Capítulo 8

Dizem que o amor machuca, como uma flor

solitária de um extenso deserto. O peito se aperta, borboletas dançam no fundo

do estômago e uma angustiante inquietação mental toma conta por dias e noites.

Não pensa como gostaria e não dorme como deveria. Se sente fraco e indefeso,

cansado talvez. Os olhos se fecham e lá está ela, sorrindo. Os olhos se abrem e

novamente é ela quem aparece. Nenhuma outra pessoa parece boa o suficiente para

você. Nenhum rosto será tão atraente quanto o dela. Maldito amor, você pensa.

— Não se preocupe, o

verdadeiro amor ainda não apareceu. — É o que eu escuto dia após dia. Minha mãe

costuma acreditar piamente que pessoas estão predestinadas a conhecer alguém

que passará o resto de suas vidas juntos.

Não eu.

Mais da metade das

pessoas do mundo não se casam com o primeiro namorado ou o primeiro amor de

suas vidas. O tempo passa e você esquece que gostou tanto de alguém um dia. Uma

nova pessoa surge e então tudo começa, mais uma vez. Por que seria amor se ele

pode surgir mais de uma vez?

O que seria de fato mais

importante: um amor verdadeiro que machuca cada parte do seu corpo? Ou uma

pessoa que gosta do seu jeito de ser e não se importa se sente reações químicas

ou não? Como costumam dizer: mais vale uma pessoa recíproca do lado do que dois

amores voando. Bem, não acho que esse seja o verdadeiro ditado.

David me prometeu que

imprimiria milhares de folhetos e espalharia por toda escola — embora eu

prefira não ter que levar ninguém e ficar sentado em uma calçada suja e escura

e fingir que o casamento nunca aconteceu. Helena aceitou o árduo trabalho de

ter que me ajudar com a escolha de minha nova namorada de aluguel; mesmo eu não

concordando com esse nome. Não consigo imaginar uma fila de garotas esperando

ser escolhida para acompanhar um esquisitão até um casamento. O Caio do passado

certamente estaria decepcionado comigo nesse momento.

Escuto passos contra os

degraus da escada, me tirando dos poucos devaneios que rodeiam minha mente.

— Filho? Está tudo bem? —

pergunta minha mãe, batendo duas vezes na porta do quarto antes de entrar.

Não faz muito tempo que

desliguei o videogame. Olhos de Aço ficou com o primeiro lugar dessa vez.

— Oi — suspiro, ajeitando

meu corpo na cama. Estou deitando, sentindo o vento em mim. Gosto dessa

sensação. — Tudo bem, eu acho. E você? Como foi o trabalho?

— Nada do que reclamar,

não é mesmo? — Ela sorri, se aproximando. Senta na cama, colocando uma mecha do

cabelo atrás da orelha. — Então... Tudo pronto para o casamento? Já escolheu a

garota sortuda que irá acompanhar seus passos?

— Mãe. — Deixo um sorriso

surgir, constrangido. — Não, não escolhi. Não sou bom com garotas, sabe disso.

Seria diferente se fosse com dinossauros. Ninguém supera o poderoso Rex.

— Ou diretores de

cinemas.

— Não teria graça. Todo mundo

sabe que é Stanley Kubrick.

Gosto do perfume que

exala de minha mãe. Meu pai costuma usar desodorantes fortes e exagerados, como

se quisesse mostrar para todo o mundo o quanto parece mais másculo e destemido.

Minha irmã se contenta com fragrâncias sofisticadas e duradouras na pele. Não

minha mãe. Seu cheiro é doce, mas não forte. Leve, mas não fraco. Mais parece

uma brisa fria do outono, cuja sensação aguça seus sentidos e traz lembranças

ocultas do passado.

Seus olhos estão em mim,

como se soubesse que eu tenho algo para dizer.

Não consigo permanecer

tanto tempo calado, então começo:

— Você sabe como David é,

certo? — suspiro, pensando em como poderei explicar o que está acontecendo. —

Amante de baleias, gosta de resolver tudo que surge em seu caminho, um pouco

dramático, eu diria. Não gosta de...

— Sim, eu sei como David

é. — Minha mãe me interrompe, com um sorrisinho do rosto. Suas sobrancelhas

estão juntas. — O que aconteceu?

— Então. — Respiro fundo.

Não consigo olhar em seus olhos por muito tempo, desse modo encaro o teto acima

de nossas cabeças. — Vamos imaginar, hipoteticamente, que eu esteja fazendo uma

seletiva. Alguns cartazes pela escola, talvez. E, hipoteticamente, David

resolve me ajudar com algumas meninas. É o que ele tenta fazer. Mas vamos

colocar uma recompensa, tudo bem?

— Caio...

— Ficaria chateada se por

acaso, hipoteticamente, eu entregasse, vamos dizer... Todo meu dinheiro para

uma namorada de aluguel?

— Para o que? — Seus

olhos se arregalam por um instante.

— Namorada de aluguel —

digo, ainda que envergonhado. Sento na cama, observando os cenhos franzidos e

olhar curioso que minha mãe me lança. Seu rosto está limpo, sem maquiagem. Cabelo

solto. — Mas acho que soaria melhor algo como: “namorada por uma noite”.

— Espera. — Ela pede. —

Está me dizendo que você...

— Não, David — corrijo. —

Vamos dizer que Helena também.

— Caio...

— Mãe! — Deito novamente,

escondendo o rosto com minhas mãos. — Eu não consigo, tudo bem? São muitas

garotas e poucas opções. É uma escola grande, e todo mundo só quer um pouco de

atenção. Foi isso que David me ensinou. Não posso simplesmente chegar em uma

garota e dizer: oi, tudo bem? Quer me acompanhar até um casamento de um idiota?

— Seu primo não é idiota.

— Sim, ele é. Muito

idiota por sinal. Mas isso não vem ao caso. A questão é que eu não consigo,

entendeu? — Encaro seus olhos mais uma vez. — Não quero que ele pense que eu

não consigo levar ninguém. Não quero levar Helena porque ele sabe quem ela é, e

vai saber que só aceitou por ser minha amiga.

Estou acostumado com

minha mãe respondendo de forma rápida e espontânea, como se não precisasse

pensar muito antes de agir. Mas não dessa vez. Mesmo que seus olhos estejam em

mim, estudando meu rosto, ela nada diz. Em um pulo se coloca de pé. Não muito

tempo depois caminha de um lado para o outro. Morde uma das unhas. Costuma

fazer isso quando se mostra apreensiva.

— Quanto? — pergunta,

ainda andando em círculos.

— Todo meu dinheiro? —

ergo uma das sobrancelhas.

Faz um som com a

garganta, mas nada diz. Sua inquietação me deixa aflito também. Garotas,

dinheiro, vergonha e casamento. Tudo surge em minha mente, como um flash

repentino. Sinto falta de ar. Minha garganta se fecha.

Respire

fundo. Vai ficar tudo bem.

Solto o ar lentamente,

assim como me ensinaram.

Um,

dois, três...

Inspiro e expiro.

— E sua câmera? Você

estava guardando esse dinheiro por tanto tempo, vai querer gastar assim? Sabe o

quanto ela poderia te ajudar... — diz minha mãe, sentando na cama novamente.

— Acho que poderei

conviver com isso — respondo. — Sei que parece idiotice, alguém gastar todo

esse dinheiro com uma garota que nem sequer conhece, e ainda por uma noite

apenas, mas... — Inspiro e expiro. — Seria importante para mim, mãe.

É

o certo, não é? Ou estou me precipitando demais?

Os olhos de minha mãe

estão fixos em mim, como dois diamantes negros. Não entendo porque não consigo

encará-los por muito tempo.

— Filho. — Repousa uma de

suas mãos sobre meu joelho. Está fria. Sua boca se abre, mas logo se fecha.

Parece encontrar palavras. — Eu sei que não gostamos de ter planos estragados,

e não estou aqui para estragar o seu, não é isso. Mas, se quer mesmo pagar

alguém para te seguir até esse casamento, não serei eu que irei te impedir. Mas

só quero que pense com cuidado.  É um

dinheiro que, mesmo que pareça pouco, pode ser muito para alguém, tudo bem? Então

pense um pouco antes de escolher essa pessoa.

Concordo com um aceno de

cabeça. Não tenho palavras. Ela está certa, apesar de tudo. Não posso

simplesmente escolher alguém que se encaixe apenas em meus gostos e propósitos,

mas que necessite desse dinheiro também — embora, como minha mãe mesmo afirmou,

pareça pouco.

— Então, o que me diz? —

pergunta ela. — Sua mãe está sempre certa ou não?

— Convencida também —

sorrio.

***

Cumprimento o motorista com um ligeiro

aceno de cabeça e entro no ônibus, sentindo, imediatamente, algo acertar minha

testa. Uma bolinha de papel. Risadas ecoam pelo corredor. Levanto minha cabeça

por um rápido segundo e enxergo David e Helena sentados à direita. Me aproximo.

— Gostou dessa, Forrest

Gump? — grita Mike, seguido por uma risada alta. — Se chama lixo no lixo!

Ignoro suas palavras e

sento no banco. Um calor infernal paira por toda cidade. Se não fosse pelo

nervosismo e ansiedade que corrói meu corpo, em culpa dos malditos anúncios, eu

certamente estaria preocupado com olhares em minha direção.

— Está pronto para o dia

mais incrível da sua vida? Mulheres fazendo filas para sair com um garoto

introvertido e cheio de mistérios — diz David assim que ajeito meu corpo no

banco desgastado, movimentando e estendendo sua mão como se um extenso reino

estivesse em sua frente e eu fosse seu novo herdeiro.

— Não liga para ele, só

está assim porque não é ele quem estará saindo com alguma dessas garotas. E,

aliás, ninguém irá aparecer. — Sinto dois tapinhas em minhas costas, vindo de

Helena.

— Agradeço pelo apoio —

digo em um curto sorriso. — Não sei qual poderia ser pior.

Outra bolinha me acerta,

dessa vez minhas costas.

— Lixo no lixo! — grita

Mike novamente, e mais uma vez risadas ecoam pelo corredor do ônibus. — Hora de

correr pelo mundo, Forrest Gump!

— Cala essa maldita boca,

focinho de porco! — Helena se vira na direção do garoto sentado no fundo do

ônibus, berrando como uma verdadeira louca. — Não me faça quebrar esses dentes

cheios de merda, seu barril destampado!

Risadas ainda mais altas

surgem no interior do ônibus.

Mike parece constrangido

o suficiente para não abrir mais a boca, portanto, nada mais diz. Helena volta

sua atenção para mim, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha. Não havia

notado antes, mas pouca maquiagem habita em seu rosto. Diferente da garota

obscura que costuma ser.

— Então... — Ela respira

funda. — Vai nos contar o que fez? — pergunta, dessa vez encarando os olhos

castanhos de David.

O garoto engole em seco

antes de ter palavras saindo de sua boca.

— Bem... passei toda

noite imprimindo. — Tira da mochila uma quantidade surpreendente de folhetos. —

Acha que é o bastante?

— Eu achei bem exagerado.

— Sinto o hálito quente de Helena em minha orelha. Está perto demais. — Até

parece que iremos ficar entregando para todo mundo que surgir. Coisa mais

idiota.

— Mas é isso que iremos

fazer — confirma David.

— Quem irá fazer? Não me

coloca nisso, seu bundão. Não vou ficar entregando panfletos para garotas

desesperadas. Achei que só íamos colar ou pregar em algum lugar e deixar lá.

— Confesso que imaginei

mesma coisa. Eu não quero entregar esses panfletos — digo. — Além do mais, eu

jamais conseguiria entregar. Sabem disso.

— Estão dizendo que eu

farei isso sozinho?

— Bom... — encaro Helena

por um segundo. — Não tivemos essa ideia.

— Ela teve essa ideia —

diz David, se virando na direção da garota bem atrás de si.

— Eu disse que seria uma péssima

ideia, seu idiota. Não que era para fazermos. Não me coloca nisso. Eu estou

fora.

— Então é isso que vocês

farão com o seu melhor amigo? Passei toda noite imprimindo, deixando tudo

perfeitamente ajustado, com uma interrogação no rosto do Caio, e é assim que

sou tratado? É desse jeito que vocês querem voltar nesta cidade vinte e sete

anos depois?

Não preciso encarar

Helena para saber que ela revirou os olhos.

— Pode ter certeza que

voltarei sim. Mas para bater nesse rosto seu até virar um maldito palhaço

desfigurado — diz ela, bufando. — Agora para com esse drama todo e dá um jeito

de espalhar esses panfletos por toda escola. Estaremos esperando na biblioteca.

— Eu pensei que iríamos

nos encontrar na quadra — digo.

— Como assim? Não será na

sala do zelador? — pergunta David.

— Não, seus idiotas. O

zelador nem sequer tem sala, seu bobão. Precisamos fazer na biblioteca. Ninguém

vai até ela nos dias de hoje. É um lugar tranquilo, espaçoso e reservado —

responde Helena. — Alguém precisa usar o cérebro de vez em quando, estou

cansada de fazer isso sozinha.

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