentos conturbados. Não é o mesmo que gostar de um filme ou uma

série de TV. Pessoas machucam. São imprevisíveis, egoístas e impulsivas. Não

importa se você gosta delas ou não, no fim das contas, seu coração estará

partido por culpa da maldita expectativa. Um passeio no shopping de mão dada,

um beijo no escuro do cinema ou um sorriso dado após uma piada sem sentido.

Tudo o que a mente cria, a realidade destrói.

Meu pai movimenta o garfo

em seus dedos, de um lado para o outro, como se estivesse brincando de

aviãozinho. Está cansado e nem sequer tocou na comida. Minha irmã nada diz,

tendo o celular como sua fonte principal de energia. Não posso culpá-la, eu

faria o mesmo se gostasse do tempo perdido em redes sociais e conversas banais

com pessoas distantes.

— Estou com medo de ser

demitido do trabalho — diz meu pai, em um suspiro, mantendo um tom um tanto

quanto monótono e sem entusiasmo. Sinto que já escutei essas palavras antes.

Minha irmã parece não

entender. Na verdade, parece não ouvir.

— Por que acha isso? —

pergunto, respirando fundo. Também não toquei na comida. Sinto que irei colocar

tudo para fora se comer algo.

— Máquinas estão chegando

cada vez mais rápido, filho. Demitiram o Maicon hoje, estou com medo de me

demitirem amanhã. Não estou sentindo um bom clima naquela empresa — suspira

mais uma vez. — Basta um único robô e todo o trabalho humano estará perdido.

Gosto do sorriso que

minha irmã apresenta, revelando suas covinhas. Porém, sei que não foi para o

meu pai. Mensagens virtuais parecem mais importantes do que conversas

familiares. De certo modo, posso concordar com ela.

— Não podemos viver com o

dinheiro da sua mãe para sempre, não é? — pergunta ele, extremamente

cabisbaixo. — Sou uma vergonha para minha família.

— Você não é uma vergonha

— diz minha irmã, tendo suas primeiras palavras no tédio noturno. — Não ainda.

— Ergue o olhar, revelando seus olhos castanhos. Seu cabelo escuro está

escondido atrás da orelha, como costuma deixar. Vejo olheiras embaixo de seus

olhos, revelando sua falta de sono.

— Obrigado, filha —

agradece. — Mas sabemos que sou uma vergonha. Não consigo nem fazer uma simples

comida.

— Nisso eu terei que

concordar — minha irmã não é melhor pessoa do mundo para medir palavras. — Mas

é bom procurar outro emprego, pai. Mamãe vai ficar uma fera se você ficar em

casa o dia inteiro — diz, voltando sua atenção para o celular em seus dedos.

— Não é o fim do mundo,

pai — tento consolá-lo, percebendo uma leve curvatura em seus lábios, indicando

tristeza. Ajuda emocional e conselho sábio não é bem o que eu sei fazer. Me

sinto envergonhado em ter que dizer palavras motivacionais para alguém. — O que quer que aconteça amanhã, nós ainda

temos o hoje.

Meu pai exibe um frágil

sorriso, sendo o primeiro do dia.

— Que bonito, filho. Muito

obrigado.

— Seria melhor se não

tivesse roubado de um filme — sussurra minha irmã.

Assim como meu pai, eu

também sorrio.

***

22h10, horário que escuto alguém bater na

porta do quarto. Minhas mãos estão entrelaçadas atrás da cabeça, enquanto meus

olhos — ainda que abertos — nada consegue enxergar, mirando o teto acima de

mim. Não sei dizer por quanto tempo tive Maia em meus pensamentos. Seja

abraçando seu corpo, seja segurando em suas mãos calorosas.

Imaginação pode ser um

pesadelo quando usado de forma exagerada.

Suspiro.

Minha mãe entra no quarto,

de modo singelo. Observo seus olhos franzidos, curiosos até. Ela sorri.

— Vejo que alguém não

está matando dinossauros hoje — murmura, caminhando em minha direção.

Ajeito meu corpo na cama,

sentando-me. Ela se aproxima. Um doce perfume surge no ar.

— Nada de dinossauros

hoje — digo, limpando minha garganta.

— Está tudo bem com você,

filho? — O colchão se afunda com sua presença.

— Na medida do possível —

respondo. — Como foi o trabalho?

Pensa por um minuto. Seus

cabelos estão molhados, indicando que tomou banho antes de subir. Sua pele está

totalmente limpa, sem maquiagem alguma. Camiseta branca e calça de moletom

escura.

— Foi bem, na medida do

possível — embora mostre seu largo sorriso, consigo notar exaustão em seu

olhar. Ajeita o cabelo, colocando-o atrás da orelha; assim como minha irmã

costuma fazer diariamente.

— Você sabia que o papai

está com medo de ser demitido? Aliás, já faz algum tempo que ele toca nesse

assunto.

— E o que você acha

disso?

— Bem — dou uma pequena

pausa antes de responder —, sabemos que o papai não é o homem mais inteligente

do mundo, não é mesmo? Mas ele é um bom homem apesar de tudo. Faz bem o

trabalho, posso imaginar. Não acho que será demitido. Não amanhã.

Minha mãe estende os

lábios, exibindo um sorriso sem revelar os dentes. Suas olheiras estão fundas,

mostrando que não dorme tão bem quanto eu pensava. Sinto um fraco vento atingir

meu corpo, vindo da janela atrás de mim. Nada de frio.

— Ele é um bom homem —

repete ela, quase que para si mesmo.

O

mundo não precisa de você. Um antigo amigo, ainda no ensino

fundamental, costumava dizer essas palavras: o mundo não precisa de você. Nunca entendi muito bem qual o sentido

da frase, tampouco sua obsessão por dizê-la sempre. Um louco ou um gênio? Eu

prefiro chamá-lo de sensato. O mundo realmente não precisa de ninguém. Minha

antiga psicóloga gostava de refutar o sentido da vida, quando afirmava que não

necessitamos de propósitos ou significados existenciais. Não importa se você

goste da vida ou não, o mundo permanecerá intacto e tudo o que você sonhou e

não realizou, outra pessoa viverá por você.

— Então, Caio, aproveite

o hoje e lembre-se de que o mundo não vai parar por sua causa. Apenas viva — dizia a doutora Agatha.

— Queria saber o que se

passa nessa sua cabecinha — minha mãe nota meu silêncio. — Parece que você nem

fica presente.

Volto minha atenção para

ela, sorrindo.

— Mãe — não sei como

direi, mas sinto que deveria contar. — Hoje... — fecho meus olhos por um rápido

momento, tendo imagem de Maia em minha mente. — Ocorreu algo um pouco...

Inusitado, sabe?

Minha mãe ajeita o corpo

na cama, respirando fundo e colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha. Um

semblante de curiosidade surge em seu rosto.

— Continua — pede ela.

— Sabe que eu estava na

busca pela namorada de aluguel, certo? — me sinto envergonhado em ter que

repetir essas palavras. — Então... Vamos imaginar, hipoteticamente...

— Nada de hipoteticamente

— interrompe ela.

— Nada de

hipoteticamente, certo — respiro fundo. — Eu estava na biblioteca, onde

aconteceria uma seletiva. Tudo normal. Três garotas surgiram, o que foi uma

surpresa até, já que eu temia que ninguém surgisse. Bem, não gostei das

garotas, confesso. Não que eu seja rigoroso demais em minha escolha, longe

disso, mas não me senti confortável com elas, sabe? Não conseguia me imaginar

em um casamento, para ser sincero.

— Não enrola, filho.

— Surgiu uma garota, logo

após eu desmaiar. Sim, eu desmaiei. Mas isso não vem ao caso. Ela estava

segurando um panfleto, o que provavelmente mostrava que estava a caminho da

biblioteca, mas por algum motivo, ela desistiu e não foi.

— Continua.

— Eu... gostei dela,

sabe? Não sei se foi pela beleza física, o que certamente é um ponto forte nela,

ou se foi pela simplicidade que carregava no olhar. O tipo de garota que usa

maquiagem escura, cabelo curto e piercing no nariz; coisas de adolescentes, eu

diria. — Sorrio. — Descrevendo desse jeito parece até uma garota de atitude,

certo? Do tipo que fala o que pensa e age da maneira que quiser. Mas ela... Não

sei, me pareceu simples, de alguma forma. Como se houvesse um segredo ou algum

mistério por trás de toda ousadia visual, me entende?

Não tenho certeza se

minha mãe compreendeu o que eu gostaria de passar, mas eu senti certo alívio

sair de dentro de mim, como um peso sendo retirado. Encarei os olhos castanhos

que tanto admirei na vida, e eles estavam voltados em minha direção. Não me

sinto constrangido em ter que encarar minha mãe nos olhos — não em grande parte

do dia.

Continua com seus olhos

fixos em mim, pensativa e concordando com a cabeça.

— Como ela se chama?

— Maia — respondo. Sinto

um incômodo em minha barriga após dizer esse nome.

— Maia — repete ela. —

Gostei do nome. Conhece ela?

— Não. Quer dizer, se

lembra da vez que contei que bati em uma garota por acidente? Então...

— Mesma garota?

Afirmo.

— E novamente me choquei

com ela. Totalmente por acidente, juro. Uma boa coincidência eu diria.

Ela sorri.

— Meu avô costumava dizer

que coincidências não existem — começa ela. — Tudo já está devidamente planejado.

Nossos passos, nossas conversas, nossas atitudes, nossos sonhos. Somos apenas

uma marionete sendo guiada por mãos invisíveis.

— Acredita no seu avô?

— Pode ser que sim. Tudo

é tão... ajustado, não é? — coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha. — Conheci

seu pai em um supermercado, quando me esqueci de comprar bebidas para uma

festa. E sabe o que é mais engraçado? Eu não bebia. Ele estava lá porque queria

usar o banheiro e, no final do dia, nos encontramos novamente na festa. Não

acho que seja coincidência, se quer mesmo saber.

— Esse é o problema, mãe.

Não temos certeza se é ou não.

— Mas saberá quando

ocorrer. Veja, filho. Tudo que passamos na vida, desde um simples machucado até

uma perda de um ente querido, é para mostrar que mais coisas ruins podem

acontecer. Mas isso também quer dizer que você estará pronto quando o lado

escuro da vida te alcançar. Você já passou por tanta coisa, não é? Então sabe

que tudo o que surge na sua vida é para um bem maior.

— O que está querendo

dizer?

— Que se não acontecer,

você estará preparado. Mas se for para ser, então será. E tenho certeza que

quando o lado bom da vida chegar, você estará de braços abertos e esquecerá

tudo o que de ruim já aconteceu. Porque basta um momento de felicidade para que

toda tristeza fique para trás, não é mesmo?

Diana,

palestrante motivacional. Sinto vontade em dizer, mas sei que

já repeti milhares de vezes essa piada. Minha mãe não demora e pouco tempo

depois ela deixa o quarto, após me contar mais casos de quando era uma

adolescente e sentia que o vento estava ao seu favor. Gosto de escutar suas histórias,

principalmente quando envolve meu pai no meio. Tenho certeza que faziam um belo

casal.

Não

tive uma boa noite sono, apesar das palavras sinceras de minha mãe. Permaneci

grande parte da madrugada acordado, sem forças para dormir. Maia não saiu dos meus

pensamentos até que eu pudesse escutar o barulho do despertador, fazendo-me

voltar para a realidade. Uma água gelada no rosto e uma repetição mental de

palavras, em uma tentativa de criar ilusões em minha mente, afirmando que o dia

será perfeito e iluminado. O que não é o caso.

Casa

vazia. Minha mãe saiu mais cedo para atender um cliente, enquanto me deixava

só, pensativo. Após lavar o rosto e fingir que tudo será perfeito, sigo para

cozinha e preparo um pão com mortadela; além de achocolato quente e um antigo

jornal desgastado. Quando criança, sentando nessa mesma mesa, escutava meu pai

sussurrar cada palavra que lia em seus jornais diários. Mortes, em sua maioria.

Gostava de quando narrava quadrinhos e detalhava cada desenho e cenário

presente. Sua voz me acalmava, na verdade. Como uma música triste em um dia

chuvoso.

Olho

em minha volta. Parece que ninguém mais mora nessa casa. Tudo é tão silencioso

e desajeitado que ratos certamente ficariam felizes de morar em um lugar como

esse. Sinto falta de uma antiga vida, quando tudo parecia mais fácil e se

resolvia com piadas ruins e afago repentino. Não existe mais carícia nesse

mundo de ilusões.

O

dia está quente. Mais do que esperado, eu suponho. Odeio calor. Suar mais do

que o normal não é muito meu estilo de vida. Gosto do frio. De saber que

estamos vivos em meia tristeza que assola nossos corações. Uma sensação que te

deixa arrepiado, em busca de um aconchego perfeito. Entro no ônibus e enxergo

Helena e David no canto direito. Aproximo-me. Mike parece não me notar, o que é

certo alívio, para ser sincero. Ou simplesmente temeu palavras de Helena e

preferiu não mexer com quem estava quieto. Não digo nada, assim como meus

amigos também não. David, que tanto gostou de conversar, se mantém quieto. Me

encara por um rápido instante e sorri, abaixando a cabeça. Helena aperta meu

ombro, em silêncio.

Escola,

passos apressados e coração acelerado. Sento em minha cadeira e espero o

professor se aproximar, o que não demora muito. Queria não ter Maia em minha

mente, como um parasita, mas parece cada vez mais impossível. Não a vi em

momento algum. Não sei se estava ansioso para vê-la, mas certamente eu estava

com medo.

Bom dia, turma. Preparados para mais um aprendizado? — pergunta o professor,

sorrindo.

Eu não.

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