Praticamente uma semana de aula, e
faltando exatos nove dias para o casamento do idiota do meu primo. Para quem
levava uma vida um tanto quanto monótona e exaustiva — fugindo de pessoas o
tempo todo em uma falha tentativa de disfarçar minha presença —, até que eu
tive uma semana bastante agitada, para ser sincero. Nem em minhas maiores
aventuras noturnas — deitado em minha cama, antes de poder pegar no sono — eu
imaginava que uma garota pudesse querer sair comigo; ainda que envolvesse
dinheiro.
Sinto um vento fresco
atingir meu corpo inerte, levando meus pensamentos para bem longe daqui. Porém,
não posso simplesmente permanecer deitado. Uma escola precisa de mim.
Ansiedade ou apenas
insônia? Não posso dizer. Passei toda noite acordado, imaginando situações que
provavelmente não irá acontecer. Não é como se eu estivesse apaixonado por
Maia, até porque eu já gostei de garotas antes. Mas por alguma razão, não
consigo tirá-la dos meus pensamentos. Eu durmo e acordo tendo imagem dela em
minha mente. E por quê?
O dia está ensolarado o
bastante para me fazer suar. Casa vazia e cânticos de passarinhos distantes.
Pego minha mochila encostada na parede e saio de casa, com olheiras tão
profundas que Victor Van Dorst certamente teria inveja de mim.
Entro no ônibus e logo
avisto Helena e David sentados, conversando. Ou melhor, discutindo.
— Caio, o que você diria
se alguém perguntasse se você prefere comer cocô com gosto de chocolate ou
chocolate com gosto de cocô? — pergunta David assim que me aproximo,
sentando-me ao seu lado.
— Óbvio que alguém
decente escolheria comer chocolate com gosto de cocô — diz Helena antes mesmo que
eu pudesse pensar na melhor resposta.
— Por que alguém comeria
chocolate sabendo que teria gosto de cocô? — David eleva o tom.
— E por que você comeria
cocô, seu idiota?
— Porque teria gosto de
chocolate, anta! O formato não é importante, mas sim o gosto. Não quero ter que
comer pizza de rato morto só porque parece uma pizza.
— Então você prefere
comer um rato morto só porque ele teria gosto de pizza? Isso não faz o menor
sentido, David.
— Como se comer chocolate
com gosto de cocô fizesse, né? — ele pergunta. — Ou escolher entre uma perna
quebrada ou um braço quebrado? Melhor, ser mordido por uma velha banguela ou
por uma criança dentuça?
— É apenas situações
hipotéticas, seu animal. E você pode muito bem passar por essas escolhas um
dia.
David sorri.
— Claro, até por que
alguém irá apontar uma arma na minha cabeça e pedir para eu escolher entre
comer pregos ou escorregar em um tobogã de gilete, não é?
Helena abre a boca para
respondê-lo, mas logo se fecha. Cruza os braços no alto do peito e suspira,
olhando para fora da janela do ônibus.
— Bom dia para vocês
também — digo, sorrindo.
— Anda, me conta! — David
se anima, batendo em meu braço e ignorando tudo o que aconteceu agora pouco. —
Como foi? O que aconteceu? O que falaram? Rolou beijo? Ela pegou na sua mão?
Vocês sorriram? Ela te chamou para outro encontro, não foi? Eu sabia! É o
destino, meu amigo. Quando duas almas separadas se juntam, é o amor
verdadeiro...
— O que? Não! — David
fala rápido demais, impossibilitando que eu o compreenda da melhor maneira
possível. Deixo um sorriso surgir. — Não aconteceu beijo, nem pegou na minha
mão ou sei lá mais o que. Apenas... Uma rápida conversa.
— É? — já não existe
animação em seu tom de voz, provavelmente decepcionado. — Nem uma troca de
baba?
— Definitivamente, não. —
estendo o sorriso. — Na verdade ela apenas disse para eu me preparar, porque eu
serei uma princesa.
— Oi?
— Ela aceitou ser minha
acompanhante de casamento e disse que será como Diário da Princesa.
— Esse não é o filme onde
uma aluna se apaixona por um aluno e descobre que ele é um príncipe? — pergunta
David.
— Não, seu idiota! Esse é
Um Príncipe em Minha Vida. Ele está falando da menina feia, que fica bonita e
descobre que o pai é na verdade um príncipe e blá, blá, blá — nem preciso responder, Helena faz todo trabalho por
mim.
— Esse eu não assisti —
diz ele, mais para si mesmo. — Então... Ela quer transformar você?
Eu o encaro por um
momento, erguendo uma sobrancelha.
David sorri.
— Parece que alguém usará
vestidos, em? — apoia uma mão em meu ombro.
— Muito engraçadinho —
sorrio.
Espero que David não
esteja certo. Não quero me vê no espelho de vestido e fitas na cabeça. Seria
tenebroso, para ser sincero, e um tanto quanto engraçado, eu diria.
O ônibus estaciona
minutos depois, e, como de costume, permaneço sentado, esperando todos os
alunos descerem para que eu possa seguir em direção ao matadouro. Mike passa
rente ao meu corpo e me dá um tapa na cabeça, seguindo para fora do ônibus.
Percebo, no canto de olho, Helena fazer menção em se levantar. Mas não
compensaria. Mike já está subindo os degraus do colégio, sorrindo e encarando o
ônibus como se fossemos motivos de piada.
Não me importo.
Nunca vi essa cidade tão
quente antes. Ou será que eu é que estou suando como um porco mesmo? Parece que
estou cercado pela ansiedade e nervosismo. Motivo? Espero que não seja o que eu
mais temo nessa vida. Amor.
— Mergulhar em uma
piscina de fezes ou lamber o pé de um mendigo? —pergunta Helena, assim que
saímos do ônibus.
— Está vendo? Isso não
tem o menor sentido! Que pessoa mergulharia em uma piscina de fezes? Ou pior, lamberia
um pé de um mendigo? — David se mostra impaciente. Revoltado, talvez.
— Por que lamber um pé de
um mendigo seria pior? — pergunta Helena, acompanhando nossos passos. — Isso é
preconceito?
— Com pés de mendigos?
Pode ter certeza que sim. E por que diabos eu faria algo desse jeito? Estou
muito bem assim, obrigado.
Helena bufa atrás de mim,
visivelmente chateada.
— Eu prefiro lamber o pé
de um mendigo, se isso vale de alguma forma — digo, percebendo o silêncio
incômodo.
— Parece que alguém
compactua com minha inteligência. Obrigada, Caio.
— Grande coisa — resmunga
David. — Por isso eu prefiro baleias, elas não fazem perguntas idiotas.
— Você que é idiota, seu
idiota. Fica gostando de baleias que estão nem aí para você!
David abre um largo
sorriso.
— Olha quem fala, não é
mesmo?
Consigo notar bochechas
vermelhas no rosto de Helena. Ela, porém, nada diz. Abro meu armário e pego
meus livros. Estava tão concentrado na breve discussão de David e Helena, que
nem me preocupei com olhares em minha direção. Não precisei apressar meus
passos nem abaixar minha cabeça. Será que tudo o que uma mente precisa é de
distração?
— Se prepara, Caio. O
grande amor da sua vida está vindo — escuto David sussurrar em meu ouvido.
Mesmo não sabendo do que
se trata, sinto algo se aquecer em meu peito.
— Como assim? — pergunto,
sorrindo.
Mas não preciso que ele
me responda. Eu a enxergo. Maia. Caminhando em minha direção.
— Vamos deixar os
pombinhos a sós. Vem, David — Helena o chama, segurando em seu pulso.
— Mas eu quero saber o
que vai acontecer — sussurra ele.
— Anda logo! — ela
praticamente o arrasta consigo, puxando-o fortemente.
Engulo em seco,
observando Maia se aproximar.
O corredor se torna
vazio, como se ninguém mais estivesse presente; exceto Maia. Não escuto mais conversas,
risos ou zombaria. Tudo se perde, deixando um único ponto visível. Exatamente
como o acender de uma vela no breu noturno.
Eu deveria sorrir?
Acenar? Cumprimentar?
Apenas
respire fundo.
— Veja se não é o pequeno
gafanhoto — ela não hesita e logo se aproxima, abraçando-me.
Não era o que eu tinha em
mente. Agora não faço ideia do que eu terei que fazer.
Ela me solta,
encarando-me nos olhos.
Sorrio.
— Então, preparado para
um dia mais do que aventureiro? — pergunta. — Consegui uma folga hoje apenas
para... — me encara de cima a baixo. — Transformá-lo numa princesa de respeito.
— o sorrido se abre, enquanto coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha.
Pode ser que seja apenas
medo ou insegurança, mas nesse momento, sinto como se Maia fosse o topo do
Everest e eu uma simples uma criança que não faz ideia da dificuldade que é
escalá-la. Vejo um perigoso abismo que me separa da garota incrível que está em
minha frente.
Meu peito se aperta. Sinto-me
frustrado por ser alguém patético e extremamente sem graça.
— O que me diz? Está
pronto para mudanças? — insiste, enquanto me perco em pensamentos
involuntários.
— Claro — respondo,
abrindo um frágil sorrindo. — Será um prazer.
— Ótimo! — ela parece mesmo
animada com isso. — Então depois da aula, tudo bem?
Antes que minha boca
possa se abrir, escuto o sinal soar para todos os alunos presentes,
interrompendo-me.
— Te vejo depois! — Maia
gira sobre os calcanhares e se perde de vista, desaparecendo no meio na
multidão.
— Tudo bem — sussurro de
volta, em vão.
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Atualizado até capítulo 31
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