17

[ TESSA ]

— Tess? — Nick disse naquela noite quando fi nalmente foi para a cama logo depois da 1 hora. Sua voz estava suave, quase como um sussurro, e eu senti uma onda de alívio ao ouvi-lo dizer meu nome daquele ?eito.

— Sim? — sussurei também.

Ele respirou fundo várias vezes, como se estivesse se recompondo ou decidindo o que dizer. Pensei em preencher o silêncio perguntando-lhe o que estava passando por sua cabeça. Mas esperei, pressentindo que as palavras que diria a seguir seriam reveladoras.

— Sinto muito — ele fi nalmente disse me puxando para perto dele, envolvendo-me em seus braços. Mas, mesmo sem o abraço, pude perceber que estava sendo sincero desta vez. Diferentemente de suas desculpas por ter se atrasado, não havia nada forçado ou automático em sua voz.

— Sente muito por quê? — respirei com os olhos ainda fechados. Era uma pergunta geralmente passivo-agressiva, mas nesta noite ela era realmente sincera. Eu realmente queria saber.

— Sinto muito pelo que disse. Não é verdade — e respirou fundo muitas outras vezes, soltando o ar pelo nariz, e então falou:

— Você é uma mãe maravilhosa. Uma esposa incrível.

E bei?ou meu pescoço, logo abaixo de minha orelha, e me abraçou mais forte, com todo o seu corpo contra o meu.

Ele sempre faz as pazes assim — com ações e não palavras — e, embora eu tenha criticado e resistido a essa abordagem no passado, esta noite eu não me importava. Ao contrário, me empurrei ainda mais contra seu corpo, fazendo de tudo para acreditar no que ele disse e esquecer as dúvidas que vinham surgindo sobre nosso relacionamento. Falei a mim mesma que Nick sempre soubera ?ogar su?o, rápido e com palavras cortantes das quais ele mais tarde se arrependia e que não tinha a intenção de dizer. Por outro lado, me perguntava se nessas palavras duras não havia sempre algum fundo de verdade.

— Então por que você disse aquilo? — sussurrei, entre seus bei?os e alguns meus. — Por que você disse que as coisas não estavam dando certo?

E me ocorreu que uma coisa não excluía a outra. Eu poderia ser uma ótima mãe e esposa e as coisas ainda assim poderiam estar aos pedaços, ou poderiam estar se despedaçando aos poucos.

— Eu sei lá. Às vezes fi co frustrado — ele disse enquanto puxava minha calça para baixo com uma urgência cada vez maior.

T entei resistir, pelo menos para tentar terminar nossa conversa, mas me senti ceder à atração física avassaladora que tinha por ele. A ânsia por ele. Era assim que me sentia no início, quando corríamos para casa depois da aula para f i carmos ?untos, fazendo amor duas a três vezes em uma noite. De uma maneira que eu não me sentia há muito tempo.

— Quero que você se?a feliz — ele disse.

— Eu sou feliz.

— Então não procure por problemas.

— Eu não procuro.

— Às vezes procura.

Pensei sobre isso, pensei em todas as maneiras diferentes das quais eu poderia tê-lo recebido naquela noite.

T alvez fosse minha culpa. T alvez eu realmente fi casse criando problemas em minha cabeça, como as donas de casa as quais uma vez critiquei por fi carem fazendo drama a fi m de aliviar a monotonia da vida delas. T alvez ha?a um vazio em minha vida, um vazio que quero que Nick preencha. T alvez ele tenha mesmo simplesmente sentido dese?o por comida italiana nesta noite.

— Por favor, T ess. Faça as pazes comigo — ele disse, tirando a parte de baixo de seu pi?ama, subindo minha camisa, sem tirá-la totalmente. Bei?ou-me profundamente na boca enquanto entrava em mim, oferecendo penitência.

Bei?ei-o com a mesma intensidade, com o coração acelerado e minhas pernas envolvendo-o fi rmemente. O tempo todo disse a mim mesma que estava fazendo aquilo porque o amava. E não porque queria provar algo a ele.

Mesmo assim, mais tarde, depois que nos afastamos, ouvi-me dizer em voz baixa: “Viu só, Nick? Está dando certo.

Está dando certo."

[ Valerie ]

Valerie assistia a Charlie enquanto ele coloria atentamente as linhas de uma Jack-o’-lantern, alternando entre um giz de cera laran?a para a abóbora e um verde para o talo, fazendo movimentos cuidadosos e estáveis. É um pro?eto entediante para uma criança da idade dele e não exige um mínimo de criatividade, mas Charlie parecia entender que era bom para sua mão e levava a tarefa de seu terapeuta ocupacional muito a sério.

Ela o chamou enquanto ele desenhava um gato preto no fundo, exagerando em cada fi o do bigode fazendo movimentos longos. E ele a ignorou, olhando fi xamente para seu desenho em diversos ângulos, movendo o papel e não a cabeça.

Valerie chamou Charlie mais uma vez, esperando para perguntar o que queria almoçar. E ele fi nalmente olhou, mas não disse nada, fazendo-a se perguntar com que tipo de humor ele estava naquele dia. Já haviam se passado alguns dias desde a cirurgia e, embora ela já estivesse acostumada com a máscara cobrindo seu rosto, ainda não se acostumara como a máscara escondia suas expressões faciais, tornando difícil dizer o que ele estava pensando.

— Eu não sou o Charlie — ele fi nalmente disse com a voz grave, arranhada e teatral.

— Então quem é você? — ela perguntou entrando na brincadeira.

— Sou um soldado imperial — ele respondeu em tom ameaçador, com a voz mais madura possível para um menino de 6 anos.

Valerie sorriu e silenciosamente p?s esse momento na lista de conquistas: primeiro alimento sólido, primeiro passeio pelos corredores, primeira piada sobre si mesmo.

— Eu nem preciso de uma fantasia de Dia das Bruxas — ele dizia quando Nick chegou.

Valerie sentiu seu próprio rosto se iluminar e tinha certeza de que o rosto de Charlie também estava assim, mesmo que os dois soubessem o porquê de ele estar lá:

para avaliar o enxerto e retirar qualquer acúmulo de líquidos com uma agulha. Esse procedimento é menos doloroso do que parece, tanto por causa da morf i na que Charlie ainda estava recebendo por via intravenosa quanto porque os nervos ainda não haviam aderido ao enxerto.

Mesmo assim, não era uma experiência agradável. Mas Nick conseguia distraí-los, como se o procedimento fosse parte coad?uvante de sua visita.

— Por que diz isso, amigão? — perguntou Nick. — Por que não precisa de uma fantasia?

— Porque ?á estou de máscara — sua voz aguda como a de uma soprano novamente.

Nick deu uma risada breve e disse:

— Bom, faz sentido.

— Eu posso ser um soldado imperial ou uma múmia.

— Eu escolheria o soldado imperial se fosse você — Nick sugeriu. — E eu serei o Darth Vader.

“Você não pode se esconder para sempre, Luke” — Valerie pensou. E depois pensou em “Eu sou seu pai”. As duas únicas falas de Guerra nas Estrelas que ela sabia de cor além de “Que a força este?a com você”.

— Você tem uma fantasia do Darth Vader? — Charlie perguntou, colocando a mão sob sua máscara para coçar o alto da testa.

— Não, mas tenho certeza de que consigo achar uma.

Ou, podíamos simplesmente fi ngir — Nick disse sacando uma arma imaginária.

— Sim. Podíamos fi ngir.

Valerie sentiu uma alegria terna ao assistir a Nick e Charlie brincando um com o outro, até que a voz de Charlie f i cou grave e ele perguntou:

— Você vem na festa? — referindo-se à festa do Dia das Bruxas no centro de recreação do andar de baixo. T odos os pacientes e seus familiares estavam convidados. Claro que ela e Charlie plane?avam ir, além de Jason e Rosemary.

— Ah, querido, o Nick tem dois fi lhos. T enho certeza de que os levará para pedir doces ou travessuras pelo bairro — Valerie disse rapidamente enquanto abria a embalagem de uma fantasia do Homem Aranha que Jason havia comprado na T arget no dia anterior. A única que encontrou que conseguisse atender aos dois critérios de Valerie: sem conotação de horror e uma máscara que cobrisse a máscara de Charlie.

— Estarei lá — Nick falou. — Que horas começa?

— Às 16 horas — ela respondeu relutante, lançando-lhe um olhar que ela esperava que transmitisse gratidão, mas que também deixasse claro que isso estava muito além de suas obrigações como médico de seu fi lho.

Ela se voltou para ele com a voz suave e disse:

— Sério, Nick. Você não precisa… — Estarei lá — Nick disse mais uma vez correndo suas mãos sobre a penugem loira que começava a surgir na cabeça raspada e rosada de Charlie.

Ela imaginou a esposa e os fi lhos de Nick em casa, esperando por ele. Sabia que deveria protestar mais uma vez. Mas, em vez disso, se aqueceu com o sentimento terno em seu peito, que lentamente se espalhou por todo o seu corpo.

É — É muito gentil da sua parte — ela fi nalmente falou. E nada mais.

Mais tarde, enquanto Charlie cochilava, Valerie começou a ter dúvidas quanto a ter aceito a promessa impulsiva de Nick e sentiu a necessidade de tirá-lo dessa enrascada. Com anos de experiência em dif i culdades logísticas, ela sabia muito bem que o Dia das Bruxas era uma operação que precisava de dois pais, exigindo que um fi casse em casa e distribuísse doces e o outro levasse as crianças de porta em porta. E ela reconhecia a alta probabilidade de sua esposa impedir sua decisão de ir à festa, e queria poupá-lo dessa indisposição doméstica e evitar a discussão desagradável que se seguiria caso ele perdesse a disputa. E, principalmente, só de imaginar uma promessa quebrada ou qualquer coisa que chegasse perto de uma decepção na vida de Charlie ?á era muito mais do que podia suportar.

Então tentou uma abordagem preventiva, uma estratégia que ela conhecia muito bem.

Pensou em esperar pela próxima visita de Nick para ter essa conversa, mas percebeu a urgência em resolver o problema antes que mudasse de ideia. Tirando rapidamente seu BlackBerry da bolsa e pegando o cartão de Nick na carteira, ela lutou contra uma onda de ansiedade inexplicável e discou seu número, esperando que atendesse.

Depois do terceiro toque ele atendeu abruptamente, de maneira impaciente, como se tivesse sido interrompido durante um momento muito importante, o que era provavelmente o caso.

Valerie hesitou, arrependendo-se imediatamente de ter ligado, pensando que acabara de piorar as coisas, que não tinha o direito de ligar em seu telefone pessoal mesmo que ele o tivesse passado para ela.

— Oi, Nick. É a Valerie.

— Ah, oi Valerie — ele respondeu, com o tom de voz se tornando mais familiar e amigável. — Está tudo bem?

— Bem, sim. Está tudo bem — ela falou, ouvindo um barulho de fundo que não parecia vindo do hospital. Estou incomodando? — perguntou preocupada, pois talvez ele estivesse com sua família.

— Pode falar. O que foi?

— Bem eu só queria falar com você sobre a festa do Dia das Bruxas de amanhã, ela gague?ou.

— O que tem ela?

— Escuta, foi muito legal da sua parte dizer que viria, mas… — Mas o quê?

— Mas é Dia das Bruxas.

— E?

— T enho certeza de que tem outros planos — ela explicou. — Com sua família, seus fi lhos… e não me sinto à vontade… — Você se sentiria melhor se soubesse que eu ?á estava escalado para trabalhar de qualquer ?eito? — ele perguntou.

— Então, a não ser que você chame o chefe da equipe e diga que você acha que eu devo tirar o dia de folga… — Você está escalado mesmo? — ela perguntou, enquanto caminhava pelo corredor do lado de fora do quarto de Charlie, sentindo-se ao mesmo tempo aliviada e tola por ter feito tamanha tempestade em copo d’água por causa da festa e se perguntando por que nunca havia passado por sua cabeça que ele pudesse estar escalado para trabalhar. Que sua decisão de ir à festa pudesse não ter nada a ver com eles.

— Val — ele disse, a primeira vez que ele usou a forma abreviada de seu nome, um fato que não passou despercebido para ela, um fato do qual não podia deixar de gostar —, eu quero ir. O.k.?

A alegria terna voltou a seu peito.

— O.k. — ela aceitou.

— Agora, se me der licença, estou comprando uma fantasia do Darth Vader.

— Tudo bem.

Ela sentiu um sorriso tolo e incontrolável se espalhar por todo o seu rosto enquanto desligava o telefone, fazendo de tudo para não admitir para si mesma a verdadeira razão pela qual fi zera a ligação.

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