Maia já havia me passado uma breve recomendação
sobre o que fazer hoje nos corredores da escola, como tranquilizar meu corpo e
evitar uma fuga repentina, mas meu nervosismo não me deixa pensar da melhor
maneira possível. Estou suando demais para andar com uma garota bonita e
inteligente como ela; além de toda ansiedade estampada em meu rosto. Outros alunos
certamente irão perceber que não passo de uma farsa.
— Não se preocupe, tudo
bem? — Maia tenta me acalmar, ainda nos degraus da escada. Alunos sobem e
descem, e eu sinto meu coração bater cada vez mais forte. Olhares seguem em
nossa direção, curiosos.
Concordo com um leve
aceno de cabeça. Meus lábios estão ressecados, impossibilitando que eu possa
dizer algo. Só quero poder tomar um gole de água.
— É só você pegar na
minha mão e assim passaremos pelos corredores, nada de mais. Não tenha medo.
Tudo bem assim?
Concordo novamente.
— Então vamos? — Maia
espera minha atitude de poder segurá-la pela mão, estendendo-a em minha
direção.
Não demoro e logo faço
questão de segurar em seus dedos, esquecendo-me do quão suadas minhas palmas
estão. Algo se aquece no fundo do meu estômago. Provavelmente medo.
Respiro fundo. Conto até
três antes de realizar meu primeiro passo. Não estou pronto para caminhar com
Maia pelos corredores da escola.
Não
pense demais. Não pense demais.
Um, dois, três degraus. Maia
me conduz, como um príncipe guiando uma princesa. Em poucos segundos percebo
olhares em nossa direção, espantados e curiosos. Não consigo manter minha
cabeça erguida por muito tempo, incomodado com olhares que me cercam, então
faço questão de abaixá-la.
— Nada disso. Levanta
essa cabeça — Maia sussurra em meu ouvido. — Não tenha medo. Só estamos
caminhando.
Só
estamos caminhando. Penso.
Ainda sinto vontade de
encarar o chão. Não gosto de vê pessoas, tampouco de descobrir que elas estão
me vendo. Mas não posso demonstrar fraqueza e timidez em um momento como esse.
Preciso levantar minha cabeça e deixar que eles saibam quem eu sou. Saber quem
é Caio Benjamin, o garoto acompanhado por Maia.
Logo no canto direito,
após alguns passos pelo corredor, enxergo Mike, rindo com três de seus melhores
amigos. Um deles me observa e aponta em minha direção, arregalando os olhos.
Mike rapidamente se vira para me encarar. Minha respiração desacelera. Sinto
como se o chão pudesse desabar sob meus pés. Esqueço-me até mesmo de caminhar,
como se nunca soubesse andar antes. Meus passos seguem de forma desiquilibrada
e sem jeito.
Mike nada diz. Seus olhos
me fuzilam. Parece não acreditar no que vê, assim como seus amigos. Assim como
todo mundo da escola. Maia não se importa. Está sorrindo. Confiante. Acena para
algumas pessoas, sem medo ou vergonha.
— Só faça o que eu faço —
ela diz, sorrindo.
Mas não consigo. Não
posso acenar para pessoas ou cumprimentá-las; não sou tão confiante assim.
Porém, ergo minha cabeça ainda mais. Preciso me acostumar a não encarar mais o
chão, ainda que meu coração bata de forma descompensada e minha garganta se
fecha por causa do medo e timidez. Maia continua com sua trajetória, levando-me
pelos corredores da escola.
Garotas também se mostram
curiosas, encarando-me de modo sério, desentendidas. Até mesmo o professor
Edgar, saindo da sala da diretoria, olha em minha direção e entorta levemente a
cabeça para o lado, estranhando essa situação.
Eu, que no primeiro dia
de aula, fugi de sua sala.
— Kevin — Maia por fim
interrompe os passos, após caminhar por mais alguns metros.
Um garoto, escorado na
porta de um dos armários, nos observa.
— Maia — cumprimenta ele.
Silêncio.
Conheço Kevin. Quer
dizer, toda escola conhece Kevin. Jogador de futebol que, obviamente, já foi
destaque da escola. Barba quase feita, como se já estivesse na faculdade, e não
no ensino médio.
— Vejo que está
acompanhada — diz ele, apresentando um curto sorriso. Seus cabelos são longos e
loiros, chegando até altura dos ombros.
Maia ergue nossas mãos,
mostrando-as entrelaçadas.
Kevin abre ainda mais o
sorriso.
— E esse é?
— Caio — digo, tendo
falhas em minha voz. — Prazer, sou Caio. Namorado da... Maia. Namorado da Maia
— digo de forma mais convincente. Alto.
— Namorada da Maia, é? —
ele parece achar graça de alguma forma. — O prazer é meu, Caio. Sou Kevin.
— Eu sei quem você é. Bem, na verdade todo
mundo sabe quem você — dou um ligeiro sorriso. — Não vi você jogando, mas tenho
certeza que deve arrebentar. Bonito cabelo, aliás.
— Obrigado. Nada além de
hidratantes, se quer mesmo saber — dá uma piscadela em minha direção, exibindo
seus dentes brancos.
Escuto Maia bufar.
— Vamos embora, Caio —
diz ela, apertando fortemente minha mão.
— Foi um prazer, Caio —
Kevin acena para mim, enquanto Maia me puxa e me faz andar novamente.
— O prazer foi todo meu —
digo em voz alta, sorrindo. — Ele parece ser bem simpático, não é? — pergunto
em um sussurro, sem deixar que Kevin e outras pessoas possam me escutar.
Mas Maia não me responde.
Seus passos são pesados e apressados, como um soldado marchando em combate
militar. Não acena para pessoas; nem mesmo para quem chama seu nome. Essa
escola não é tão grande assim para caminhar por longos minutos sem interrupção.
Não demora muito para que ela possa parar novamente, dessa vez em frente à sala
de música.
Está ofegante. Suada,
até.
— Pronto — coloca uma
mecha do cabelo atrás da orelha. Olha de um lado para o outro. — Fizemos nossa
primeira apresentação. Agora tente não abaixar sua cabeça com frequência,
algumas pessoas irão encarar você de um modo diferente. Não conte para ninguém
nosso plano, tudo bem? Você se saiu muito bem hoje, e amanhã será da mesma
forma, então trate de respirar fundo e agir como se fossemos namorados, entendido?
— Entendido — respondo.
— Pode me soltar agora.
— Desculpa — solto sua
mão, percebendo que estou excessivamente suado.
— Agora pode voltar para
sala — diz ela, suspirando. — Se alguém perguntar, diga estava me beijando na
sala de música.
— Tudo bem — sorrio.
Encaro seus olhos por um
momento. Toda raiva que pareceu demonstrar agora pouco, parece não existir
mais. Seus semblantes estão relaxados, assim como seus ombros.
— Agora pode ir — diz.
— Claro. É. Até mais —
giro sobre meus calcanhares, sorrindo.
Tento não abaixar minha
cabeça na ida para sala de aula, mas muitos alunos olham em minha direção, o
que me faz apressar os passos. Ainda não me acostumei com olhares de estranhos.
Sento em minha carteira minutos
depois, sem encarar outros alunos já sentados na sala. Estou ofegante. Nervoso.
Minhas mãos tremem.
Escuto burburinhos se
espalhando atrás de mim.
— Você se saiu muito bem,
ganharão — escuto David falar em meu ouvido, o que me faz relaxar.
***
Refeitório completamente
cheio. Sento na mesma mesa que David e Helena, como todos os dias, durante
anos. David não consegue esconder o sorrisinho eu seu rosto, me olhando de um
jeito sarcástico, como se esperasse o momento certo para dizer algo. Diferente
de Helena, que pouco se importa com minha presença, preferindo encarar suas
batatas fritas.
— Anos e anos sendo
excluídos da sociedade, como animais em hábitats diferentes — começa David,
pouco tempo depois de eu sentar —, e agora, vejam só. Todo refeitório virado para
nossa mesa, como se fossemos leões no meio de gazelas.
Helena se vira para
encará-lo, erguendo uma das sobrancelhas.
— Não seja idiota — diz
ela, de forma ríspida —, estão é pensando como Caio conseguiu namorar Maia.
— Está dizendo que eu não
seria capaz de conquistar alguém como Maia? — pergunto em um sorriso.
— Amigo. Não. — diz
David, antes que Helena possa me responder. — Não me entenda errado, Caio.
Mas... Consegue imaginar o Bambi namorando
a Pequena Sereia?
— Não — respondo. — E
espero que isso nunca possa ocorrer. Mas o que tem de mais nisso? Quero dizer,
ela é uma garota e eu um garoto. Não é assim que funciona?
— Sim, assim que
funciona. No mundo dos filmes, é claro. Onde já se viu uma princesa namorar um
plebeu? Se for dizer Aladdin, saiba
que está completamente enganado.
Penso em responder, mas
não consigo. Nunca encontrei um casal que pudesse servir de exemplo para minhas
afirmações. Por muito tempo pude perceber que aparência, ainda que tentem
negar, é extremamente importante em um mundo movido pela estética; além do
dinheiro, obviamente.
— Senhores... — Maia puxa
uma cadeira e se senta em nossa mesa, surpreendendo-me. — E Senhorita. —
Completa em uma curta reverência.
David ajeita o corpo imediatamente,
visivelmente espantado. Olha de um lado para o outro, com a boca tão aberta que
falta pouco para um mosquito não invadi-la.
— Está tudo bem? — pergunta
ele, voltando atenção para Maia.
— Comigo? Sim. Tudo
ótimo. Por quê? — ela sorri, pegando uma das minhas batatas.
— Porque você está
sentada conosco, é claro. Na verdade nunca te vi no refeitório antes. O que é
intrigante, para ser sincero.
— Eu prefiro sala de
música — abre seu sorriso, como se estivesse de bom humor. — E eu precisava vê
como estava esse pequeno gafanhoto, não é? — Passa um dos braços em volta do
meu ombro, me dando um beijo na bochecha.
Não entendo exatamente o porquê
e certamente jamais irei entender, mas tenho uma imensa vontade de poder bater
minha cabeça na mesa até acabar com todo constrangimento que circula meu corpo.
Nunca tive tanta vergonha antes.
Fico paralisado por um
minuto ou dois, sem saber como devo reagir.
Maia solta uma
gargalhada.
— Tadinho, ficou parecendo
um pimentão — ela comenta, apoiando a cabeça em meu ombro. — Não precisa ficar assim.
Somos namorados, não somos? Relaxa. Está tudo bem. Agora esses alunos sabem
mesmo que você está namorando alguém.
Engulo em seco.
É
só um beijo. Apenas um beijo na bochecha. Não é nada de mais.
Pego um das batatas e
coloco na boca. Não sinto gosto de nada. Minha mente está completamente
travada. Não esperava receber um beijo de Maia, tampouco no meio de tantas
pessoas. Ela sabe mesmo como deixar alguém envergonhado.
— Mike parece tão bobo
que se eu estivesse no lugar dele enfiaria minha cara no chão e nunca mais
voltaria para superfície — David está sorrindo, encarando Mike, do outro lado
do refeitório.
— Quem é Mike? — pergunta
Maia, tirando a cabeça do meu ombro e girando o corpo em um rápido movimento, a
fim de enxergá-lo.
— Um garoto idiota, que
age de maneira idiota e tudo o que faz é querer parecer um idiota. E também
gosta de ser idiota com o Caio — responde Helena, um tanto sem entusiasmo, eu
diria. — Ele gosta de tirar sarro desse pequeno
gafanhoto.
— E vocês nunca fizeram
nada? — Maia parece não identificar Mike no meio de tantos alunos presentes.
— É o garoto estranho que
provavelmente está olhando para nossa mesa — digo para ela, baixinho. — Cabelo
despenteado e barriga avantajada — completo.
— Agora eu vi — ela
sorri. — Obrigada.
— Helena já grudou uma
mão cheia na cara dele. Foi incrível — diz David, relembrando de dias atrás. —
Além disso, não. Nunca fizemos nada.
— Isso sim é fazer algo —
Maia abre o sorriso. — Mas e você, Caio? Ele pega no seu pé, não é? Não acha
que deveria se vingar?
— Não — respondo, sorrindo,
como se tivesse acabado de escutar uma piada. — Não posso simplesmente bater
nele. Olha para mim, pareço uma mosca.
— Não precisa bater para
se vingar de alguém. Anda. Vem comigo — Maia se coloca de pé e segura em meu
pulso.
— Para onde?
— Não se preocupe. Venha!
— Não sei se quero.
— Venha, Caio! — me puxa,
em uma tentativa de me colocar de pé. — Não tenha medo.
Levanto-me. Uma sensação
estranha cruza meu corpo. Não gosto do que vem pela frente.
— Vai — escuto David
sussurrar, sorrindo.
Maia começar a caminhar e
eu, receoso, acompanho seus passos. Segue em direção à mesa de Mike. Alunos nos
observam, quase que em silêncio. Sinto meus pés e mãos suarem frio. Estou com
medo.
Ela para. Quatros alunos
sentados na mesa, sendo Mike um deles; junto com seus três melhores amigos.
Ninguém diz absolutamente nada. Maia apoia ambas as mãos na mesa, mantendo um
olhar direto, como se quisesse fritar alguém. Encara Mike.
— Eu sei o que você faz
com o meu namorado — começa ela, em voz alta. Meu coração bate tão forte que
espero não sair pela boca. — Rindo dele, debochando, “tirando sarro”, não é? Se
acha o engraçadão? O palhacinho da turma?
Não
precisa disso, Maia. Vamos embora. Penso, mas não me arrisco
a dizer.
— O que você está
fazendo? — pergunta Mike, tão perdido quanto eu.
— Não me interrompe,
garoto. Não sabe que é falta de educação cortar uma garota enquanto ela está
falando?
Mike nada diz, assim como
todo mundo presente. Ruídos podem ser escutados em algumas mesas por perto.
— Enquanto você zomba do
meu namorado, você está sozinho. Pense nisso. Acha que esses amigos ficarão com
você o resto da vida? Não seja ingênuo. Tudo não passa de uma farsa. Se acha o
máximo, não é? Mas aposto que nunca fez isso.
Maia se vira em minha
direção e, em um rápido movimento, me pega pela gola da camisa. Antes que eu
possa entender o que está acontecendo, sinto seus lábios grudados aos meus.
Escuto uma onda de vaia ecoar pelo salão do refeitório, mas isso não faz
diferença. Pela primeira vez na vida, eu beijei uma garota.
Ela solta de mim,
enquanto abro meus olhos, completamente atônito.
— Tente ser melhor na
próxima vez, gorducho — Maia segura em minha mão e me leva de volta para nossa
mesa. Avisto Kevin, escorado na parede, sorrindo. Maia ignora.
— Meu Deus do céu, o que
foi isso? — David está com os olhos arregalados, incrédulo, sorridente.
Helena não está presente.
— Apenas uma liçãozinha,
nada de mais — responde Maia, confiante. — Agora ele saberá com quem não deve
mexer. — sorri. — Você está bem?
— Eu? — Engulo em seco.
Não sei o que se passa na minha cabeça. — Acho que sim. Talvez ótimo? Não sei. —
Sorrio, em uma tentativa de esconder meu nervosismo.
— Vocês arrasaram —
comenta David. — precisavam ver a cara desses idiotas. Ficaram em choque. — Solta
uma gargalhada.
É.
Eu também.
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Atualizado até capítulo 31
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