Uma casa silenciosa e um coração extremamente
apertado. Meu pai e minha irmã estão presentes, contemplando o precioso
silêncio. Uma música no fundo deixa sua marca; provavelmente jazz. Escuto um
distante barulho de pingo, como se alguma torneira estivesse aberta. No
entanto, nada do que escuto ou sinto consegue tirar meus pensamentos em Maia.
Por
quê?Não tenho respostas para minha pergunta.
Não gosto de ter pessoas
em meus pensamentos conturbados. Não é o mesmo que gostar de um filme ou uma
série de TV. Pessoas machucam. São imprevisíveis, egoístas e impulsivas. Não
importa se você gosta delas ou não, no fim das contas, seu coração estará
partido por culpa da maldita expectativa. Um passeio no shopping de mão dada,
um beijo no escuro do cinema ou um sorriso dado após uma piada sem sentido.
Tudo o que a mente cria, a realidade destrói.
Meu pai movimenta o garfo
em seus dedos, de um lado para o outro, como se estivesse brincando de
aviãozinho. Está cansado e nem sequer tocou na comida. Minha irmã nada diz,
tendo o celular como sua fonte principal de energia. Não posso culpá-la, eu
faria o mesmo se gostasse do tempo perdido em redes sociais e conversas banais
com pessoas distantes.
— Estou com medo de ser
demitido do trabalho — diz meu pai, em um suspiro, mantendo um tom um tanto
quanto monótono e sem entusiasmo. Sinto que já escutei essas palavras antes.
Minha irmã parece não
entender. Na verdade, parece não ouvir.
— Por que acha isso? —
pergunto, respirando fundo. Também não toquei na comida. Sinto que irei colocar
tudo para fora se comer algo.
— Máquinas estão chegando
cada vez mais rápido, filho. Demitiram o Maicon hoje, estou com medo de me
demitirem amanhã. Não estou sentindo um bom clima naquela empresa — suspira
mais uma vez. — Basta um único robô e todo o trabalho humano estará perdido.
Gosto do sorriso que
minha irmã apresenta, revelando suas covinhas. Porém, sei que não foi para o
meu pai. Mensagens virtuais parecem mais importantes do que conversas
familiares. De certo modo, posso concordar com ela.
— Não podemos viver com o
dinheiro da sua mãe para sempre, não é? — pergunta ele, extremamente
cabisbaixo. — Sou uma vergonha para minha família.
— Você não é uma vergonha
— diz minha irmã, tendo suas primeiras palavras no tédio noturno. — Não ainda.
— Ergue o olhar, revelando seus olhos castanhos. Seu cabelo escuro está
escondido atrás da orelha, como costuma deixar. Vejo olheiras embaixo de seus
olhos, revelando sua falta de sono.
— Obrigado, filha —
agradece. — Mas sabemos que sou uma vergonha. Não consigo nem fazer uma simples
comida.
— Nisso eu terei que
concordar — minha irmã não é melhor pessoa do mundo para medir palavras. — Mas
é bom procurar outro emprego, pai. Mamãe vai ficar uma fera se você ficar em
casa o dia inteiro — diz, voltando sua atenção para o celular em seus dedos.
— Não é o fim do mundo,
pai — tento consolá-lo, percebendo uma leve curvatura em seus lábios, indicando
tristeza. Ajuda emocional e conselho sábio não é bem o que eu sei fazer. Me
sinto envergonhado em ter que dizer palavras motivacionais para alguém. — O que quer que aconteça amanhã, nós ainda
temos o hoje.
Meu pai exibe um frágil
sorriso, sendo o primeiro do dia.
— Que bonito, filho. Muito
obrigado.
— Seria melhor se não
tivesse roubado de um filme — sussurra minha irmã.
Assim como meu pai, eu
também sorrio.
***
22h10, horário que escuto alguém bater na
porta do quarto. Minhas mãos estão entrelaçadas atrás da cabeça, enquanto meus
olhos — ainda que abertos — nada consegue enxergar, mirando o teto acima de
mim. Não sei dizer por quanto tempo tive Maia em meus pensamentos. Seja
abraçando seu corpo, seja segurando em suas mãos calorosas.
Imaginação pode ser um
pesadelo quando usado de forma exagerada.
Suspiro.
Minha mãe entra no quarto,
de modo singelo. Observo seus olhos franzidos, curiosos até. Ela sorri.
— Vejo que alguém não
está matando dinossauros hoje — murmura, caminhando em minha direção.
Ajeito meu corpo na cama,
sentando-me. Ela se aproxima. Um doce perfume surge no ar.
— Nada de dinossauros
hoje — digo, limpando minha garganta.
— Está tudo bem com você,
filho? — O colchão se afunda com sua presença.
— Na medida do possível —
respondo. — Como foi o trabalho?
Pensa por um minuto. Seus
cabelos estão molhados, indicando que tomou banho antes de subir. Sua pele está
totalmente limpa, sem maquiagem alguma. Camiseta branca e calça de moletom
escura.
— Foi bem, na medida do
possível — embora mostre seu largo sorriso, consigo notar exaustão em seu
olhar. Ajeita o cabelo, colocando-o atrás da orelha; assim como minha irmã
costuma fazer diariamente.
— Você sabia que o papai
está com medo de ser demitido? Aliás, já faz algum tempo que ele toca nesse
assunto.
— E o que você acha
disso?
— Bem — dou uma pequena
pausa antes de responder —, sabemos que o papai não é o homem mais inteligente
do mundo, não é mesmo? Mas ele é um bom homem apesar de tudo. Faz bem o
trabalho, posso imaginar. Não acho que será demitido. Não amanhã.
Minha mãe estende os
lábios, exibindo um sorriso sem revelar os dentes. Suas olheiras estão fundas,
mostrando que não dorme tão bem quanto eu pensava. Sinto um fraco vento atingir
meu corpo, vindo da janela atrás de mim. Nada de frio.
— Ele é um bom homem —
repete ela, quase que para si mesmo.
O
mundo não precisa de você. Um antigo amigo, ainda no ensino
fundamental, costumava dizer essas palavras: o mundo não precisa de você. Nunca entendi muito bem qual o sentido
da frase, tampouco sua obsessão por dizê-la sempre. Um louco ou um gênio? Eu
prefiro chamá-lo de sensato. O mundo realmente não precisa de ninguém. Minha
antiga psicóloga gostava de refutar o sentido da vida, quando afirmava que não
necessitamos de propósitos ou significados existenciais. Não importa se você
goste da vida ou não, o mundo permanecerá intacto e tudo o que você sonhou e
não realizou, outra pessoa viverá por você.
— Então, Caio, aproveite
o hoje e lembre-se de que o mundo não vai parar por sua causa. Apenas viva — dizia a doutora Agatha.
— Queria saber o que se
passa nessa sua cabecinha — minha mãe nota meu silêncio. — Parece que você nem
fica presente.
Volto minha atenção para
ela, sorrindo.
— Mãe — não sei como
direi, mas sinto que deveria contar. — Hoje... — fecho meus olhos por um rápido
momento, tendo imagem de Maia em minha mente. — Ocorreu algo um pouco...
Inusitado, sabe?
Minha mãe ajeita o corpo
na cama, respirando fundo e colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha. Um
semblante de curiosidade surge em seu rosto.
— Continua — pede ela.
— Sabe que eu estava na
busca pela namorada de aluguel, certo? — me sinto envergonhado em ter que
repetir essas palavras. — Então... Vamos imaginar, hipoteticamente...
— Nada de hipoteticamente
— interrompe ela.
— Nada de
hipoteticamente, certo — respiro fundo. — Eu estava na biblioteca, onde
aconteceria uma seletiva. Tudo normal. Três garotas surgiram, o que foi uma
surpresa até, já que eu temia que ninguém surgisse. Bem, não gostei das
garotas, confesso. Não que eu seja rigoroso demais em minha escolha, longe
disso, mas não me senti confortável com elas, sabe? Não conseguia me imaginar
em um casamento, para ser sincero.
— Não enrola, filho.
— Surgiu uma garota, logo
após eu desmaiar. Sim, eu desmaiei. Mas isso não vem ao caso. Ela estava
segurando um panfleto, o que provavelmente mostrava que estava a caminho da
biblioteca, mas por algum motivo, ela desistiu e não foi.
— Continua.
— Eu... gostei dela,
sabe? Não sei se foi pela beleza física, o que certamente é um ponto forte nela,
ou se foi pela simplicidade que carregava no olhar. O tipo de garota que usa
maquiagem escura, cabelo curto e piercing no nariz; coisas de adolescentes, eu
diria. — Sorrio. — Descrevendo desse jeito parece até uma garota de atitude,
certo? Do tipo que fala o que pensa e age da maneira que quiser. Mas ela... Não
sei, me pareceu simples, de alguma forma. Como se houvesse um segredo ou algum
mistério por trás de toda ousadia visual, me entende?
Não tenho certeza se
minha mãe compreendeu o que eu gostaria de passar, mas eu senti certo alívio
sair de dentro de mim, como um peso sendo retirado. Encarei os olhos castanhos
que tanto admirei na vida, e eles estavam voltados em minha direção. Não me
sinto constrangido em ter que encarar minha mãe nos olhos — não em grande parte
do dia.
Continua com seus olhos
fixos em mim, pensativa e concordando com a cabeça.
— Como ela se chama?
— Maia — respondo. Sinto
um incômodo em minha barriga após dizer esse nome.
— Maia — repete ela. —
Gostei do nome. Conhece ela?
— Não. Quer dizer, se
lembra da vez que contei que bati em uma garota por acidente? Então...
— Mesma garota?
Afirmo.
— E novamente me choquei
com ela. Totalmente por acidente, juro. Uma boa coincidência eu diria.
Ela sorri.
— Meu avô costumava dizer
que coincidências não existem — começa ela. — Tudo já está devidamente planejado.
Nossos passos, nossas conversas, nossas atitudes, nossos sonhos. Somos apenas
uma marionete sendo guiada por mãos invisíveis.
— Acredita no seu avô?
— Pode ser que sim. Tudo
é tão... ajustado, não é? — coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha. — Conheci
seu pai em um supermercado, quando me esqueci de comprar bebidas para uma
festa. E sabe o que é mais engraçado? Eu não bebia. Ele estava lá porque queria
usar o banheiro e, no final do dia, nos encontramos novamente na festa. Não
acho que seja coincidência, se quer mesmo saber.
— Esse é o problema, mãe.
Não temos certeza se é ou não.
— Mas saberá quando
ocorrer. Veja, filho. Tudo que passamos na vida, desde um simples machucado até
uma perda de um ente querido, é para mostrar que mais coisas ruins podem
acontecer. Mas isso também quer dizer que você estará pronto quando o lado
escuro da vida te alcançar. Você já passou por tanta coisa, não é? Então sabe
que tudo o que surge na sua vida é para um bem maior.
— O que está querendo
dizer?
— Que se não acontecer,
você estará preparado. Mas se for para ser, então será. E tenho certeza que
quando o lado bom da vida chegar, você estará de braços abertos e esquecerá
tudo o que de ruim já aconteceu. Porque basta um momento de felicidade para que
toda tristeza fique para trás, não é mesmo?
Diana,
palestrante motivacional. Sinto vontade em dizer, mas sei que
já repeti milhares de vezes essa piada. Minha mãe não demora e pouco tempo
depois ela deixa o quarto, após me contar mais casos de quando era uma
adolescente e sentia que o vento estava ao seu favor. Gosto de escutar suas histórias,
principalmente quando envolve meu pai no meio. Tenho certeza que faziam um belo
casal.
Não
tive uma boa noite sono, apesar das palavras sinceras de minha mãe. Permaneci
grande parte da madrugada acordado, sem forças para dormir. Maia não saiu dos meus
pensamentos até que eu pudesse escutar o barulho do despertador, fazendo-me
voltar para a realidade. Uma água gelada no rosto e uma repetição mental de
palavras, em uma tentativa de criar ilusões em minha mente, afirmando que o dia
será perfeito e iluminado. O que não é o caso.
Casa
vazia. Minha mãe saiu mais cedo para atender um cliente, enquanto me deixava
só, pensativo. Após lavar o rosto e fingir que tudo será perfeito, sigo para
cozinha e preparo um pão com mortadela; além de achocolato quente e um antigo
jornal desgastado. Quando criança, sentando nessa mesma mesa, escutava meu pai
sussurrar cada palavra que lia em seus jornais diários. Mortes, em sua maioria.
Gostava de quando narrava quadrinhos e detalhava cada desenho e cenário
presente. Sua voz me acalmava, na verdade. Como uma música triste em um dia
chuvoso.
Olho
em minha volta. Parece que ninguém mais mora nessa casa. Tudo é tão silencioso
e desajeitado que ratos certamente ficariam felizes de morar em um lugar como
esse. Sinto falta de uma antiga vida, quando tudo parecia mais fácil e se
resolvia com piadas ruins e afago repentino. Não existe mais carícia nesse
mundo de ilusões.
O
dia está quente. Mais do que esperado, eu suponho. Odeio calor. Suar mais do
que o normal não é muito meu estilo de vida. Gosto do frio. De saber que
estamos vivos em meia tristeza que assola nossos corações. Uma sensação que te
deixa arrepiado, em busca de um aconchego perfeito. Entro no ônibus e enxergo
Helena e David no canto direito. Aproximo-me. Mike parece não me notar, o que é
certo alívio, para ser sincero. Ou simplesmente temeu palavras de Helena e
preferiu não mexer com quem estava quieto. Não digo nada, assim como meus
amigos também não. David, que tanto gostou de conversar, se mantém quieto. Me
encara por um rápido instante e sorri, abaixando a cabeça. Helena aperta meu
ombro, em silêncio.
Escola,
passos apressados e coração acelerado. Sento em minha cadeira e espero o
professor se aproximar, o que não demora muito. Queria não ter Maia em minha
mente, como um parasita, mas parece cada vez mais impossível. Não a vi em
momento algum. Não sei se estava ansioso para vê-la, mas certamente eu estava
com medo.
—
Bom dia, turma. Preparados para mais um aprendizado? — pergunta o professor,
sorrindo.
Eu não.
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Atualizado até capítulo 31
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