Uma Luz Em Nós
O barulho dos pneus no asfalto não estavam coerentes com os demais, devido ao trânsito e ao engarrafamento daquele fim de dia, deixando as nuvens cobrir a cidade, as motos ganhavam vidas e comodidade absurda pelas ruas da avenida Paulista. Mulheres gritando, crianças à flor da pele, homens de bermudas rasgadas e um coral intenso de buzinas ressoar pelos cantos daquele espaço fechado.
Em meio aquela multidão exasperadamente farta pela lentidão, Elisa Sande estava no telefone aos gritos, agarrava o volante com uma mão e a outra segurava o aparelho, rezando para estragar. Pensava: "nada diferente nos meus dias?", sem contar a surpresa que estava cinco quilômetros de distância à sua frente.
Do outro lado da avenida Paulista, o estresse diminuía e a multidão se distanciava. As árvores eram alinhadas, o escuro dominando a pista de corrida da área doze dos corredores dos domingos, os pássaros ainda cantarolavam diante das poucas pessoas que estavam distraídos com os seus “smartphones” de última moderação, mal conseguiam ouvir as vozes de outros e muito menos a gritaria de uma jovem desesperada por ajuda.
Vestida num vestido lilás, cobria apenas os sëios pequenos e parte das pernas, corria exasperada na direção da estrada. O cabelo desalinhado estavam soltos para trás, escondia boa parte do rosto choroso e as costas, era uma cor incomum de fios de cabelo, um loiro quase alaranjado. Estava descalça, enquanto as duas mãos seguravam a barriga com a intenção de diminuir aquela quantidade de dor que a dominava. A sensação de que algo estava errado, era o que mais a preocupava naquele segundo.
Se segurou para não gritar, com medo de que eles estivessem a seguir de alguma maneira. Sentiu as pernas esquentarem, o líquido morno derramando até os joelhos e parte do corpo amolecido. Chorou, com uma intensidade mais desesperada, nenhum carro naquela direção.
Os pés tocaram o cimento e ergueu um dos braços na direção de uma mulher, que caminhava com os auscultadores.
— Por favor, senhora...
A mulher ergueu os olhos.
— Por favor, preciso de ajuda... — Choramingou.
A mulher abaixou os olhos e observou a barriga da moça, erguendo as sobrancelhas e encarando-a com desprezo.
— Se não estivesse chapada, eu provavelmente ajudaria. — A mulher deu as costas e caminhou para longe da menina.
— Por favor. — Tentou gritar, segurando a barriga com as duas mãos, chorando.
Outras duas mulheres corria com os auscultadores, mas ignoraram a menina grávida, passando por ela e correndo na direção da pista. Nenhum carro passava, e quando passava, eram numa velocidade absurda, onde não a dava oportunidade para clamar misericórdia, ou pelo menos nem mesmo a viam chamar.
Entre aqueles que ultrapassam como raios, um Volkswagen branco movia-se numa mínima velocidade. Era a sua oportunidade de conseguir ajuda, então juntou todas as suas forças que sobraram nas veias e impulsionou o seu corpo na direção daquele veículo, que mantinha o percurso na mesma intensidade bruscamente lenta.
Gritou algumas vezes, mas o carro não parou. Agarrou barriga e correu na direção da rua, descendo o meio-fio e indo na direção do carro, que freou severamente na frente da jovem.
— Por favor. — Berrou chorando, colocando as mãos sobre o carro e sem conseguir se manter de pé.
A porta foi aberta rapidamente por uma mulher, uma jovem de cabelo preto e com as pontas pintadas de vermelho. Logo correu até a menina, encostada no carro e a agarrando pelos braços.
— Moça, pelo amor de Deus! O que houve? — Perguntou, preocupada.
— Estou perdendo o meu bebê, por favor... leve-me para o hospital.
Chorou.
— Venha comigo. — Agarrou a cintura dela e a puxou para o carro, colocando-a no banco da frente e correndo para o outro lado.
Abriu a porta e entrou, dando partida. Daquela vez, nos últimos cinco quilômetros num vagarosa lentidão, Elisa Sande apertou o tênis da Vans no acelerador e voou pelo asfalto.
— Qual o seu nome? — Perguntou, preocupada.
A menina permaneceu em silêncio, gemendo pela dor.
— O meu nome é Elisa, pode confiar em mim. Sou corretora de imóveis, o único mal que causo é comigo mesmo devido ao cigarro. — Ela disse, sem tirar a sua atenção da estrada.
A menina virou o rosto para ela, como se pensasse na sua resposta.
— Solare. O meu nome é Solare Campos. — Ela respondeu, gemendo de dor. — Pode me chamar de Sol.
— Então, Sol, qual o sexo do seu bebê?
Virou a esquina, numa rapidez absurda.
Sol transmitia confusão pelos olhos, desconfiada da misericórdia daquela moça. Mas também sabia, através dos muitos livros que lera naquele quarto trancada, que ela estava conversando sobre assuntos aleatórios para a manter distante da dor.
Sentiu uma pequena agulhada no pé da barriga, uma dor fina e insuportável. Grunhiu a garganta, suportando a dor, rastejando a sua voz para fora e agarrando a porta, passando a sua agonia para aquele plástico seco.
— Não sei o sexö dele. — Ela gemeu de dor e Elisa encarou-a desconfiada.
— Chegamos.
O hospital estava logo diante dos seus olhos, Hospital Salinas. Elisa foi a primeira a descer, correndo na direção de Sol e agarrando-a nos braços, caminhando para a portaria do hospital particular.
Entrou pelas portas de vidro e a levou para a recepção, a mulher escrevia algo na caderneta quanto Elisa berrou por ajuda.
— Senhoras, precisam preencher a ficha. — A mulher repetiu três vezes a mesma frase.
— Olha, aqui, ela está perdendo o filho dela. Se ele morrer por causa dessa ficha inútil, eu quebro a sua cara com ela mesmo. — Elisa gritou.
A mulher, assustada com a ameaça, chamou um enfermeiro de imediato. Chegou rapidamente, de encontro com as duas.
— Há quanto tempo está em trabalho de parto, mamãe? — O homem perguntou, educado, segurando os braços de Solare.
A menina gemeu de dor.
— D-desde ontem. — Ela gemeu.
— Meu Deus! — Elisa berrou, assustada.
— Venha, o seu bebê deve estar em perigo. — Ele levou-a para a sala de parto e Elisa correu, junto.
Na sala, um homem de cabelo curto, virou na direção das duas e preparou o lugar para que Solare se sentasse. Foi o que ela fez logo a seguir, com dificuldade. As suas pernas estavam cobertas pelo sangue, parte dele endurecido pelo calor de São Paulo.
Elisa virou as costas e Solare agarrou a sua mão, impedindo da garota e retirar da sala.
— Por favor, fique...
— É claro. — Ela ficou, atenta com o médico.
O homem colocou as luvas, a máscara azul e o enfermeiro ficou ao seu lado, com alguns utensílios necessários para o parto. O médico pediu para que Solare botasse força, ela gritou. A dor, estava numa intensidade maior, uma absurda agonia subindo por suas pernas e possuindo o seu quadril.
Os seus bravos tremiam, agarrado na cama hospitalar e na mão de Elisa. O seu sufoco assustava o seu peito, devastando a sua alma por cada centímetro das suas partículas. O medo, apreensão e euforia a deixar ainda mais imobilizada.
— Está quase. Vamos.
— AAAAAAAAA...
O choro da criança percorreu pelos corredores do hospital, atravessando a cabeça de Sol e a sua lágrima de alegria.
— É um belo menino. Parabéns, mamãe. — O médico falou, pegando o pano e cobrindo a criança.
Sol agarrou o filho e permitiu que a sua dor, se transformasse em alegria.
— Ele é perfeito! — Elisa gritou, contente.
— É, ele é sim. — Sol chorou. — Meu filho é lindo.
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Atualizado até capítulo 69
Comments
Luinne Ribeiro
mano que isso
2023-02-04
0
Meu Deus
2023-01-28
0
Ella Moura
Nossa! consegui sentir o desespero da Elisa e o caos do trânsito
2022-11-23
2