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[ TESSA ]

O acidente parece ser o único assunto do momento, ao menos entre as mães da cidade que não trabalham, o grupo no qual estou lentamente me inf i ltrando. O assunto surge no parquinho onde levo Frank, na aula de balé de Ruby, nas quadras de tênis e, até mesmo, no mercado. Às vezes, as mulheres sabem da ligação entre Nick e o garoto, pedindo abertamente que eu transmita suas condolências. Algumas vezes, não fazem a menor ideia, recontando a história como se fosse a primeira vez que eu a ouvisse, exagerando na gravidade das lesões e me levando a conversar com Nick sobre elas mais tarde. E outras vezes, nos casos mais irritantes, elas sabem, mas fi ngem que não, evidentemente esperando que eu divulgue alguma informação sigilosa.

Em quase todos os casos, conversam sussurrando, com expressões graves, como se, de alguma maneira, o drama lhes desse prazer.

— Curiosidade emocional — é como Nick descreve o fen?meno, desdenhoso quando há qualquer indício de fofoca. — Essas mulheres não têm nada melhor para fazer?

— ele pergunta quando lhe conto os rumores, um sentimento com o qual costumo concordar, mesmo quando sou culpada por participar das conversas, especulações e análises.

Mas me surpreende ainda mais ter a impressão marcante de que a maioria dessas mulheres parece se identif i car mais com Romy que com a mãe do garoto, dizendo coisas como “Ela não deveria ser tão dura consigo mesma”, ou “Isso poderia ter acontecido com qualquer um”. Nesse momento, aceno com a cabeça positivamente e digo internamente que concordo, isso porque não quero gerar discórdia até porque, em teoria, acredito que se?a verdade — poderia mesmo acontecer com qualquer um.

Mas, quanto mais escuto sobre como a pobre Romy não tem dormido ou comido há dias, e que o que aconteceu em seu quintal não foi, na verdade, sua culpa, mais acredito que foi sim sua culpa, e que ela e Daniel são de fato culpados. Quero dizer, pelo amor de Deus, quem deixa um bando de garotos de apenas 6 anos brincar com fogo? E, se você é responsável por tamanha falta de ?uízo e bom-senso, bem, sinto muito, você provavelmente deveria sentir culpa.

Claro que minimizo esses sentimentos para April, que se tornou extremamente obcecada pela crise emocional (e provavelmente legal e fi nanceira) de Romy, compartilhando de todos os detalhes comigo da maneira que as amigas próximas sempre compartilham detalhes da vida de outras amigas próximas. Faço o que posso para demonstrar compaixão, mas uma tarde, quando encontrei April para almoçar em um pequeno bistr? em West?ood, perdi a paciência quando ela começou em tom de indignação:

— A Valerie Anderson ainda se recusa a falar com Romy — disse, segundos depois de nossos pratos chegarem.

Olhei para minha salada enquanto a cobria de quei?o gorgonzola, o que, como percebi, acaba com o propósito de se pedir uma salada, e, com certeza, de se pedir o molho à parte.

April continuou, com seu tom de voz se tornando mais fervoroso:

— Romy foi ao hospital com desenhos feitos por Grayson.

T ambém mandou diversos e-mails para Valerie e deixou algumas mensagens.

— E?

— E nenhum retorno, silêncio frio e absoluto.

— Humm — disse, empurrando um pedaço de crôuton com meu garfo.

April levou à boca uma porção delicada de sua salada regada com azeito balsâmico light e depois tomou um gole generoso de seu vinho chardonnay. Os almoços regados a bebida são os preferidos de April, a salada é uma mera acompanhante.

— Você não acha isso uma falta de educação? — perguntou.

— Falta de educação? — repeti, olhando-a fi xamente nos olhos.

— Sim — April enfatizou —, falta de educação.

T omando cuidado com minhas palavras, respondi:

— Não sei. Acho que sim, mas… ao mesmo tempo… April muda seu rabo de cavalo de um ombro para o outro distraidamente. Sempre achei que sua aparência não estivesse de acordo com sua personalidade. O cabelo castanho encaracolado, suas sardas salpicadas, seu nariz empinado e um corpo atlético invocam um tipo despreocupado, que gosta de atividades ao ar livre, uma ex-?ogadora de hóquei que se transformou em uma mãe ba?uladora e maria vai com as outras. Quando, na verdade, é extremamente certinha e adora fi car enfurnada dentro de casa, sua ideia de acampamento é um hotel quatro estrelas (e não um cinco estrelas) e, para ela, viagens para estações de esqui signif i cam compras de casacos de pele e fondue.

— Mas ao mesmo tempo o quê? — perguntou, me pressionando a explicar melhor o que eu preferia deixar implícito.

— Mas seu fi lho está no hospital — respondi de uma vez.

— Eu sei disso — disse April, encarando-me perplexa.

— Bem, então? — gesticulei como se houvesse uma legenda na minha frente onde se lia “Bem, então, o que quer dizer?”.

— T udo bem — disse April. — Não estou dizendo que Valerie deveria se tornar amiga íntima de Romy ou algo assim, mas seria demais retornar uma única ligação?

— Acho que isso seria a coisa mais certa a fazer. Ou ao menos a coisa mais educada a fazer — concordei relutante.

— Mas não acho que ela este?a pensando muito em Romy, e não acho que saibamos de fato pelo que essa mulher está passando.

April revirou os olhos:

— T odas nós ?á tivemos um fi lho doente — respondeu. — T odas nós ?á fomos ao pronto-socorro, todas nós sabemos como é fi car assustada.

— Ah. Por favor — falei horrorizada. — O garoto está no hospital há dias, ele tem queimaduras de terceiro grau em seu rosto. Sua mão direita, a mão que ele usa para escrever e arremessar bolas, está completamente destruída. Ele ?á passou por uma cirurgia e ainda passará por outras. E, mesmo assim, provavelmente terá suas funções pre?udicadas, além de cicatrizes para o resto de sua vida.

Quase parei aí, mas não pude deixar de adicionar uma nota:

— Você sabe como é isso? Você conhece esse tipo de preocupação? Mesmo?

April fi nalmente pareceu envergonhada:

— Ele terá cicatrizes para o resto da vida? — perguntou.

— Claro que sim — respondi.

— Eu não sabia — desculpou-se.

— Por favor. Ele sofreu queimaduras. Você pensou o quê?

— Não achei que eram tão graves. As queimaduras. Você não me disse.

— Eu meio que disse sim — respondi, pensando nas inúmeras vezes em que lhe dei atualizações vagas sobre o caso.

— Mas ouvi Nick dizer que ele pode fazer enxertos de pele que são… imperceptíveis. Que as cirurgias para queimaduras estão muito sof i sticadas.

— Não tão sof i sticadas assim. Quero dizer, sim, evoluíram muito com o passar dos anos. E sim, tenho certeza de que você ?á o ouviu se gabar de como é um grande cirurgião e de como seus enxertos são perfeitos.

Mas mesmo assim. Por melhor que Nick se?a, ele não é tão bom assim. A pele do garoto foi gravemente queimada em determinados lugares. Como se sua pele tivesse sido consumida pelo fogo.

E me segurei para não comparar a situação do menino com a de Olivia, quando caiu da varanda da frente de sua casa e lascou um dente de leite, o que fez com que April chorasse por semanas, enquanto lamentava as diversas fotos que seriam arruinadas até que seu dente permanente nascesse, e pesquisasse incessantemente no Google pelo termo “dente morto, acinzentado e manchado”. No que diz respeito a lesões, foi só um probleminha estético.

— Eu não sabia — disse outra vez.

— Bem — respondi suave e cuidadosamente —, agora você sabe, e deveria transmitir essa informação a Romy e dizer-lhe que talvez… talvez essa mulher só precise de um tempo. E, por Deus, além de tudo isso, ela é mãe solteira.

Você consegue se imaginar passando por algo assim sem o Rob?

— Não — assentiu —, não consigo.

April apertou os lábios e olhou para o lado de fora da ?anela ao lado de nossa mesa, observando uma mulher andando pela calçada em seus últimos meses de gravidez.

Segui seu olhar, sentindo a mesma pontada de inve?a que sempre sinto quando ve?o uma mulher prestes a ter um bebê.

Quando me voltei para April, disse-lhe:

— Só acho que não devemos ?ulgar essa mulher a não ser que saibamos pelo que está passando. E que, com certeza, não deveríamos crucif i cá-la.

— T udo bem, tudo bem — April concordou. — Entendi o que quer dizer. Forcei um sorriso:

— Sem ressentimentos?

— Claro — April falou, limpando delicadamente seus lábios com um guardanapo de tecido.

T omei um longo gole de café, observando minha amiga e me perguntando se acreditava nela.

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