— Não é como se fosse um encontro, pai. Eu
já disse. Fomos à lanchonete e depois ao shopping, só isso. Mas não aconteceu
nada de mais, apenas amigos saindo em um dia comum.
— Amigos saindo em um dia
comum? — meu pai aperta os olhos em minha direção. — E quem é essa garota,
filho? — pergunta, apoiando os cotovelos na mesa e inclinando o corpo em minha
direção, curioso.
— É... Uma garota —
percebo minha voz falhar. — Sabe? Cabelo, olhos, boca... Uma garota apenas.
— Parece que meu
irmãozinho finalmente encontrou o amor da sua vida, não é? — minha irmã
apresenta um curto sorriso, como se achasse graça.
— Não é isso! — rebato,
sentindo suor escorrer em minha testa. — Nada de amor, na verdade. É uma amiga.
Apenas uma amiga. Só isso. Não é como se fossemos namorados, ou algo assim. Só
uma amiga, sabe? Nada de mais. Apenas amigos.
— Ficou nervoso,
irmãozinho?
— Filha, não precisa
pegar pesado com seu irmão — diz meu pai, mantendo calmaria de sempre. — Ainda
não são namorados. Mas tudo pode acontecer, não é filho?
— Não! Quer dizer... Não
sei — termino em um sussurro. — Mas é apenas uma amiga, entendeu? Que difícil de
compreender algo tão fácil.
Minha irmã mantém o
sorriso, enquanto meu pai continua com sua expressão tranquila e séria ao mesmo
tempo, ainda fitando meus olhos, como se quisesse desvendar meus segredos mais
profundos.
— Calma aí, irmãozinho.
Não precisa suar desse jeito. E não se preocupe, eu sei que são apenas amigos —
minha irmã dá uma piscadela em minha direção. — Amigos que fazem trocas de
babas.
— Meu Deus! Não! —
Aumento meu tom de voz, visivelmente constrangido. — Está calor, não é? Estou
me sentindo meio sufocado.
Minha irmã cai na
gargalhada.
— Filho, escute — meu pai
dá uma pausa antes de continuar. Respira fundo. — Não precisa ter vergonha,
tudo bem? Quando eu conheci sua mãe, no supermercado, eu não fazia ideia de que
ela seria a mulher da minha vida. O que eu poderia pensar? Eu era apenas um
rapaz magricelo que queria usar o banheiro. E sabe o que eu mais tive quando eu
a vi outra vez no mesmo dia, na festa? Medo. Tive medo de nunca mais poder
vê-la novamente, e medo de ficar sozinho para sempre sem ter alguém que eu amo
do meu lado. Se você gosta dessa garota, não tenha vergonha do que sente. Amor
é um sentimento lindo, que sempre deve ser respeitado.
Encaro os olhos escuros
do meu pai antes de responder. Imagens de um passado não vivido surgem em minha
mente, como filmagens de um filme que jamais poderei assistir. Penso no
encontro entre meu pai e minha mãe, no dia em que eles se conheceram, na festa.
Será que estava tão nervoso quanto eu fico diariamente? Ela estava linda? Como
meu pai se saiu naquele dia?
— Tudo bem, filho? —
pergunta meu pai, trazendo-me de volta ao mundo real.
— Sim... Quer dizer, eu
queria poder concordar com o senhor, pai. Mas eu não acredito no amor. E, se de
fato esse sentimento existir, certamente não é o que eu sinto no momento.
Antes que meu pai possa
me responder, escuto barulho de porta se abrindo. Minha mãe, voltando mais cedo
do que habitual. Seus passos soam no silêncio da noite.
— Filho, oi — parece
surpresa em me vê. Sorri. — Está tudo bem?
— Sim — respondo,
retribuindo o sorriso. — Estou conversando com papai e irmã. Como foi o
serviço?
— Muito bem, obrigada —
percebo sua expressão mudar, franzindo o cenho em minha direção. — Sobre o que
estavam falando? Espero que não seja sobre mim.
Meu pai sorri.
— Não — respondo. —
Sobre... Coisas da vida.
— Coisas da vida, é? E
isso envolve garota misteriosa e envolvente, que deixou o coração de um garoto
frágil como papel?
— Como consegue ser tão
boa?
— É o poder de uma mãe,
filho — responde, sorrindo. — Agora me dá licença que eu preciso de um banho
bem quente e relaxante. Aproveitem a noite, rapazes.
— E mocinha — completa
minha irmã, em um murmúrio.
Vejo minha mãe sumir,
desaparecendo no corredor escuro.
— Filho — meu pai me chama
mais uma vez. — Não tenha vergonha, tudo bem?
Assinto com a cabeça.
Pouco tempo depois,
enquanto minha mãe se deliciava com um prazeroso banho, eu subo para o quarto.
Não demoro muito para ligar o videogame, iniciando mais uma partida de Matando
Dinossauros. Black Jack não pôde estar presente dessa vez, o que desequilibrou
toda equipe, deixando-me em terceiro lugar, atrás de John e Olhos de Aço.
Antes de descobrir o
misterioso e encantador mundo dos jogos, eu não tinha muito que fazer nessa
casa. Permanecia apenas deitado em minha cama, lendo algum livro ou quadrinhos;
além de filmes, é claro. Minha eterna paixão. Mas não tenho certeza se ser
diretor de cinema é o que eu deveria fazer. Toda pressão para fazer um filme
perfeito, tensão no set de filmagens e solucionar erros que passam
despercebidos pela maioria. Parece um tanto quanto assustador, eu diria.
Principalmente porque eu estaria trabalhando com atores e atrizes famosas, o
que certamente aumentaria meu nervosismo.
Mas isso não importa no
momento. Ainda tenho um pequeno tempo antes de saber o que realmente eu deveria
fazer. Algumas pessoas descobrem pelo acaso, quando estão lendo algum livro ou
presenciando algum acontecimento marcante. Meu pai costumava colocar filmes
para assistirmos quando eu era criança, sempre com um gênero diferente, desde
suspense até comédia romântica. Ensinou-me o lado ruim e o lado bom de cada
história, o que eu deveria levar para meus conhecimentos ou o que eu deveria
descartar para não me tornar um psicopata assassino. Costumava anotar o que de
mais importante aconteceu no filme e os erros mais graves, além de notas
finais. Eu o entregava e ele avaliava, concordando ou não com minhas anotações.
Diretor de cinema parecia
mesmo promissor para um garoto amante de filmes. Quero dizer, poder cuidar de
todo um set, gritar “corta” quando algo não sai conforme o planejado ou ser
reconhecido na rua, movido pela fama e sucesso. Comecei juntar dinheiro para
poder comprar uma câmera, mas que não adiantou muito. Maia interferiu nos
planos antes que eu pudesse comprá-la.
— Filho? — minha mãe me
chama, batendo duas vezes na porta antes de entrar no quarto.
Eu estava tão perdido em
pensamentos, principalmente no passado, que nem notei seus passos.
Ajeito meu corpo na cama,
sentando-me.
— Mãe — respondo,
sorrindo.
Ela se aproxima, sentando
perto de mim. Um leve aroma de sabonete de coco surge no ar. Seus cabelos estão
molhados. Apesar do banho que tomou
agora pouco, percebo exaustão em seu olhar.
Ela me encara seriamente,
erguendo uma das sobrancelhas.
— O que? — pergunto, sem
entender.
— Precisarei perguntar o
que aconteceu hoje ou terei que ler sua mente?
Sorrio, desviando o olhar.
Pelo visto não poderei deixar de contar o que aconteceu hoje. Esfrego meus
olhos.
Respiro fundo. Por um rápido
momento, recordo de tudo o que aconteceu mais cedo, em uma tentativa de poder
contar todos os detalhes possíveis.
— Certo — suspiro. — Hoje
teve escola, medo, ansiedade, vergonha, Maia, shopping e roupas. Vou começar
pelo começo, contando parte por parte.
Minha mãe escuta tudo em
completo silêncio, dando oportunidade para que eu possa contá-la da maneira
mais calma e detalhada possível. Conto sobre meu medo em aparecer na frente de
Maia, nossa ida ao shopping e roupas compradas. Falo sobre ela ser minha
namorada de aluguel, e o que irá acontecer segunda-feira na escola — o que eu
ainda não tenho certeza, pois Maia disse que me contaria tudo na escola —, e
também sobre nosso demorado abraço após nos despedirmos, voltando para casa.
Um misto de sentimentos
indecifráveis toma conta de mim, cada vez que palavras saem da minha boca.
Talvez esperança, alívio, culpa e até medo, quando penso no futuro e no quanto
posso me machucar com tudo o que vem acontecendo. Uma mente confusa não é bem o
que eu preciso no momento.
— Então... — parece
pensar por um momento, assim que conto tudo o que minha mente suportou. — Ela
deu essa ideia, de serem namorados? E acha que seria uma boa escolha? —
pergunta minha mãe, cruzando os braços.
— Bem — engulo em seco
antes de responder. — Acredito que sim. Ou não?
— Eu não sei, filho. Isso
vai depender do quanto você gosta dela.
— Se for muito?
— Então... Não sei, pode
ser um problema. Quero dizer, você pode se apegar, não é? — ela pergunta,
colocando-se de pé. Coça uma das sobrancelhas.
— E isso seria ruim?
— Quando só um lado se
apega, sim. Não tenho dúvida que ela seja uma garota incrível. Do jeito que
você fala, parece mesmo alguém bem especial. Mas você tem certeza que quer
continuar com isso? Tudo bem ir ao casamento ou comprar roupas, vejo que ela
está se empenhando. Mas fingir ser um casal? Por quê?
Por
quê?
Não havia pensado nessa
pergunta. Maia me disse que seria bom para termos intimidade, mas por que
exatamente? Meu primo não se importaria com isso. E tenho certeza que outras
pessoas também não. Então por quê?
— Vejo que está tão
pensativo quanto eu — minha mãe sorri. — Bom... — estica os braços para cima,
alongando-os. Um gemido escapa de sua boca. — Agora é hora de dormir, filho. O
dia foi cansativo e tudo o que precisamos é de uma boa noite de sono, não é?
— Não tenho certeza —
sorrio. — Mas tentarei não pensar o bastante por hoje. Acho que preciso mesmo
descansar.
— Eu não tenho dúvida —
minha mãe caminha até onde estou. — Boa noite, filho — se abaixa e beija minha
cabeça, esfregando meus cabelos em seguida, que já não está tão bagunçado e
despenteado. — Adorei o que fez no cabelo. Deveria tentar mais vezes — diz ela,
exibindo seus dentes perfeitos.
— Pode deixar. Farei o
possível para parecer normal — digo.
Pouco tempo depois minha
mãe apaga a luz do quarto e fecha a porta, deixando-me só outra vez. Tento não
pensar em Maia e o porquê de decidir ser minha namorada de aluguel, mas não
consigo. Sinto como se não fosse capaz de controlar meus próprios pensamentos.
Por diversas vezes, principalmente quando permanecia por longas horas na frente
da TV, assistindo filmes, já me imaginei em uma Matrix, como se eu não pudesse escolher o meu próprio destino. Mas
não acho que seja o caso. Acredito que nossas escolhas que movem nosso próprio
mundo, sem mãos invisíveis e sem fios de marionete. Somos responsáveis pelo que
somos.
Ou será que estou
engando?
Bem, isso pouco importa.
Ficarei dois dias sem conversar com Maia. David e Helena pelo menos estarão
comigo amanhã, assistindo filmes, como costumamos fazer em todos os primeiros
sábados do mês. Não preciso pensar no futuro, não hoje. Acho que preciso mesmo é
de uma boa noite de sono e descansar.
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Atualizado até capítulo 31
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