Capítulo 17

— Não é como se fosse um encontro, pai. Eu

já disse. Fomos à lanchonete e depois ao shopping, só isso. Mas não aconteceu

nada de mais, apenas amigos saindo em um dia comum.

— Amigos saindo em um dia

comum? — meu pai aperta os olhos em minha direção. — E quem é essa garota,

filho? — pergunta, apoiando os cotovelos na mesa e inclinando o corpo em minha

direção, curioso.

— É... Uma garota —

percebo minha voz falhar. — Sabe? Cabelo, olhos, boca... Uma garota apenas.

— Parece que meu

irmãozinho finalmente encontrou o amor da sua vida, não é? — minha irmã

apresenta um curto sorriso, como se achasse graça.

— Não é isso! — rebato,

sentindo suor escorrer em minha testa. — Nada de amor, na verdade. É uma amiga.

Apenas uma amiga. Só isso. Não é como se fossemos namorados, ou algo assim. Só

uma amiga, sabe? Nada de mais. Apenas amigos.

— Ficou nervoso,

irmãozinho?

— Filha, não precisa

pegar pesado com seu irmão — diz meu pai, mantendo calmaria de sempre. — Ainda

não são namorados. Mas tudo pode acontecer, não é filho?

— Não! Quer dizer... Não

sei — termino em um sussurro. — Mas é apenas uma amiga, entendeu? Que difícil de

compreender algo tão fácil.

Minha irmã mantém o

sorriso, enquanto meu pai continua com sua expressão tranquila e séria ao mesmo

tempo, ainda fitando meus olhos, como se quisesse desvendar meus segredos mais

profundos.

— Calma aí, irmãozinho.

Não precisa suar desse jeito. E não se preocupe, eu sei que são apenas amigos —

minha irmã dá uma piscadela em minha direção. — Amigos que fazem trocas de

babas.

— Meu Deus! Não! —

Aumento meu tom de voz, visivelmente constrangido. — Está calor, não é? Estou

me sentindo meio sufocado.

Minha irmã cai na

gargalhada.

— Filho, escute — meu pai

dá uma pausa antes de continuar. Respira fundo. — Não precisa ter vergonha,

tudo bem? Quando eu conheci sua mãe, no supermercado, eu não fazia ideia de que

ela seria a mulher da minha vida. O que eu poderia pensar? Eu era apenas um

rapaz magricelo que queria usar o banheiro. E sabe o que eu mais tive quando eu

a vi outra vez no mesmo dia, na festa? Medo. Tive medo de nunca mais poder

vê-la novamente, e medo de ficar sozinho para sempre sem ter alguém que eu amo

do meu lado. Se você gosta dessa garota, não tenha vergonha do que sente. Amor

é um sentimento lindo, que sempre deve ser respeitado.

Encaro os olhos escuros

do meu pai antes de responder. Imagens de um passado não vivido surgem em minha

mente, como filmagens de um filme que jamais poderei assistir. Penso no

encontro entre meu pai e minha mãe, no dia em que eles se conheceram, na festa.

Será que estava tão nervoso quanto eu fico diariamente? Ela estava linda? Como

meu pai se saiu naquele dia?

— Tudo bem, filho? —

pergunta meu pai, trazendo-me de volta ao mundo real.

— Sim... Quer dizer, eu

queria poder concordar com o senhor, pai. Mas eu não acredito no amor. E, se de

fato esse sentimento existir, certamente não é o que eu sinto no momento.

Antes que meu pai possa

me responder, escuto barulho de porta se abrindo. Minha mãe, voltando mais cedo

do que habitual. Seus passos soam no silêncio da noite.

— Filho, oi — parece

surpresa em me vê. Sorri. — Está tudo bem?

— Sim — respondo,

retribuindo o sorriso. — Estou conversando com papai e irmã. Como foi o

serviço?

— Muito bem, obrigada —

percebo sua expressão mudar, franzindo o cenho em minha direção. — Sobre o que

estavam falando? Espero que não seja sobre mim.

Meu pai sorri.

— Não — respondo. —

Sobre... Coisas da vida.

— Coisas da vida, é? E

isso envolve garota misteriosa e envolvente, que deixou o coração de um garoto

frágil como papel?

— Como consegue ser tão

boa?

— É o poder de uma mãe,

filho — responde, sorrindo. — Agora me dá licença que eu preciso de um banho

bem quente e relaxante. Aproveitem a noite, rapazes.

— E mocinha — completa

minha irmã, em um murmúrio.

Vejo minha mãe sumir,

desaparecendo no corredor escuro.

— Filho — meu pai me chama

mais uma vez. — Não tenha vergonha, tudo bem?

Assinto com a cabeça.

Pouco tempo depois,

enquanto minha mãe se deliciava com um prazeroso banho, eu subo para o quarto.

Não demoro muito para ligar o videogame, iniciando mais uma partida de Matando

Dinossauros. Black Jack não pôde estar presente dessa vez, o que desequilibrou

toda equipe, deixando-me em terceiro lugar, atrás de John e Olhos de Aço.

Antes de descobrir o

misterioso e encantador mundo dos jogos, eu não tinha muito que fazer nessa

casa. Permanecia apenas deitado em minha cama, lendo algum livro ou quadrinhos;

além de filmes, é claro. Minha eterna paixão. Mas não tenho certeza se ser

diretor de cinema é o que eu deveria fazer. Toda pressão para fazer um filme

perfeito, tensão no set de filmagens e solucionar erros que passam

despercebidos pela maioria. Parece um tanto quanto assustador, eu diria.

Principalmente porque eu estaria trabalhando com atores e atrizes famosas, o

que certamente aumentaria meu nervosismo.

Mas isso não importa no

momento. Ainda tenho um pequeno tempo antes de saber o que realmente eu deveria

fazer. Algumas pessoas descobrem pelo acaso, quando estão lendo algum livro ou

presenciando algum acontecimento marcante. Meu pai costumava colocar filmes

para assistirmos quando eu era criança, sempre com um gênero diferente, desde

suspense até comédia romântica. Ensinou-me o lado ruim e o lado bom de cada

história, o que eu deveria levar para meus conhecimentos ou o que eu deveria

descartar para não me tornar um psicopata assassino. Costumava anotar o que de

mais importante aconteceu no filme e os erros mais graves, além de notas

finais. Eu o entregava e ele avaliava, concordando ou não com minhas anotações.

Diretor de cinema parecia

mesmo promissor para um garoto amante de filmes. Quero dizer, poder cuidar de

todo um set, gritar “corta” quando algo não sai conforme o planejado ou ser

reconhecido na rua, movido pela fama e sucesso. Comecei juntar dinheiro para

poder comprar uma câmera, mas que não adiantou muito. Maia interferiu nos

planos antes que eu pudesse comprá-la.

— Filho? — minha mãe me

chama, batendo duas vezes na porta antes de entrar no quarto.

Eu estava tão perdido em

pensamentos, principalmente no passado, que nem notei seus passos.

Ajeito meu corpo na cama,

sentando-me.

— Mãe — respondo,

sorrindo.

Ela se aproxima, sentando

perto de mim. Um leve aroma de sabonete de coco surge no ar. Seus cabelos estão

molhados.  Apesar do banho que tomou

agora pouco, percebo exaustão em seu olhar.

Ela me encara seriamente,

erguendo uma das sobrancelhas.

— O que? — pergunto, sem

entender.

— Precisarei perguntar o

que aconteceu hoje ou terei que ler sua mente?

Sorrio, desviando o olhar.

Pelo visto não poderei deixar de contar o que aconteceu hoje. Esfrego meus

olhos.

Respiro fundo. Por um rápido

momento, recordo de tudo o que aconteceu mais cedo, em uma tentativa de poder

contar todos os detalhes possíveis.

— Certo — suspiro. — Hoje

teve escola, medo, ansiedade, vergonha, Maia, shopping e roupas. Vou começar

pelo começo, contando parte por parte.

Minha mãe escuta tudo em

completo silêncio, dando oportunidade para que eu possa contá-la da maneira

mais calma e detalhada possível. Conto sobre meu medo em aparecer na frente de

Maia, nossa ida ao shopping e roupas compradas. Falo sobre ela ser minha

namorada de aluguel, e o que irá acontecer segunda-feira na escola — o que eu

ainda não tenho certeza, pois Maia disse que me contaria tudo na escola —, e

também sobre nosso demorado abraço após nos despedirmos, voltando para casa.

Um misto de sentimentos

indecifráveis toma conta de mim, cada vez que palavras saem da minha boca.

Talvez esperança, alívio, culpa e até medo, quando penso no futuro e no quanto

posso me machucar com tudo o que vem acontecendo. Uma mente confusa não é bem o

que eu preciso no momento.

— Então... — parece

pensar por um momento, assim que conto tudo o que minha mente suportou. — Ela

deu essa ideia, de serem namorados? E acha que seria uma boa escolha? —

pergunta minha mãe, cruzando os braços.

— Bem — engulo em seco

antes de responder. — Acredito que sim. Ou não?

— Eu não sei, filho. Isso

vai depender do quanto você gosta dela.

— Se for muito?

— Então... Não sei, pode

ser um problema. Quero dizer, você pode se apegar, não é? — ela pergunta,

colocando-se de pé. Coça uma das sobrancelhas.

— E isso seria ruim?

— Quando só um lado se

apega, sim. Não tenho dúvida que ela seja uma garota incrível. Do jeito que

você fala, parece mesmo alguém bem especial. Mas você tem certeza que quer

continuar com isso? Tudo bem ir ao casamento ou comprar roupas, vejo que ela

está se empenhando. Mas fingir ser um casal? Por quê?

Por

quê?

Não havia pensado nessa

pergunta. Maia me disse que seria bom para termos intimidade, mas por que

exatamente? Meu primo não se importaria com isso. E tenho certeza que outras

pessoas também não. Então por quê?

— Vejo que está tão

pensativo quanto eu — minha mãe sorri. — Bom... — estica os braços para cima,

alongando-os. Um gemido escapa de sua boca. — Agora é hora de dormir, filho. O

dia foi cansativo e tudo o que precisamos é de uma boa noite de sono, não é?

— Não tenho certeza —

sorrio. — Mas tentarei não pensar o bastante por hoje. Acho que preciso mesmo

descansar.

— Eu não tenho dúvida —

minha mãe caminha até onde estou. — Boa noite, filho — se abaixa e beija minha

cabeça, esfregando meus cabelos em seguida, que já não está tão bagunçado e

despenteado. — Adorei o que fez no cabelo. Deveria tentar mais vezes — diz ela,

exibindo seus dentes perfeitos.

— Pode deixar. Farei o

possível para parecer normal — digo.

Pouco tempo depois minha

mãe apaga a luz do quarto e fecha a porta, deixando-me só outra vez. Tento não

pensar em Maia e o porquê de decidir ser minha namorada de aluguel, mas não

consigo. Sinto como se não fosse capaz de controlar meus próprios pensamentos.

Por diversas vezes, principalmente quando permanecia por longas horas na frente

da TV, assistindo filmes, já me imaginei em uma Matrix, como se eu não pudesse escolher o meu próprio destino. Mas

não acho que seja o caso. Acredito que nossas escolhas que movem nosso próprio

mundo, sem mãos invisíveis e sem fios de marionete. Somos responsáveis pelo que

somos.

Ou será que estou

engando?

Bem, isso pouco importa.

Ficarei dois dias sem conversar com Maia. David e Helena pelo menos estarão

comigo amanhã, assistindo filmes, como costumamos fazer em todos os primeiros

sábados do mês. Não preciso pensar no futuro, não hoje. Acho que preciso mesmo é

de uma boa noite de sono e descansar.

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