ENCONTRO MARCADO

ENCONTRO MARCADO

Capítulo 1

ELE ACORDOU ÀS cinco e meia. Um pouco atordoado, olhava fixo para o teto azul céu. O sonho aconteceu de novo, pensou. Com aquela mesma sensação: não sabe quando foi a última vez, mas sabe que já tinha sonhado antes. Dessa vez seria diferente. Hugo acendeu o abajur, sentado na cama. Na mesa de cabeceira, pegou a agenda e a caneta. Começou a escrever:

Tenho certeza que já sonhei com isso antes. Só não me lembro quando foi a última vez. Quando tento lembrar, é como se tivesse um buraco na minha memória. Como se essa parte dela tivesse sido sugada. Mas eu sei que esse mesmo sonho estava lá. É bizarro. Surreal. Eu estava numa sala de interrogatório, no cantinho fazendo a transcrição. Nessa sala tem uma única luz fluorescente no teto, daquelas que lembra um pouco aquelas séries policiais. De repente, um homem alto e branco abre a porta e fica na soleira. No sonho, eu fico estático. Sem reação. O cara pegou todo mundo de surpresa. Ele tinha cara de ser investigador, já que usava um distintivo. E trazia consigo um envelope branco tamanho A4 na mão. Nossos olhos se cruzaram. Daí eu acordo, tipo agora.

Hugo bateu com a caneta na folha, como quem tenta desbloquear a memória. Sem sucesso. Soltando ar, deixou a agenda com a caneta de lado. O sono já havia passado e, como conhecia a si mesmo, não valia a pena tentar dormir de novo. Levantou-se da cama. Abrindo um pouco a cortina, viu que o céu já estava claro.

No automático, tirou o samba-canção e se cobriu com a toalha rumo ao chuveiro.

Enquanto deixava a água cair pelo corpo, Hugo questionava o quanto era difícil a mente humana recuperar os sonhos da mesma forma nítida que aconteceu. Lembrou-se de ter assistido a um episódio de Black Mirror — aquele que o cara fica rebobinando memórias através de um dispositivo subcutâneo. Através dele, descobre uma traição da mulher e que não é o verdadeiro pai da menina.

Isso poderia acontecer também com os sonhos. Assim que a gente acordasse, um arquivo de vídeo estaria salvo neste dispositivo — cujo acesso seria pelo mini controle touch. Hugo viajava nessas ideias enquanto massageava os cabelos com shampoo.

Já que não existe até o momento essa tecnologia toda, ele teria que recorrer ao caderninho de anotações que deixava sempre ao lado da cama. É um quebra cabeça complicado: tentar descobrir exatamente quantas vezes tivera o mesmo sonho. É algo que o deixou intrigado.

Ele deixou a imaginação fértil de lado, cobrindo uma toalha na cintura — enquanto usava a outra pra secar o cabelo, olhando-se no espelho.

...****************...

TOMANDO CAFÉ SOZINHO, o celular tocou. Era Chiara, psiquiatra forense e sua melhor amiga. Hugo atendeu:

— Diga, meu amor.

— Bom dia, querido. Quanto tempo…

— Bom dia… Verdade. Como você tá?

— Tô bem. E você? Sumido…

— Estou aqui de folga. Finalmente.

— E está fazendo o quê neste dia de folga?

— Acabando a primeira refeição do dia — ele bebeu um gole de café. — E você?

— A fim de dar um rolezinho na praia. Vamo?

— Hum…

— Não aceito “não” como resposta.

— Eu não falei nada — Hugo riu.

— Garoto, a gente não se vê há um tempinho. Larga de ser bobo e vem me ver! — Brincou ela.

— Eu tinha planejado um dia bem preguiçoso aqui…

— Deixa pra ser preguiçoso mais tarde. É só uma manhã de praia. Vai fazer bem.

Chiara não desiste. Hugo sabia. Vencido, disse:

— Onde e que horas.

— No Leblon, às nove. Beijo! — Ela desligou.

— Beijo — Hugo balançou a cabeça para os lados, rindo. — Maluca.

...****************...

— VOCÊ VEM TOMAR café, filho? — Carmem entreabriu a porta do quadro de Pedro Henrique, que também acordou cedo.

— Tô indo, mãe — voltou a digitar no laptop. — Tô adiantando aqui algumas coisas antes de começar o dia de fato.

— Só não demora, hein. Bom dia — ela soprou um beijo.

— Bom dia — ele retribuiu o beijo de longe.

Desde que recebeu o caso de uma jovem desaparecida sob circunstâncias suspeitas, o faro de Pedro Henrique apontou para o Tráfico Internacional de Pessoas. Ele acordou antes do galo a fim de mergulhar nas pesquisas. As testemunhas vão dar os depoimentos mais tarde e ele precisa reunir pistas que podem ser cruciais. Trabalha como investigador na Polícia Federal de São Paulo há oito anos.

Esse tipo de tráfico rende mais de 30 bilhões de dólares por ano, atentou-se. Um negócio lucrativo, mas desumano. Continuou descendo a barra de rolagem, lendo outro artigo. Quanto mais ele lia, mais anotava no bloquinho de notas — escrevia sempre à mão.

...****************...

— BOM DIA, FAMÍLIA. — Pedro sentou-se à mesa, já servindo o próprio café da manhã.

— Acordou cedo, filho — Osvaldo ofereceu queijo coalho pra ele.

— Tive que madrugar, pai. Comer um pouquinho e continuar na Delegacia. Dia cheio.

— Caso novo?

— Desaparecimento.

— Credo — disse Carmem. — Viver em São Paulo não tá nada fácil, gente.

— Antes fosse, mãe. A garota não sumiu aqui.

— Não?

— Viajou a trabalho. Faz três dias que não dá notícia. Não liga, não manda mensagem e nem entra em rede social. Nada. Tô estudando algumas possibilidades.

— Minha nossa — Carmem ficou perplexa, mas se recompôs dizendo: — Tomara que dê tudo certo, então. Imagino como tá a mãe dessa menina…

— Tão em desespero. A família, amigos… Todo mundo.

— É de se imaginar. Ela é nova?

— Vinte e seis anos.

— Quase a sua idade. Gente…

— Daqui a pouco vou ouvir as testemunhas — Pedro levou a xícara de café até a boca.

...****************...

— ADOREI QUE VOCÊ VEIO... — Chiara deu um abraço em Hugo. Eles marcaram de se encontrar na praia do Leblon.


— Nunca mais tinha passado por aqui – comentou Hugo, olhando pro monte de areia e o mar que ficava um pouco depois.


— Eu também – Chiara levantou os óculos escuros. – Faz um tempinho que não sei o que é praia.


— Como você tá?


— Tô seguindo com a vida, até então. Trabalho, correria... E você?


— Trabalho, correria... – Hugo imitou o tom dela, sorrindo.


— Seu besta – Chiara riu, tapeando o ombro dele de leve. – E aí, a gente vai ficar numa barraca por aqui mesmo?


— Por mim, tá ótimo – Hugo deu de ombros.


 Eles seguiram até uma barraca vazia. Ninguém tinha ficado ali. Até porque o Leblon estava muito tranquilo antes das dez da manhã – o que era estranho. Hugo seguiu andando com Chiara até que congelou, ao olhar para a última pessoa que queria ver no mundo. Ele estava logo ali, de sunga e óculos escuros. Seguindo a vida. Como se nada tivesse acontecido. Como se ele não tivesse feito nada daquilo contra Hugo.

Hugo ficou paralisado ali.


— Que foi? – Chiara franziu a testa, surpresa. Ela olhou na mesma direção de Hugo e entendeu.


— Meu... – Ele soltou o ar. – Vamos embora daqui.

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Comments

Kaliane Bezerra Dos Santos Ka

Kaliane Bezerra Dos Santos Ka

ótimo ☺️☺️

2024-08-22

2

adelice miranda de aguiar

adelice miranda de aguiar

começando 21/08/24

2024-08-22

0

Maria Das Neves

Maria Das Neves

comecei a ler a sua história agora

2023-11-18

2

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