Capítulo 20

Maia já havia me passado uma breve recomendação

sobre o que fazer hoje nos corredores da escola, como tranquilizar meu corpo e

evitar uma fuga repentina, mas meu nervosismo não me deixa pensar da melhor

maneira possível. Estou suando demais para andar com uma garota bonita e

inteligente como ela; além de toda ansiedade estampada em meu rosto. Outros alunos

certamente irão perceber que não passo de uma farsa.

— Não se preocupe, tudo

bem? — Maia tenta me acalmar, ainda nos degraus da escada. Alunos sobem e

descem, e eu sinto meu coração bater cada vez mais forte. Olhares seguem em

nossa direção, curiosos.

Concordo com um leve

aceno de cabeça. Meus lábios estão ressecados, impossibilitando que eu possa

dizer algo. Só quero poder tomar um gole de água.

— É só você pegar na

minha mão e assim passaremos pelos corredores, nada de mais. Não tenha medo.

Tudo bem assim?

Concordo novamente.

— Então vamos? — Maia

espera minha atitude de poder segurá-la pela mão, estendendo-a em minha

direção.

Não demoro e logo faço

questão de segurar em seus dedos, esquecendo-me do quão suadas minhas palmas

estão. Algo se aquece no fundo do meu estômago. Provavelmente medo.

Respiro fundo. Conto até

três antes de realizar meu primeiro passo. Não estou pronto para caminhar com

Maia pelos corredores da escola.

Não

pense demais. Não pense demais.

Um, dois, três degraus. Maia

me conduz, como um príncipe guiando uma princesa. Em poucos segundos percebo

olhares em nossa direção, espantados e curiosos. Não consigo manter minha

cabeça erguida por muito tempo, incomodado com olhares que me cercam, então

faço questão de abaixá-la.

— Nada disso. Levanta

essa cabeça — Maia sussurra em meu ouvido. — Não tenha medo. Só estamos

caminhando.

estamos caminhando. Penso.

Ainda sinto vontade de

encarar o chão. Não gosto de vê pessoas, tampouco de descobrir que elas estão

me vendo. Mas não posso demonstrar fraqueza e timidez em um momento como esse.

Preciso levantar minha cabeça e deixar que eles saibam quem eu sou. Saber quem

é Caio Benjamin, o garoto acompanhado por Maia.

Logo no canto direito,

após alguns passos pelo corredor, enxergo Mike, rindo com três de seus melhores

amigos. Um deles me observa e aponta em minha direção, arregalando os olhos.

Mike rapidamente se vira para me encarar. Minha respiração desacelera. Sinto

como se o chão pudesse desabar sob meus pés. Esqueço-me até mesmo de caminhar,

como se nunca soubesse andar antes. Meus passos seguem de forma desiquilibrada

e sem jeito.

Mike nada diz. Seus olhos

me fuzilam. Parece não acreditar no que vê, assim como seus amigos. Assim como

todo mundo da escola. Maia não se importa. Está sorrindo. Confiante. Acena para

algumas pessoas, sem medo ou vergonha.

— Só faça o que eu faço —

ela diz, sorrindo.

Mas não consigo. Não

posso acenar para pessoas ou cumprimentá-las; não sou tão confiante assim.

Porém, ergo minha cabeça ainda mais. Preciso me acostumar a não encarar mais o

chão, ainda que meu coração bata de forma descompensada e minha garganta se

fecha por causa do medo e timidez. Maia continua com sua trajetória, levando-me

pelos corredores da escola.

Garotas também se mostram

curiosas, encarando-me de modo sério, desentendidas. Até mesmo o professor

Edgar, saindo da sala da diretoria, olha em minha direção e entorta levemente a

cabeça para o lado, estranhando essa situação.

Eu, que no primeiro dia

de aula, fugi de sua sala.

— Kevin — Maia por fim

interrompe os passos, após caminhar por mais alguns metros.

Um garoto, escorado na

porta de um dos armários, nos observa.

— Maia — cumprimenta ele.

Silêncio.

Conheço Kevin. Quer

dizer, toda escola conhece Kevin. Jogador de futebol que, obviamente, já foi

destaque da escola. Barba quase feita, como se já estivesse na faculdade, e não

no ensino médio.

— Vejo que está

acompanhada — diz ele, apresentando um curto sorriso. Seus cabelos são longos e

loiros, chegando até altura dos ombros.

Maia ergue nossas mãos,

mostrando-as entrelaçadas.

Kevin abre ainda mais o

sorriso.

— E esse é?

— Caio — digo, tendo

falhas em minha voz. — Prazer, sou Caio. Namorado da... Maia. Namorado da Maia

— digo de forma mais convincente. Alto.

— Namorada da Maia, é? —

ele parece achar graça de alguma forma. — O prazer é meu, Caio. Sou Kevin.

 — Eu sei quem você é. Bem, na verdade todo

mundo sabe quem você — dou um ligeiro sorriso. — Não vi você jogando, mas tenho

certeza que deve arrebentar. Bonito cabelo, aliás.

— Obrigado. Nada além de

hidratantes, se quer mesmo saber — dá uma piscadela em minha direção, exibindo

seus dentes brancos.

Escuto Maia bufar.

— Vamos embora, Caio —

diz ela, apertando fortemente minha mão.

— Foi um prazer, Caio —

Kevin acena para mim, enquanto Maia me puxa e me faz andar novamente.

— O prazer foi todo meu —

digo em voz alta, sorrindo. — Ele parece ser bem simpático, não é? — pergunto

em um sussurro, sem deixar que Kevin e outras pessoas possam me escutar.

Mas Maia não me responde.

Seus passos são pesados e apressados, como um soldado marchando em combate

militar. Não acena para pessoas; nem mesmo para quem chama seu nome. Essa

escola não é tão grande assim para caminhar por longos minutos sem interrupção.

Não demora muito para que ela possa parar novamente, dessa vez em frente à sala

de música.

Está ofegante. Suada,

até.

— Pronto — coloca uma

mecha do cabelo atrás da orelha. Olha de um lado para o outro. — Fizemos nossa

primeira apresentação. Agora tente não abaixar sua cabeça com frequência,

algumas pessoas irão encarar você de um modo diferente. Não conte para ninguém

nosso plano, tudo bem? Você se saiu muito bem hoje, e amanhã será da mesma

forma, então trate de respirar fundo e agir como se fossemos namorados, entendido?

— Entendido — respondo.

— Pode me soltar agora.

— Desculpa — solto sua

mão, percebendo que estou excessivamente suado.

— Agora pode voltar para

sala — diz ela, suspirando. — Se alguém perguntar, diga estava me beijando na

sala de música.

— Tudo bem — sorrio.

Encaro seus olhos por um

momento. Toda raiva que pareceu demonstrar agora pouco, parece não existir

mais. Seus semblantes estão relaxados, assim como seus ombros.

— Agora pode ir — diz.

— Claro. É. Até mais —

giro sobre meus calcanhares, sorrindo.

Tento não abaixar minha

cabeça na ida para sala de aula, mas muitos alunos olham em minha direção, o

que me faz apressar os passos. Ainda não me acostumei com olhares de estranhos.

Sento em minha carteira minutos

depois, sem encarar outros alunos já sentados na sala. Estou ofegante. Nervoso.

Minhas mãos tremem.

Escuto burburinhos se

espalhando atrás de mim.

— Você se saiu muito bem,

ganharão — escuto David falar em meu ouvido, o que me faz relaxar.

***

Refeitório completamente

cheio. Sento na mesma mesa que David e Helena, como todos os dias, durante

anos. David não consegue esconder o sorrisinho eu seu rosto, me olhando de um

jeito sarcástico, como se esperasse o momento certo para dizer algo. Diferente

de Helena, que pouco se importa com minha presença, preferindo encarar suas

batatas fritas.

— Anos e anos sendo

excluídos da sociedade, como animais em hábitats diferentes — começa David,

pouco tempo depois de eu sentar —, e agora, vejam só. Todo refeitório virado para

nossa mesa, como se fossemos leões no meio de gazelas.

Helena se vira para

encará-lo, erguendo uma das sobrancelhas.

— Não seja idiota — diz

ela, de forma ríspida —, estão é pensando como Caio conseguiu namorar Maia.

— Está dizendo que eu não

seria capaz de conquistar alguém como Maia? — pergunto em um sorriso.

— Amigo. Não. — diz

David, antes que Helena possa me responder. — Não me entenda errado, Caio.

Mas... Consegue imaginar o Bambi namorando

a Pequena Sereia?

— Não — respondo. — E

espero que isso nunca possa ocorrer. Mas o que tem de mais nisso? Quero dizer,

ela é uma garota e eu um garoto. Não é assim que funciona?

— Sim, assim que

funciona. No mundo dos filmes, é claro. Onde já se viu uma princesa namorar um

plebeu? Se for dizer Aladdin, saiba

que está completamente enganado.

Penso em responder, mas

não consigo. Nunca encontrei um casal que pudesse servir de exemplo para minhas

afirmações. Por muito tempo pude perceber que aparência, ainda que tentem

negar, é extremamente importante em um mundo movido pela estética; além do

dinheiro, obviamente.

— Senhores... — Maia puxa

uma cadeira e se senta em nossa mesa, surpreendendo-me. — E Senhorita. —

Completa em uma curta reverência.

David ajeita o corpo imediatamente,

visivelmente espantado. Olha de um lado para o outro, com a boca tão aberta que

falta pouco para um mosquito não invadi-la.

— Está tudo bem? — pergunta

ele, voltando atenção para Maia.

— Comigo? Sim. Tudo

ótimo. Por quê? — ela sorri, pegando uma das minhas batatas.

— Porque você está

sentada conosco, é claro. Na verdade nunca te vi no refeitório antes. O que é

intrigante, para ser sincero.

— Eu prefiro sala de

música — abre seu sorriso, como se estivesse de bom humor. — E eu precisava vê

como estava esse pequeno gafanhoto, não é? — Passa um dos braços em volta do

meu ombro, me dando um beijo na bochecha.

Não entendo exatamente o porquê

e certamente jamais irei entender, mas tenho uma imensa vontade de poder bater

minha cabeça na mesa até acabar com todo constrangimento que circula meu corpo.

Nunca tive tanta vergonha antes.

Fico paralisado por um

minuto ou dois, sem saber como devo reagir.

Maia solta uma

gargalhada.

— Tadinho, ficou parecendo

um pimentão — ela comenta, apoiando a cabeça em meu ombro. — Não precisa ficar assim.

Somos namorados, não somos? Relaxa. Está tudo bem. Agora esses alunos sabem

mesmo que você está namorando alguém.

Engulo em seco.

É

só um beijo. Apenas um beijo na bochecha. Não é nada de mais.

Pego um das batatas e

coloco na boca. Não sinto gosto de nada. Minha mente está completamente

travada. Não esperava receber um beijo de Maia, tampouco no meio de tantas

pessoas. Ela sabe mesmo como deixar alguém envergonhado.

— Mike parece tão bobo

que se eu estivesse no lugar dele enfiaria minha cara no chão e nunca mais

voltaria para superfície — David está sorrindo, encarando Mike, do outro lado

do refeitório.

— Quem é Mike? — pergunta

Maia, tirando a cabeça do meu ombro e girando o corpo em um rápido movimento, a

fim de enxergá-lo.

— Um garoto idiota, que

age de maneira idiota e tudo o que faz é querer parecer um idiota. E também

gosta de ser idiota com o Caio — responde Helena, um tanto sem entusiasmo, eu

diria. — Ele gosta de tirar sarro desse pequeno

gafanhoto.

— E vocês nunca fizeram

nada? — Maia parece não identificar Mike no meio de tantos alunos presentes.

— É o garoto estranho que

provavelmente está olhando para nossa mesa — digo para ela, baixinho. — Cabelo

despenteado e barriga avantajada — completo.

— Agora eu vi — ela

sorri. — Obrigada.

— Helena já grudou uma

mão cheia na cara dele. Foi incrível — diz David, relembrando de dias atrás. —

Além disso, não. Nunca fizemos nada.

— Isso sim é fazer algo —

Maia abre o sorriso. — Mas e você, Caio? Ele pega no seu pé, não é? Não acha

que deveria se vingar?

— Não — respondo, sorrindo,

como se tivesse acabado de escutar uma piada. — Não posso simplesmente bater

nele. Olha para mim, pareço uma mosca.

— Não precisa bater para

se vingar de alguém. Anda. Vem comigo — Maia se coloca de pé e segura em meu

pulso.

— Para onde?

— Não se preocupe. Venha!

— Não sei se quero.

— Venha, Caio! — me puxa,

em uma tentativa de me colocar de pé. — Não tenha medo.

Levanto-me. Uma sensação

estranha cruza meu corpo. Não gosto do que vem pela frente.

— Vai — escuto David

sussurrar, sorrindo.

Maia começar a caminhar e

eu, receoso, acompanho seus passos. Segue em direção à mesa de Mike. Alunos nos

observam, quase que em silêncio. Sinto meus pés e mãos suarem frio. Estou com

medo.

Ela para. Quatros alunos

sentados na mesa, sendo Mike um deles; junto com seus três melhores amigos.

Ninguém diz absolutamente nada. Maia apoia ambas as mãos na mesa, mantendo um

olhar direto, como se quisesse fritar alguém. Encara Mike.

— Eu sei o que você faz

com o meu namorado — começa ela, em voz alta. Meu coração bate tão forte que

espero não sair pela boca. — Rindo dele, debochando, “tirando sarro”, não é? Se

acha o engraçadão? O palhacinho da turma?

Não

precisa disso, Maia. Vamos embora. Penso, mas não me arrisco

a dizer.

— O que você está

fazendo? — pergunta Mike, tão perdido quanto eu.

— Não me interrompe,

garoto. Não sabe que é falta de educação cortar uma garota enquanto ela está

falando?

Mike nada diz, assim como

todo mundo presente. Ruídos podem ser escutados em algumas mesas por perto.

— Enquanto você zomba do

meu namorado, você está sozinho. Pense nisso. Acha que esses amigos ficarão com

você o resto da vida? Não seja ingênuo. Tudo não passa de uma farsa. Se acha o

máximo, não é? Mas aposto que nunca fez isso.

Maia se vira em minha

direção e, em um rápido movimento, me pega pela gola da camisa. Antes que eu

possa entender o que está acontecendo, sinto seus lábios grudados aos meus.

Escuto uma onda de vaia ecoar pelo salão do refeitório, mas isso não faz

diferença. Pela primeira vez na vida, eu beijei uma garota.

Ela solta de mim,

enquanto abro meus olhos, completamente atônito.

— Tente ser melhor na

próxima vez, gorducho — Maia segura em minha mão e me leva de volta para nossa

mesa. Avisto Kevin, escorado na parede, sorrindo. Maia ignora.

— Meu Deus do céu, o que

foi isso? — David está com os olhos arregalados, incrédulo, sorridente.

Helena não está presente.

— Apenas uma liçãozinha,

nada de mais — responde Maia, confiante. — Agora ele saberá com quem não deve

mexer. — sorri. — Você está bem?

— Eu? — Engulo em seco.

Não sei o que se passa na minha cabeça. — Acho que sim. Talvez ótimo? Não sei. —

Sorrio, em uma tentativa de esconder meu nervosismo.

— Vocês arrasaram —

comenta David. — precisavam ver a cara desses idiotas. Ficaram em choque. — Solta

uma gargalhada.

É.

Eu também.

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