20

[ TESSA ]

Poucas semanas antes do Dia de Ação de Graças, entrei em um clima do tipo “os feriados são uma droga e eu também”. T udo começou em uma manhã quando estava atrasada para buscar a Ruby na escola. Com meu cabelo ainda molhado e Frank coberto de migalhas de pão, coloquei-0 em sua cadeirinha no carro, dei ré em minha minivan e imediatamente bati no portão da garagem, no portão fechado da garagem, resultando em um estrago que nos custou 3 mil dólares.

Mais tarde, no mesmo dia, em uma tentativa evidente de me fazer sentir melhor, Larry, nosso faz-tudo tatuado e bigodudo, o estereótipo perfeito, me informou que isso acontecia com muito mais frequência do que eu imaginava.

— E dá para acreditar? — ele continuava com um sotaque de Boston bem acentuado. — Geralmente é culpa dos homens.

— É mesmo? — perguntei levemente intrigada por essa pequena trivialidade.

Larry conf i rmou sério e disse:

— Acho que é porque os homens são mais ocupados, sabe?

Olhei para ele incrédula, com a raiva fervendo dentro de mim enquanto eu resistia à ânsia de contar a Larry quantas coisas passavam pela minha cabeça no momento em que saí de casa naquele dia, muito mais que meu marido, que saiu pela manhã com uma caneca térmica de café e o novo CD do Beck na mão. Assoviando.

Além de me sentir uma completa idiota e do comentário machista de Larry, o que mais me incomodou, em todo o ocorrido, foi minha reação instintiva enquanto eu fi cava parada na garagem, avaliando a cena da batida, pensando “Nick vai me matar”. Já havia ouvido essa frase algumas vezes, quase sempre proferida por minhas amigas mães em tempo integral, e isso sempre me deixou muito irritada, principalmente com mulheres que tentavam esconder as compras de seus maridos por medo de se meterem em apuros. O que sempre me fazia querer dizer: “Ele é seu pai ou seu marido?”.

Para ser clara, eu não estava com medo do Nick, mas estava preocupada que ele sentisse alguma aversão por mim, que dese?asse em segredo que sua esposa fosse um pouco mais estável emocionalmente, e não me lembrava de ?á ter me sentido assim antes.

O fato de Nick, no fi m das contas, ter compreendido o que acontecera e até mesmo ter se divertido com isso quando confessei meu lapso nervoso não foi um grande conforto, porque na verdade não mudou a realidade por trás disso tudo: de que o poder se deslocava entre nós e eu estava me tornando uma esposa carente, que necessitava da aprovação do marido, uma pessoa que eu não reconhecia, uma pessoa para a qual minha mãe me havia alertado.

Vários dias mais tarde, essa sensação voltou depois que Ryan, meu ex-noivo, me encontrou no Facebook e solicitou minha “amizade”. Percebi que estava torcendo para que isso deixasse Nick com ciúme e pensando que queria que ele sentisse ciúme.

Olhando fi xamente para a foto minúscula de Ryan usando óculos escuros da Ray-Ban, com um lago cintilante no fundo, liguei para Cate e dei a notícia.

— Eu sabia que ele entraria em contato com você um dia — ela disse, referindo-se ao nosso debate algum tempo atrás no qual eu insisti que nunca mais nos falaríamos. Em primeiro lugar, eu tinha uma carta implacável prometendo que esse seria o caso e, em segundo lugar, ninguém do nosso círculo de amigos ouvia falar dele desde nosso reencontro de cinco anos de formados.

— Será que eu conf i rmo a amizade? — perguntei.

— Claro que sim — Cate disse. — Você não quer saber o que ele anda fazendo? Se ele se casou?

— Acho que sim.

— Além disso, você não pode ignorar uma solicitação de amizade, é falta de educação — Cate continuou. — Principalmente quando foi você quem deu o fora.

— Então se ele tivesse terminado comigo eu poderia ignorar?

— Claro, ainda assim seria um pouco de falta de educação, mas um direito seu — Cate explicou de maneira decisiva, a mestre das nuances das redes sociais e das táticas de aproximação para amantes re?eitados.

— T udo bem, pronto — eu falei, com meu est?mago revirado de curiosidade e expectativa quando cliquei no botão para conf i rmar. Então fui diretamente para sua página e li suas atualizações, postadas na noite anterior: “Ryan está pegando sua balsa de volta para casa, tudo pronto para revisitar Middlesex”.

E eu dei uma pausa, pensando em como era estranho ter uma visão tão vívida da vida de outra pessoa depois de não ter nem ideia de o que ela andava fazendo durante a última década.

— O que foi? O que você viu? — Cate perguntou.

— Só um segundo — eu disse, enquanto examinava sua página, descobrindo rapidamente que ele morava em Bainbridge Island, mas trabalhava em Seattle, por isso a balsa. Ele ainda dava aula de inglês no ensino médio, era casado com uma mulher chamada Anna Cordeiro e tinha um cachorro, um husky siberiano, Bernie. Não tinha fi lhos. Seus interesses incluíam política, trilhas a pé, andar de bicicleta, fotograf i a e Shakespeare. Música favorita: Radiohead, Sigur Rós, Modest Mouse, Neutral Milk Hotel e Clap Your Hands Say Yeah. Livros: tantos que era difícil citar. Sua citação favorita era uma de Margaret Mead: “Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos preocupados e comprometidos possa mudar o mundo”. Nenhuma surpresa. Resumi tudo para Cate, que disse:

— E como ele está?

— Do mesmo ?eito, só que agora usa lentes de contato — eu falei, lembrando-me de quanto ele era cego sem aqueles óculos fundo de garrafa, ou fez cirurgia a laser.

— Ele ainda tem cabelo?

— Sim.

— E a esposa dele? É bonita ou nem tanto? — Cate perguntou como se estivéssemos investigando o ex dela.

— Sei lá. Bonita o suf i ciente, baixinha, dentes bonitos.

— Loira? — Cate tentou adivinhar.

— Não, parece ser latina, ou bastante bronzeada… Aqui.

Vou copiar e colar.

Mandei três fotos para a Cate. Uma de Ryan e Anna, de braços dados em um píer, vestindo casacos de inverno, com o cão em posição de alerta aos seus pés. A outra era de Anna sorrindo triunfante em uma montanha coberta de neve. E a terceira, um close dela com os lábios vermelhos dramáticos e com o cabelo preso em um coque baixo e arrumado.

Um nanossegundo depois, Cate abriu meu e-mail e exclamou:

— Droga, ela é novinha. Ryan papa-an?o.

— Acho que parece novinha, mesmo — eu disse, admitindo que nunca consegui identif i car a idade das pessoas, ao menos não quando alguém é mais ?ovem que É eu. É como se eu fosse mentalmente congelada por volta dos 31 anos.

— Isso te incomoda? — ela perguntou. — Você está com ciúme? Sente alguma coisa?

Eu sorri de seu interrogatório frenético e disse-lhe que precisava pensar em cortar a cafeína.

— Preciso mesmo — ela admitiu.

— T alvez você devesse comprar um peixe — sugeri provocando-a. — Dizem que eles acalmam a gente.

Ela riu e perguntou mais uma vez se eu estava ao menos com um pouco de ciúme.

— Não, não estou com ciúme, respondi sinceramente, enquanto continuava clicando nas 87 fotos de Ryan e Anna, e do cachorro, a maioria em cenários idílicos ao ar livre. Na verdade, eu disse a ela, era quase como se eu estivesse olhando as fotos de completos desconhecidos e não as fotos do homem com quem quase me casei.

— Ele parece realmente feliz, fi co feliz por ele — eu disse.

— Você vai mandar alguma mensagem para ele?

— E deveria?

— T ecnicamente, era ele quem tinha de mandar uma primeiro, ?á que ele te adicionou, mas vá em frente e se?a superior.

— E o que devo escrever?

— Algo genérico.

— Tipo o quê?

— Tipo… humm… “Bom saber que você está bem, ainda ensinando, curtindo a natureza. Cuide-se, T ess”.

Digitei as frases exatamente como ela disse e as postei antes que pudesse agonizar tentando encontrar as palavras mais adequadas. Instantaneamente, minha própria foto apareceu em seu mural. Em comparação com suas fotos artísticas, a minha foto tensa com as crianças ao lado da árvore de natal parecia totalmente encenada, sem nem um pouco do brilho ou da espontaneidade das fotos de Ryan.

— O.k., feito? — eu disse, pensando que realmente precisava mudar a foto do meu perf i l. Mas, infelizmente, não tinha nenhuma opção ma?estosa no topo de uma montanha.

— Postei.

— Você postou? No mural dele? — Cate perguntou horrorizada.

— Foi você quem disse para eu fazer isso? — eu exclamei em pânico, perguntando-me se não tinha entendido alguma coisa direito.

— Não, não. Não disse, não? — ela berrou. — Você deveria ter mandado um e-mail, particular, não em seu mural? T alvez ele não queira que a esposa ve?a? T alvez ela te odeie. Pode ser totalmente rancorosa.

— Duvido. Ela parece extremamente feliz.

— Você não sabe quais são os problemas dela.

— Bem, então devo deletar? — perguntei.

— Sim? Imediatamente. Ai que droga: preciso ir fazer cabelo e maquiagem. Mas me mantenha atualizada. Sem trocadilhos.

Eu ri e desliguei o telefone, agora paralisada pela última foto: uma foto em branco e preto de Anna, enrolada em um grande cobertor ao lado de uma fogueira, olhando de maneira adorável para a câmera. Mais uma vez disse a mim mesma que não estava com ciúme, mas não podia negar a pontada minúscula, quase imperceptível, em meu peito que voltou várias vezes durante aquele dia, forçando-me a entrar novamente no Facebook e ver a página de Ryan muitas outras vezes.

Por volta das 17 horas, ele ainda não havia respondido a minha postagem, mas havia mudado sua atualização para “Ryan agradece a sua esposa por sua previsão”.

Perguntando-me qual seria a previsão de Anna, voltei para a foto dela ao lado da fogueira, fi nalmente identif i cando com precisão o porquê daquela pontada mais cedo. Não era ciúme, pelo menos não associado a Ryan ou ao seu casamento, mas sim um anseio em relação a Nick, ao meu próprio casamento, às memórias de como nos conhecemos, de como as coisas costumavam ser. Se houvesse qualquer tipo de ciúme, era inve?a do olhar de total felicidade no rosto de Anna. O fato de que fora Ryan quem provavelmente havia inspirado aquele sorriso e, então, tirado a foto, transformado-a em uma foto eloquente em branco e preto, e postado no Facebook. T odas as coisas que nunca aconteceriam em minha casa. Não nestes últimos tempos, pelo menos.

Mais tarde naquela noite, depois de Ryan ter fi nalmente respondido a meu e-mail (“Bom te ver, também. Crianças lindas. Ainda está dando aulas?”), contei a Nick sobre a troca de e-mails, torcendo por uma reação territorial gratif i cante. Ou, talvez, uma pequena nostalgia quanto à história de nosso relacionamento. Af i nal de contas, foi Ryan quem nos uniu.

Mas, em vez disso, ele balançou a cabeça em forma de reprovação e falou:

— Quem imaginaria que esse cara tinha uma página no Facebook — e, então, pegou o controle remoto e mudou para a CNN.

Anderson Cooper estava apresentando uma retrospectiva sobre o tsunami, imagens assustadoras da destruição apareciam na tela.

— O que há de errado em ter uma página no Facebook?

— perguntei na defensiva, mais para a minha defesa do que para a de Ryan.

— Bom, para começar, é uma completa perda de tempo — ele respondeu, aumentando levemente o volume para ouvir um relato de um turista britânico sobre o desastre.

Fiquei indignada com sua insinuação de que eu tinha tempo a perder, enquanto ele era um ocupado cirurgião com coisa melhor para fazer.

— Não é não. É uma ótima maneira de voltar a ter contato com velhos amigos — eu me defendi.

— Claro, pode dizer isso a si mesma. Melhor ainda, pode dizer isso a esse fulano aí também — ele então me lançou uma piscadela ?ocosa, antes de voltar a ver televisão, tão seguro quanto estava logo no início, quando terminei meu noivado com outro homem em troca de uma mera possibilidade de fi car com ele. Antes, era o que mais gostava nele, sua conf i ança inabalável, mas agora parece um tipo de indiferença, e, enquanto eu fi ngia estar tão concentrada no documentário quanto ele, minha mente estava a mil, lembrando-me de como as coisas eram e de como tudo começou.

“Oi, Nick. Aqui quem fala é a T essa Thaler. Do metr?.”

Lembrava-me de ter escrito as palavras em um papel, como um script, criando coragem para ligar para ele, treinando com Cate e mudando o tom de voz de sóbrio para provocante e então para animado.

— Faça esse mais uma vez — mandava Cate de seu lugar favorito em meu futon, que era, na verdade, o único lugar disponível para se sentar desde que Ryan havia se mudado com nosso sofá seis semanas antes. — Mas, agora, sem crescer no fi nal.

— O quê? — perguntei com as palmas das mãos suadas.

— Você está terminando a frase com uma entonação de pergunta. Parece que você mesma não tem certeza de quem você é. Aqui quem fala é a T essa Thaler? Do metr??

— Acho que não vou conseguir fazer isso — eu disse a ela, andando ao longo da tela de inspiração asiática que separava minha cama de minha área de estar.

— Você quer que ele comece a sair com outra? Ou, pior, que se esqueça completamente de você? — ela perguntou, a mestre na arte de amedrontar. — Vamos lá, o momento certo é crucial — então ela pegou uma lixa de unhas, um vidro de removedor de esmaltes e várias bolas de algodão de sua bolsa imensa e começou a cuidar das unhas.

— Não estou pronta para um relacionamento — disse-lhe.

— Quem falou em relacionamento? T alvez você simplesmente consiga fazer sexo ardente pela primeira vez na vida. Isso seria tão ruim assim?

— Pela primeira vez na vida? — perguntei. — Como você sabe se Ryan e eu não estávamos fazendo sexo ardente?

Ela fi cou arrepiada como se estivéssemos falando de seu próprio irmão, o que não estava longe de ser verdade, ?á que agíamos como um grupinho de três durante a maior parte do período na faculdade.

— Bem, vocês estavam?

Dei de ombros e disse:

— Era razoável.

Ela balançou a cabeça em sinal de reprovação, lixando as unhas em um formato que ela chamava de quadrado-oval.

— Bem, queremos algo um pouco melhor que razoável, então pegue essa droga de telefone e ligue para ele. Já.

E foi o que fi z, discando o número que estava em seu cartão de visita e respirando fundo enquanto o telefone tocava. Então, depois de ouvir sua voz inconfundível do outro lado, li meu script, tentando de alguma maneira terminar todas as frases com um ponto fi nal, e não com um ponto de interrogação.

— Quem? — ele perguntou.

— Humm… A gente se conheceu no metr?? — disse novamente, completamente confusa e decepcionada.

— Eu estava brincando — ele falou. — Claro que me lembro de você. E como você está?

— Estou bem — respondi dese?ando ter treinado além das primeiras três frases. Olhei para Cate para me sentir segura, enquanto ela me acenava com os dois polegares para cima em sinal de aprovação e fazia um gesto com as mãos indicando que eu mantivesse a conversa rolando. — E você, como está?

— Não tenho do que reclamar… Então, como foi sua lua de mel? — ele perguntou mostrando-se preocupado, embora semanas depois tenha me confessado que tinha sido uma tentativa de quebrar o gelo com humor, mas que, assim que fez a pergunta, percebeu que havia sido insensível de sua parte.

Então soltei uma risada nervosa e lhe disse que não havia tido nem lua de mel nem casamento.

— Ah — ele disse. — Sinto muito? Meus parabéns?

— Obrigada, eu disse, o que pareceu ser a resposta adequada para as duas frases.

— Então? Você está ligando para me contar essas novidades? — ele perguntou suavemente. — Ou para me convidar para sair?

— Para contar as novidades — disse com sua brincadeira me a?udando a criar coragem. — Mas a parte do convite para sair é com você.

Cate levantou as sobrancelhas e abriu um sorriso largo, evidentemente orgulhosa da minha resposta.

— Bem, então — ele disse —, que tal ho?e à noite? Você está livre?

— Sim — aceitei com o coração saindo pela boca, uma reação que nunca havia tido com Ryan, nem mesmo segundos antes da nossa primeira vez.

— Você é vegetariana? — ele perguntou.

— Por quê? — perguntei. — Isso é um problema?

Ele riu.

— Não, é que eu estava a fi m de comer um hambúrguer e beber cerve?a.

— Para mim, está bom — eu disse pensando que brotos e tofu seriam tão atraentes quanto o hambúrguer neste momento. Qualquer coisa com Nick Russo.

— Ótimo, então te encontro na Burger Joint do hotel Parker Meridien. Você conhece?

— Não — respondi me perguntando se deveria conhecer, se isso denunciava o quanto eu era caseira com Ryan, algo que tinha prometido mudar.

— O hotel fi ca na Rua 56, entre a 6 e a 7, mais próximo da 6. Quando estiver no saguão, você verá que entre o balcão de check-in e o balcão do concierge, há uma pequena cortina e um sinal que diz “Burger Joint”. Estarei lá guardando nossa mesa.

Rabisquei rapidamente as instruções no verso do meu script, com as mãos suadas e trêmulas. Perguntei o horário, e ele disse para nos encontrarmos às 20 horas.

— T udo bem — respondi. — Até lá.

Ouvi o sorriso em sua voz enquanto ele respondia:

— Até lá, T essa do metr?.

Desliguei o telefone, fechei meus olhos e dei um grito agudo e infantil.

— Jesus do céu, é isso aí, T ess — disse Cate. — Quer dizer, tecnicamente você deveria ter dito que ?á tinha planos para ho?e. Da próxima vez, pelo menos coloque o telefone no mudo e fi nja que está checando sua agenda. E nunca concorde com os planos que ele ?á tinha naquele dia… — Cate? — interrompi correndo até meu armário. — Não temos tempo para um tutorial sobre encontros. Preciso achar algo para vestir.

Cate abriu um sorriso largo:

— Sutiã com bo?o, calcinha preta e salto agulha.

— O sutiã com bo?o e a calcinha preta, tudo bem, mas, vamos a um lugar chamado Burger Joint, acho que o salto agulha não será uma boa.

Cate pareceu decepcionada enquanto me seguia até meu armário.

— Burger Joint? Deus, espero que ele não se?a sovina, af i nal isso meio que acaba com o propósito de sair com um médico.

— Ele ainda está estudando — expliquei. — E eu adoro hambúrguer.

— Bom, se ele é tão interessante quanto você diz que é… pode se sair bem.

— Ele é sim, muito interessante.

— Bem, nesse caso — disse Cate vasculhando em meu armário —, vamos ao que interessa.

Horas depois, eu estava em pé no saguão frio do Parker Meridien vestindo uma calça ?eans, uma regata preta e rasteirinhas, um visual casual que geralmente não passaria pela aprovação de Cate, mas que ela havia aceitado naquela noite em virtude do local molambento escolhido e do convite de última hora.

Ainda morrendo de calor, em razão do tra?eto feito até lá em um táxi abafado, me abanava com a mão, inalando meu perfume novo, que comprei naquele dia pensando em Nick, determinada a não misturar aromas antigos com novos inícios. Então achei a entrada do restaurante, respirei fundo e abri as cortinas que iam do chão ao teto separando a lanchonete do saguão. E lá estava ele, em pé diante de mim, ainda mais atraente do que me lembrava. Sua beleza contrastava com a iluminação amarela, as cabines de vinil e os recortes de ?ornais presos às paredes de madeira falsa.

Ele veio em minha direção sorrindo e, então, olhou para minha mão esquerda e disse:

— Sem aliança.

— Sem aliança — conf i rmei e não disse mais nada, seguindo o conselho de Cate de não falar sobre Ryan.

— Desse ?eito gosto mais ainda de você — ele falou sorrindo.

Sorri de volta esfregando meu polegar sobre meu dedo sem aliança, sentindo um ímpeto de conf i rmação que me indicasse que havia feito a coisa certa. Então ele perguntou o que eu queria em meu hambúrguer e informei que só queria ketchup. Ele concordou e apontou para a única cabine livre no canto da lanchonete.

— É melhor você pegar aquela ali para a gente, esse lugar costuma encher de uma vez.

Fui até onde ele indicou dando alguns passos até a mesa, sentando-me enquanto mantinha meus olhos em suas costas e tentava decidir o que mais gostava nele: sua atitude de líder ou o caimento perfeito de seu ?eans desbotado.

Poucos minutos depois, ele chegou com dois hambúrgueres embrulhados em papel-alumínio e um ?arro de cerve?a. Serviu dois copos e, então, levantou o seu e disse:

— Um brinde ao melhor hambúrguer de toda a sua vida.

Eu sorri e pensei: “Um brinde ao melhor primeiro encontro de toda a minha vida”.

Então seu rosto fi cou sério e ele disse:

— Fiquei feliz por você ter me ligado, achei que nunca mais teria notícias suas, e que você se casaria mesmo assim.

— Por que você achou isso? — perguntei um pouco decepcionada por ele não ter depositado tanta fé em mim.

— Porque é o que a maioria das pessoas faz.

Concordei pensando em meu irmão, mas decidindo não entregar os podres de minha família tão cedo. Essa era uma das várias regras de Cate: nada de “meus pais se divorciaram” ou “meu pai traiu minha mãe”, ou qualquer outra alusão à minha família disfuncional. T ambém me lembrei das outras regras: nada de perguntar sobre as ex-namoradas, nada de conversar demais sobre pós-graduação ou trabalho e sempre demonstrar interesse sem precisar entrevistá-lo.

— Geralmente odeio estar errado — Nick disse, e mais tarde me provocaria dizendo que aquele havia sido seu aviso of i cial sobre seu maior defeito de caráter. — Mas, neste caso, estou feliz em estar.

Depois de três horas de conversa, dois ?arros de cerve?a e um brownie compartilhado entre nós, ele me levou até a estação de metr? Columbus Circle, desceu as escadas comigo e foi até as catracas, onde inseriu dois tickets e me mandou passar primeiro.

— Para onde estamos indo? — gritei por causa de um trem que se aproximava, sentindo-me tonta por conta da cerve?a.

— Para lugar nenhum — ele disse sorrindo. — Só vamos andar de metr?.

E foi o que fi zemos, entrando em um vagão vazio, mas mesmo assim escolhendo fi car em pé, segurando na mesma haste de metal.

— Você acha que é o mesmo? — ele perguntou em algum momento.

— O mesmo o quê?

— O mesmo vagão, a mesma haste? — ele falou, e então, se inclinou para nosso primeiro bei?o.

— Acho que sim — respondi fechando os olhos e sentindo seus lábios contra os meus, suaves, seguros e incríveis.

Mais tarde, liguei para Cate e passei todo o relatório. Ela calculou o custo da noite, classif i cando o encontro como ridiculamente barato, mas mesmo assim bem-sucedido. Um sucesso romântico.

— Acho que é um sinal — ela sussurrou no telefone.

— Sinal de quê? — perguntei, esperando que tivesse acabado de bei?ar o homem com quem um dia me casaria.

— De sexo ardente a caminho — Cate disse dando risada.

Eu ri com ela esperando que nós duas estivéssemos certas.

Depois de um mês, tinha certeza de que estávamos de fato certas. Cate considerou ser um milagre que eu tivesse encontrado um cara na cidade que fosse atencioso e conf i ável e, ao mesmo tempo, sexy e bom de serviço. Ele realmente era o melhor em tudo. Um rapaz honesto e sensato de Boston que amava hambúrgueres, cerve?a e beisebol. E, além disso, era um futuro cirurgião formado em Harvard e um mestre na arte de encontrar os restaurantes mais sof i sticados de Manhattan. Ele era bonito sem ser vaidoso. Escrupuloso sem ser preconceituoso. Seguro de si sem ser arrogante, e fazia exatamente o que dizia que faria, sem exceção, e, mesmo assim, mantinha um ar de mistério que me deixava sempre tensa, tentando decifrá-lo. Dava pouca importância para o que os outros pensavam dele, mas, mesmo assim, parecia conseguir ganhar o respeito de todo mundo. Era distante e ao mesmo tempo intenso, eu me apaixonei rápida e intensamente por ele, fascinada pela certeza de que nossos sentimentos eram tão recíprocos quanto reais.

Então, seis meses depois, no auge do inverno, Nick me levou de volta a nossa lanchonete. E, depois de comermos, bebermos e lembrarmos o passado, tirou as chaves do bolso e esculpiu nossas iniciais na mesa graf i te de canto. Entalhes habilidosos e profundos declarando seu amor. Eu não conseguiria pensar em um gesto mais doce até uma hora mais tarde, em um vagão vazio do metr?, quando tirou um anel de seu bolso e me pediu em casamento, prometendo me amar para sempre.

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