Capítulo 15

Praticamente uma semana de aula, e

faltando exatos nove dias para o casamento do idiota do meu primo. Para quem

levava uma vida um tanto quanto monótona e exaustiva — fugindo de pessoas o

tempo todo em uma falha tentativa de disfarçar minha presença —, até que eu

tive uma semana bastante agitada, para ser sincero. Nem em minhas maiores

aventuras noturnas — deitado em minha cama, antes de poder pegar no sono — eu

imaginava que uma garota pudesse querer sair comigo; ainda que envolvesse

dinheiro.

Sinto um vento fresco

atingir meu corpo inerte, levando meus pensamentos para bem longe daqui. Porém,

não posso simplesmente permanecer deitado. Uma escola precisa de mim.

Ansiedade ou apenas

insônia? Não posso dizer. Passei toda noite acordado, imaginando situações que

provavelmente não irá acontecer. Não é como se eu estivesse apaixonado por

Maia, até porque eu já gostei de garotas antes. Mas por alguma razão, não

consigo tirá-la dos meus pensamentos. Eu durmo e acordo tendo imagem dela em

minha mente. E por quê?

O dia está ensolarado o

bastante para me fazer suar. Casa vazia e cânticos de passarinhos distantes.

Pego minha mochila encostada na parede e saio de casa, com olheiras tão

profundas que Victor Van Dorst certamente teria inveja de mim.

Entro no ônibus e logo

avisto Helena e David sentados, conversando. Ou melhor, discutindo.

— Caio, o que você diria

se alguém perguntasse se você prefere comer cocô com gosto de chocolate ou

chocolate com gosto de cocô? — pergunta David assim que me aproximo,

sentando-me ao seu lado.

— Óbvio que alguém

decente escolheria comer chocolate com gosto de cocô — diz Helena antes mesmo que

eu pudesse pensar na melhor resposta.

— Por que alguém comeria

chocolate sabendo que teria gosto de cocô? — David eleva o tom.

— E por que você comeria

cocô, seu idiota?

— Porque teria gosto de

chocolate, anta! O formato não é importante, mas sim o gosto. Não quero ter que

comer pizza de rato morto só porque parece uma pizza.

— Então você prefere

comer um rato morto só porque ele teria gosto de pizza? Isso não faz o menor

sentido, David.

— Como se comer chocolate

com gosto de cocô fizesse, né? — ele pergunta. — Ou escolher entre uma perna

quebrada ou um braço quebrado? Melhor, ser mordido por uma velha banguela ou

por uma criança dentuça?

— É apenas situações

hipotéticas, seu animal. E você pode muito bem passar por essas escolhas um

dia.

David sorri.

— Claro, até por que

alguém irá apontar uma arma na minha cabeça e pedir para eu escolher entre

comer pregos ou escorregar em um tobogã de gilete, não é?

Helena abre a boca para

respondê-lo, mas logo se fecha. Cruza os braços no alto do peito e suspira,

olhando para fora da janela do ônibus.

— Bom dia para vocês

também — digo, sorrindo.

— Anda, me conta! — David

se anima, batendo em meu braço e ignorando tudo o que aconteceu agora pouco. —

Como foi? O que aconteceu? O que falaram? Rolou beijo? Ela pegou na sua mão?

Vocês sorriram? Ela te chamou para outro encontro, não foi? Eu sabia! É o

destino, meu amigo. Quando duas almas separadas se juntam, é o amor

verdadeiro...

— O que? Não! — David

fala rápido demais, impossibilitando que eu o compreenda da melhor maneira

possível. Deixo um sorriso surgir. — Não aconteceu beijo, nem pegou na minha

mão ou sei lá mais o que. Apenas... Uma rápida conversa.

— É? — já não existe

animação em seu tom de voz, provavelmente decepcionado. — Nem uma troca de

baba?

— Definitivamente, não. —

estendo o sorriso. — Na verdade ela apenas disse para eu me preparar, porque eu

serei uma princesa.

— Oi?

— Ela aceitou ser minha

acompanhante de casamento e disse que será como Diário da Princesa.

— Esse não é o filme onde

uma aluna se apaixona por um aluno e descobre que ele é um príncipe? — pergunta

David.

— Não, seu idiota! Esse é

Um Príncipe em Minha Vida. Ele está falando da menina feia, que fica bonita e

descobre que o pai é na verdade um príncipe e blá, blá, blá — nem preciso responder, Helena faz todo trabalho por

mim.

— Esse eu não assisti —

diz ele, mais para si mesmo. — Então... Ela quer transformar você?

Eu o encaro por um

momento, erguendo uma sobrancelha.

David sorri.

— Parece que alguém usará

vestidos, em? — apoia uma mão em meu ombro.

— Muito engraçadinho —

sorrio.

Espero que David não

esteja certo. Não quero me vê no espelho de vestido e fitas na cabeça. Seria

tenebroso, para ser sincero, e um tanto quanto engraçado, eu diria.

O ônibus estaciona

minutos depois, e, como de costume, permaneço sentado, esperando todos os

alunos descerem para que eu possa seguir em direção ao matadouro. Mike passa

rente ao meu corpo e me dá um tapa na cabeça, seguindo para fora do ônibus.

Percebo, no canto de olho, Helena fazer menção em se levantar. Mas não

compensaria. Mike já está subindo os degraus do colégio, sorrindo e encarando o

ônibus como se fossemos motivos de piada.

Não me importo.

Nunca vi essa cidade tão

quente antes. Ou será que eu é que estou suando como um porco mesmo? Parece que

estou cercado pela ansiedade e nervosismo. Motivo? Espero que não seja o que eu

mais temo nessa vida. Amor.

— Mergulhar em uma

piscina de fezes ou lamber o pé de um mendigo? —pergunta Helena, assim que

saímos do ônibus.

— Está vendo? Isso não

tem o menor sentido! Que pessoa mergulharia em uma piscina de fezes? Ou pior, lamberia

um pé de um mendigo? — David se mostra impaciente. Revoltado, talvez.

— Por que lamber um pé de

um mendigo seria pior? — pergunta Helena, acompanhando nossos passos. — Isso é

preconceito?

— Com pés de mendigos?

Pode ter certeza que sim. E por que diabos eu faria algo desse jeito? Estou

muito bem assim, obrigado.

Helena bufa atrás de mim,

visivelmente chateada.

— Eu prefiro lamber o pé

de um mendigo, se isso vale de alguma forma — digo, percebendo o silêncio

incômodo.

— Parece que alguém

compactua com minha inteligência. Obrigada, Caio.

— Grande coisa — resmunga

David. — Por isso eu prefiro baleias, elas não fazem perguntas idiotas.

— Você que é idiota, seu

idiota. Fica gostando de baleias que estão nem aí para você!

David abre um largo

sorriso.

— Olha quem fala, não é

mesmo?

Consigo notar bochechas

vermelhas no rosto de Helena. Ela, porém, nada diz. Abro meu armário e pego

meus livros. Estava tão concentrado na breve discussão de David e Helena, que

nem me preocupei com olhares em minha direção. Não precisei apressar meus

passos nem abaixar minha cabeça. Será que tudo o que uma mente precisa é de

distração?

— Se prepara, Caio. O

grande amor da sua vida está vindo — escuto David sussurrar em meu ouvido.

Mesmo não sabendo do que

se trata, sinto algo se aquecer em meu peito.

— Como assim? — pergunto,

sorrindo.

Mas não preciso que ele

me responda. Eu a enxergo. Maia. Caminhando em minha direção.

— Vamos deixar os

pombinhos a sós. Vem, David — Helena o chama, segurando em seu pulso.

— Mas eu quero saber o

que vai acontecer — sussurra ele.

— Anda logo! — ela

praticamente o arrasta consigo, puxando-o fortemente.

Engulo em seco,

observando Maia se aproximar.

O corredor se torna

vazio, como se ninguém mais estivesse presente; exceto Maia. Não escuto mais conversas,

risos ou zombaria. Tudo se perde, deixando um único ponto visível. Exatamente

como o acender de uma vela no breu noturno.

Eu deveria sorrir?

Acenar? Cumprimentar?

Apenas

respire fundo.

— Veja se não é o pequeno

gafanhoto — ela não hesita e logo se aproxima, abraçando-me.

Não era o que eu tinha em

mente. Agora não faço ideia do que eu terei que fazer.

Ela me solta,

encarando-me nos olhos.

Sorrio.

— Então, preparado para

um dia mais do que aventureiro? — pergunta. — Consegui uma folga hoje apenas

para... — me encara de cima a baixo. — Transformá-lo numa princesa de respeito.

— o sorrido se abre, enquanto coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha.

Pode ser que seja apenas

medo ou insegurança, mas nesse momento, sinto como se Maia fosse o topo do

Everest e eu uma simples uma criança que não faz ideia da dificuldade que é

escalá-la. Vejo um perigoso abismo que me separa da garota incrível que está em

minha frente.

Meu peito se aperta. Sinto-me

frustrado por ser alguém patético e extremamente sem graça.

— O que me diz? Está

pronto para mudanças? — insiste, enquanto me perco em pensamentos

involuntários.

— Claro — respondo,

abrindo um frágil sorrindo. — Será um prazer.

— Ótimo! — ela parece mesmo

animada com isso. — Então depois da aula, tudo bem?

Antes que minha boca

possa se abrir, escuto o sinal soar para todos os alunos presentes,

interrompendo-me.

— Te vejo depois! — Maia

gira sobre os calcanhares e se perde de vista, desaparecendo no meio na

multidão.

— Tudo bem — sussurro de

volta, em vão.

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