[ VALERIE ]
Valerie sabia que o Dia das Bruxas traria problemas. Não por saber que realmente havia ligado para Nick, em parte, só para ouvir sua voz e, em parte, para que ele tivesse o número do seu celular. E não porque ele havia insistido em ir à festa, chegando vestido com o tra?e completo de Darth Vader, nem mesmo porque fi cou no quarto mesmo muito depois de Charlie ter dormido, recostando-se no peitoril da ?anela, conversando em voz baixa enquanto os dois perdiam a noção do tempo. É claro que tudo isso era sinal de problema, principalmente na manhã seguinte, quando voltou a lembrar.
Mas o momento de certeza veio quando ele ligou a caminho de casa para dizer “só mais uma coisinha”. Era algo sobre Charlie, isso ela lembraria mais tarde, mas todas as pretensões prof i ssionais caíram por terra quando levou em consideração o horário da ligação e percebeu que os dois não desligaram o telefone logo depois que aquela “uma coisinha” fora dita. Em vez disso, conversaram até ele parar o carro na entrada de casa, uns 30 minutos depois.
— Feliz Dia das Bruxas — ele sussurrou no celular.
— Feliz Dia das Bruxas — ela sussurrou de volta. Então forçou-se a desligar, sentindo um misto de melancolia e culpa enquanto imaginava sua casa e as três pessoas lá dentro. Mas, mesmo assim, foi dormir esperando que ele ligasse pela manhã.
Que foi exatamente o que ele fez, e continuou a ligar todos os dias que se seguiram, exceto naqueles em que ela ligava primeiro. Eles sempre começavam a conversa falando sobre o enxerto de Charlie, os remédios para dor ou seu humor, mas sempre terminavam com mais uma coisinha, e geralmente com uma outra coisinha depois daquela.
E lá estava o celular tocando seis dias depois.
— Onde você está? — ele começou, sem se anunciar.
— Aqui — ela respondeu observando Charlie dormir. — No quarto.
— Como ele está? — Nick perguntou.
— Ele está bem… dormindo… Onde você está?
— A cinco minutos daí — ele disse, conversando até que ela conseguisse ouvir sua voz no corredor.
— Ei — ele falou chegando à porta e guardando o BlackBerry no bolso com um sorriso largo no rosto, como se tivessem acabado de compartilhar de uma piada interna.
— Oi — ela disse sorrindo novamente, cheia de alegria.
Mas, dez minutos depois de uma conversa leve, a expressão de Nick tornou-se grave. Primeiro, Valerie achou que havia algo de errado com o enxerto de Charlie, mas então percebeu que era o oposto disso, que era hora de Charlie ir para casa. Ela se lembrou de quando Nick dissera que levaria cerca de uma semana para o enxerto aderir ao rosto, lembrou-se de como ele olhara fi xamente em seus olhos como se oferecesse uma garantia. Mesmo assim, ela se sentia chocada e emocionada, como que pega de surpresa.
— Ho?e? — ela perguntou, enquanto seu coração se acelerava de temor, enquanto tomava consciência do que estava por vir, percebendo envergonhada que não queria ir para casa. Ela disse a si mesma que era só por causa do lugar em si, da segurança que o hospital lhe dava. Mas, no fundo, sabia que não era só isso.
— Amanhã — Nick disse com um olhar fugaz em seu rosto indicando a Valerie que ele se sentia da mesma maneira, mas rapidamente voltou a agir como o médico de seu fi lho, falando sobre o tratamento e o progresso de Charlie, seu plano cirúrgico de longo prazo, assim como seu plano de tratamento fora do hospital, falando sem parar sobre instruções e garantias.
— Ele pode voltar à aula dentro de mais ou menos uma semana. O ideal seria que continuasse usando a máscara por cerca de 18 horas por dia, porém pode tirar às vezes. A não ser, é claro, que este?a praticando algum esporte, esse tipo de coisa, e precisa dormir com ela também. A mesma orientação vale para a tala em sua mão.
Ela entendeu tudo e concordou, forçando um sorriso.
— Isso é ótimo. Uma ótima notícia — ela disse sentindo-se decididamente uma péssima mãe por ter recebido a notícia com outro sentimento que não o de alegria desenfreada.
— Sei que é assustador — Nick a consolou. — Mas ele está pronto.
— Eu sei — ela disse, mordendo o lábio com tanta força que chegou a doer.
— E você também está — ele falou de forma tão convincente que ela quase acreditou.
Na tarde seguinte, enquanto Valerie resolvia toda a burocracia necessária e arrumava suas coisas e as de Charlie, tentou se lembrar da primeira vez em que saíra de um hospital com Charlie, quando ele tinha só três dias de vida, e agora tinha a mesma sensação de fracasso iminente.
O medo de descobrirem que ela era uma fraude quando estivesse sozinha em casa com seu fi lho. A única coisa que a acalmou foi a excitação visível de Charlie saindo pelos corredores e entregando a todos cartões desenhados que ele fi zera na noite anterior. A todos, com exceção de Nick, que não conseguiu encontrar.
Valerie esperava que ele aparecesse, ou pelo menos ligasse, e tentou ganhar tempo, assinando os documentos da alta de seu fi lho e carregando o carrinho com seus pertences o mais lentamente possível. Em um dado momento chegou a perguntar a Leta, uma enfermeira de meia-idade de voz suave que os acompanhara desde o início, se deveriam esperar pelo Dr. Russo antes de irem embora.
— Ele está de folga ho?e, lindinha — Leta disse, ainda mais gentil do que de costume, como se achasse que a notícia deixaria Valerie chateada. — Ele assinou o pedido de alta na noite passada — e ela folheou o prontuário de Charlie como se procurasse por algum tipo de consolo, abrindo um sorriso largo ao encontrar algo do tipo. — Mas ele quer que vocês voltem dentro de poucos dias. Ligue para esse número aqui, ela disse circulando o número do telefone do consultório de Nick em um formulário e entregando a Valerie.
Constrangida, Valerie pegou o papel e olhou para o outro lado, perguntando-se quanto suas expressões a entregavam, como se todas as enfermeiras percebessem como ela se sentia, quanto ela e Nick haviam fi cado próximos. T alvez ele agisse assim com todos os pacientes e suas famílias, ou talvez tivesse confundido com uma amizade a maneira como ele tratava seus pacientes. Pensar que ele estava apenas fazendo seu trabalho, que ela e Charlie não eram especiais a encheu de alívio e decepção.
Valerie fechou o zíper da última mochila quando Leta saiu apressada do quarto e voltou pouco depois com uma cadeira de rodas para o último passeio de Charlie pelos corredores e um pa?em magricela chamado Horace para empurrá-lo.
— Eu não preciso mais disso? — Charlie disse com um grito alegre.
— É protocolo do hospital, meu amor — explicou Leta.
Charlie a encarou confuso.
— T odo mundo sai daqui de cadeira de rodas, bonitinho — ela esclareceu. — Então suba à bordo e talvez o Horace faça umas manobras radicais com você.
Charlie soltou um ruído de alegria e subiu na cadeira, enquanto Valerie dava uma última olhada na sala vazia, fazendo seu último e silencioso agradecimento a um lugar do qual nunca se esquecerá.
Charlie só perguntou de Nick mais tarde naquela noite, quando ?á estava na cama. Os cartões e desenhos feitos no hospital ?á estavam colados nas paredes cor de mel e seu exército de bichos de pelúcia estava ao seu redor. O iPod estava na base de encaixe, tocando uma música suave de Beethoven.
— Não consegui entregar meu cartão para o Dr. Nick — ele falou se sentando de repente. — Não pude dizer tchau.
— Nós o veremos de novo dentro de poucos dias — ela o consolou colocando sua cabeça de volta no travesseiro e acendendo a luz noturna.
— Nós podemos ligar para ele? — Charlie perguntou com a voz trêmula.
— Agora não, meu amor. Está muito tarde — ela disse.
— Por favor — ele choramingou, tentando tirar a máscara. — Eu quero dese?ar boa-noite.
Valerie sabia qual deveria ser a resposta, sabia que havia dezenas de coisas que poderia dizer a seu fi lho para que se esquecesse dessa ideia.
Mas, em vez disso, colocou as mãos no bolso e pegou o celular que havia mantido por perto o dia todo, digitando uma mensagem: “Estamos em casa. Está tudo bem. Ligue se puder. Charlie quer te dese?ar uma boa-noite”.
Enviou a mensagem e disse a si mesma que estava fazendo aquilo por seu fi lho. E estava mesmo fazendo aquilo por ele.
Segundos depois, o celular tocou.
Valerie deu um pulo.
— É ele? — ela disse, apertando o botão para atender e levando o telefone até o ouvido de Charlie.
— Oi, Dr. Nick — Charlie disse. — Não consegui dizer tchau para você.
Valerie se esforçou, tentando ouvir a resposta.
— Não precisa se despedir, amigão. A gente se vê em breve.
— Quando? — Charlie perguntou.
— Que tal amanhã? Pergunte a sua mãe se vocês estão livres amanhã?
— Estamos livres amanhã, mamãe? — Charlie perguntou.
— Sim — Valerie respondeu rapidamente.
Nick disse alguma outra coisa que Valerie não conseguiu entender e, então, Charlie passou o telefone para ela.
— Ele quer falar com você, mamãe — ele disse, colocando sua máscara de volta para, em seguida, boce?ar e fechar os olhos.
Ela pegou o telefone e falou.
— Oi… desculpe incomodá-lo em seu dia de folga… à noite.
— Pare com isso — Nick disse. — Você sabe que adoro quando você me liga, eu queria muito passar por aí ho?e… Sinto saudade. De vocês dois.
O silêncio crepitou no telefone enquanto Valerie foi até sua cama.
— Agora é muito tarde para passar por aí? — Nick f i nalmente quebrou o silêncio.
— Agora? — ela pergunta confusa.
— É. Posso dar uma passada rápida por aí? Dar uma olhada nele?
Valerie fechou os olhos e respirou fundo o tempo suf i ciente para dizer que sim. O tempo suf i ciente para dizer a si mesma, pela centésima vez, que eram amigos. Só amigos.
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Comments
Divina Santos
também ñ,o q estão fazendo,ela tem q começar a sair pr encontrar alguem q ñ tenha compromisso
2024-04-04
0
Soraya Zaidan
Ahh Nick, que pena. Não gostei. 😢
2023-08-18
1