Dizem que o amor machuca, como uma flor
solitária de um extenso deserto. O peito se aperta, borboletas dançam no fundo
do estômago e uma angustiante inquietação mental toma conta por dias e noites.
Não pensa como gostaria e não dorme como deveria. Se sente fraco e indefeso,
cansado talvez. Os olhos se fecham e lá está ela, sorrindo. Os olhos se abrem e
novamente é ela quem aparece. Nenhuma outra pessoa parece boa o suficiente para
você. Nenhum rosto será tão atraente quanto o dela. Maldito amor, você pensa.
— Não se preocupe, o
verdadeiro amor ainda não apareceu. — É o que eu escuto dia após dia. Minha mãe
costuma acreditar piamente que pessoas estão predestinadas a conhecer alguém
que passará o resto de suas vidas juntos.
Não eu.
Mais da metade das
pessoas do mundo não se casam com o primeiro namorado ou o primeiro amor de
suas vidas. O tempo passa e você esquece que gostou tanto de alguém um dia. Uma
nova pessoa surge e então tudo começa, mais uma vez. Por que seria amor se ele
pode surgir mais de uma vez?
O que seria de fato mais
importante: um amor verdadeiro que machuca cada parte do seu corpo? Ou uma
pessoa que gosta do seu jeito de ser e não se importa se sente reações químicas
ou não? Como costumam dizer: mais vale uma pessoa recíproca do lado do que dois
amores voando. Bem, não acho que esse seja o verdadeiro ditado.
David me prometeu que
imprimiria milhares de folhetos e espalharia por toda escola — embora eu
prefira não ter que levar ninguém e ficar sentado em uma calçada suja e escura
e fingir que o casamento nunca aconteceu. Helena aceitou o árduo trabalho de
ter que me ajudar com a escolha de minha nova namorada de aluguel; mesmo eu não
concordando com esse nome. Não consigo imaginar uma fila de garotas esperando
ser escolhida para acompanhar um esquisitão até um casamento. O Caio do passado
certamente estaria decepcionado comigo nesse momento.
Escuto passos contra os
degraus da escada, me tirando dos poucos devaneios que rodeiam minha mente.
— Filho? Está tudo bem? —
pergunta minha mãe, batendo duas vezes na porta do quarto antes de entrar.
Não faz muito tempo que
desliguei o videogame. Olhos de Aço ficou com o primeiro lugar dessa vez.
— Oi — suspiro, ajeitando
meu corpo na cama. Estou deitando, sentindo o vento em mim. Gosto dessa
sensação. — Tudo bem, eu acho. E você? Como foi o trabalho?
— Nada do que reclamar,
não é mesmo? — Ela sorri, se aproximando. Senta na cama, colocando uma mecha do
cabelo atrás da orelha. — Então... Tudo pronto para o casamento? Já escolheu a
garota sortuda que irá acompanhar seus passos?
— Mãe. — Deixo um sorriso
surgir, constrangido. — Não, não escolhi. Não sou bom com garotas, sabe disso.
Seria diferente se fosse com dinossauros. Ninguém supera o poderoso Rex.
— Ou diretores de
cinemas.
— Não teria graça. Todo mundo
sabe que é Stanley Kubrick.
Gosto do perfume que
exala de minha mãe. Meu pai costuma usar desodorantes fortes e exagerados, como
se quisesse mostrar para todo o mundo o quanto parece mais másculo e destemido.
Minha irmã se contenta com fragrâncias sofisticadas e duradouras na pele. Não
minha mãe. Seu cheiro é doce, mas não forte. Leve, mas não fraco. Mais parece
uma brisa fria do outono, cuja sensação aguça seus sentidos e traz lembranças
ocultas do passado.
Seus olhos estão em mim,
como se soubesse que eu tenho algo para dizer.
Não consigo permanecer
tanto tempo calado, então começo:
— Você sabe como David é,
certo? — suspiro, pensando em como poderei explicar o que está acontecendo. —
Amante de baleias, gosta de resolver tudo que surge em seu caminho, um pouco
dramático, eu diria. Não gosta de...
— Sim, eu sei como David
é. — Minha mãe me interrompe, com um sorrisinho do rosto. Suas sobrancelhas
estão juntas. — O que aconteceu?
— Então. — Respiro fundo.
Não consigo olhar em seus olhos por muito tempo, desse modo encaro o teto acima
de nossas cabeças. — Vamos imaginar, hipoteticamente, que eu esteja fazendo uma
seletiva. Alguns cartazes pela escola, talvez. E, hipoteticamente, David
resolve me ajudar com algumas meninas. É o que ele tenta fazer. Mas vamos
colocar uma recompensa, tudo bem?
— Caio...
— Ficaria chateada se por
acaso, hipoteticamente, eu entregasse, vamos dizer... Todo meu dinheiro para
uma namorada de aluguel?
— Para o que? — Seus
olhos se arregalam por um instante.
— Namorada de aluguel —
digo, ainda que envergonhado. Sento na cama, observando os cenhos franzidos e
olhar curioso que minha mãe me lança. Seu rosto está limpo, sem maquiagem. Cabelo
solto. — Mas acho que soaria melhor algo como: “namorada por uma noite”.
— Espera. — Ela pede. —
Está me dizendo que você...
— Não, David — corrijo. —
Vamos dizer que Helena também.
— Caio...
— Mãe! — Deito novamente,
escondendo o rosto com minhas mãos. — Eu não consigo, tudo bem? São muitas
garotas e poucas opções. É uma escola grande, e todo mundo só quer um pouco de
atenção. Foi isso que David me ensinou. Não posso simplesmente chegar em uma
garota e dizer: oi, tudo bem? Quer me acompanhar até um casamento de um idiota?
— Seu primo não é idiota.
— Sim, ele é. Muito
idiota por sinal. Mas isso não vem ao caso. A questão é que eu não consigo,
entendeu? — Encaro seus olhos mais uma vez. — Não quero que ele pense que eu
não consigo levar ninguém. Não quero levar Helena porque ele sabe quem ela é, e
vai saber que só aceitou por ser minha amiga.
Estou acostumado com
minha mãe respondendo de forma rápida e espontânea, como se não precisasse
pensar muito antes de agir. Mas não dessa vez. Mesmo que seus olhos estejam em
mim, estudando meu rosto, ela nada diz. Em um pulo se coloca de pé. Não muito
tempo depois caminha de um lado para o outro. Morde uma das unhas. Costuma
fazer isso quando se mostra apreensiva.
— Quanto? — pergunta,
ainda andando em círculos.
— Todo meu dinheiro? —
ergo uma das sobrancelhas.
Faz um som com a
garganta, mas nada diz. Sua inquietação me deixa aflito também. Garotas,
dinheiro, vergonha e casamento. Tudo surge em minha mente, como um flash
repentino. Sinto falta de ar. Minha garganta se fecha.
Respire
fundo. Vai ficar tudo bem.
Solto o ar lentamente,
assim como me ensinaram.
Um,
dois, três...
Inspiro e expiro.
— E sua câmera? Você
estava guardando esse dinheiro por tanto tempo, vai querer gastar assim? Sabe o
quanto ela poderia te ajudar... — diz minha mãe, sentando na cama novamente.
— Acho que poderei
conviver com isso — respondo. — Sei que parece idiotice, alguém gastar todo
esse dinheiro com uma garota que nem sequer conhece, e ainda por uma noite
apenas, mas... — Inspiro e expiro. — Seria importante para mim, mãe.
É
o certo, não é? Ou estou me precipitando demais?
Os olhos de minha mãe
estão fixos em mim, como dois diamantes negros. Não entendo porque não consigo
encará-los por muito tempo.
— Filho. — Repousa uma de
suas mãos sobre meu joelho. Está fria. Sua boca se abre, mas logo se fecha.
Parece encontrar palavras. — Eu sei que não gostamos de ter planos estragados,
e não estou aqui para estragar o seu, não é isso. Mas, se quer mesmo pagar
alguém para te seguir até esse casamento, não serei eu que irei te impedir. Mas
só quero que pense com cuidado. É um
dinheiro que, mesmo que pareça pouco, pode ser muito para alguém, tudo bem? Então
pense um pouco antes de escolher essa pessoa.
Concordo com um aceno de
cabeça. Não tenho palavras. Ela está certa, apesar de tudo. Não posso
simplesmente escolher alguém que se encaixe apenas em meus gostos e propósitos,
mas que necessite desse dinheiro também — embora, como minha mãe mesmo afirmou,
pareça pouco.
— Então, o que me diz? —
pergunta ela. — Sua mãe está sempre certa ou não?
— Convencida também —
sorrio.
***
Cumprimento o motorista com um ligeiro
aceno de cabeça e entro no ônibus, sentindo, imediatamente, algo acertar minha
testa. Uma bolinha de papel. Risadas ecoam pelo corredor. Levanto minha cabeça
por um rápido segundo e enxergo David e Helena sentados à direita. Me aproximo.
— Gostou dessa, Forrest
Gump? — grita Mike, seguido por uma risada alta. — Se chama lixo no lixo!
Ignoro suas palavras e
sento no banco. Um calor infernal paira por toda cidade. Se não fosse pelo
nervosismo e ansiedade que corrói meu corpo, em culpa dos malditos anúncios, eu
certamente estaria preocupado com olhares em minha direção.
— Está pronto para o dia
mais incrível da sua vida? Mulheres fazendo filas para sair com um garoto
introvertido e cheio de mistérios — diz David assim que ajeito meu corpo no
banco desgastado, movimentando e estendendo sua mão como se um extenso reino
estivesse em sua frente e eu fosse seu novo herdeiro.
— Não liga para ele, só
está assim porque não é ele quem estará saindo com alguma dessas garotas. E,
aliás, ninguém irá aparecer. — Sinto dois tapinhas em minhas costas, vindo de
Helena.
— Agradeço pelo apoio —
digo em um curto sorriso. — Não sei qual poderia ser pior.
Outra bolinha me acerta,
dessa vez minhas costas.
— Lixo no lixo! — grita
Mike novamente, e mais uma vez risadas ecoam pelo corredor do ônibus. — Hora de
correr pelo mundo, Forrest Gump!
— Cala essa maldita boca,
focinho de porco! — Helena se vira na direção do garoto sentado no fundo do
ônibus, berrando como uma verdadeira louca. — Não me faça quebrar esses dentes
cheios de merda, seu barril destampado!
Risadas ainda mais altas
surgem no interior do ônibus.
Mike parece constrangido
o suficiente para não abrir mais a boca, portanto, nada mais diz. Helena volta
sua atenção para mim, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha. Não havia
notado antes, mas pouca maquiagem habita em seu rosto. Diferente da garota
obscura que costuma ser.
— Então... — Ela respira
funda. — Vai nos contar o que fez? — pergunta, dessa vez encarando os olhos
castanhos de David.
O garoto engole em seco
antes de ter palavras saindo de sua boca.
— Bem... passei toda
noite imprimindo. — Tira da mochila uma quantidade surpreendente de folhetos. —
Acha que é o bastante?
— Eu achei bem exagerado.
— Sinto o hálito quente de Helena em minha orelha. Está perto demais. — Até
parece que iremos ficar entregando para todo mundo que surgir. Coisa mais
idiota.
— Mas é isso que iremos
fazer — confirma David.
— Quem irá fazer? Não me
coloca nisso, seu bundão. Não vou ficar entregando panfletos para garotas
desesperadas. Achei que só íamos colar ou pregar em algum lugar e deixar lá.
— Confesso que imaginei
mesma coisa. Eu não quero entregar esses panfletos — digo. — Além do mais, eu
jamais conseguiria entregar. Sabem disso.
— Estão dizendo que eu
farei isso sozinho?
— Bom... — encaro Helena
por um segundo. — Não tivemos essa ideia.
— Ela teve essa ideia —
diz David, se virando na direção da garota bem atrás de si.
— Eu disse que seria uma péssima
ideia, seu idiota. Não que era para fazermos. Não me coloca nisso. Eu estou
fora.
— Então é isso que vocês
farão com o seu melhor amigo? Passei toda noite imprimindo, deixando tudo
perfeitamente ajustado, com uma interrogação no rosto do Caio, e é assim que
sou tratado? É desse jeito que vocês querem voltar nesta cidade vinte e sete
anos depois?
Não preciso encarar
Helena para saber que ela revirou os olhos.
— Pode ter certeza que
voltarei sim. Mas para bater nesse rosto seu até virar um maldito palhaço
desfigurado — diz ela, bufando. — Agora para com esse drama todo e dá um jeito
de espalhar esses panfletos por toda escola. Estaremos esperando na biblioteca.
— Eu pensei que iríamos
nos encontrar na quadra — digo.
— Como assim? Não será na
sala do zelador? — pergunta David.
— Não, seus idiotas. O
zelador nem sequer tem sala, seu bobão. Precisamos fazer na biblioteca. Ninguém
vai até ela nos dias de hoje. É um lugar tranquilo, espaçoso e reservado —
responde Helena. — Alguém precisa usar o cérebro de vez em quando, estou
cansada de fazer isso sozinha.
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Atualizado até capítulo 31
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