11

[ TESSA ]

— Como está a procura por uma escola? — Rachel me perguntou na manhã de domingo, sentada com as pernas cruzadas no chão de nossa sala de estar e fazendo as malas para voltarem para Nova York. Foi a primeira vez que f i camos a sós durante todo o fi m de semana, e só estávamos sozinhas, neste momento, porque minha mãe tinha um voo de volta para casa logo cedo e Dex e Nick estavam dando um passeio com as crianças na rua, ou, como Rachel chamava depois de arrancar sua fi lhas do sofá, “uma marcha forçada ao ar livre”.

— Ugh — respondi fazendo careta. — Que coisa mais chata fazer isso.

— Então você def i nitivamente descartou o ensino público fundamental? — ela perguntou, prendendo seu cabelo, na altura dos ombros, em um rabo de cavalo com o elástico que sempre deixa em seu pulso esquerdo, aparentemente substituindo um relógio.

— Acho que sim. Nick é a favor, ?á que estudou em escolas públicas… Mas Dex e eu não estudamos… Acho que tudo depende de com que se está acostumado — expliquei, esperando que essa fosse a razão para a preferência de Nick, e não o fato de ele simplesmente querer fugir de visitas a escolas, das fi chas de inscrição e das conversas sobre o assunto.

— É, com relação a essa questão, estou com o Nick. Sou garota de escola pública até o fi m. Mas não achei que dava para ir por esse caminho em Nova York — ela disse enquanto estendia no chão uma das blusas fl oridas de Sarah com a frente virada para baixo e então, asseadamente, alisava os amassados, virava as mangas para dentro e dobrava tudo em um quadrado perfeito com a habilidade de uma vendedora de lo?a de departamentos.

Memorizei sua técnica, mas sei que nunca me lembrarei dela direito, assim como nunca consigo me lembrar de como dobrar nossos guardanapos de tecido em formato de origami, do ?eito que Nick aprendeu quando trabalhou como garçom em um clube durante a faculdade.

— Prometi não deixar que isso me estressasse — eu disse, mas, agora que a decisão depende de mim, estou no meio da loucura, ao lado de todas as outras mães.

Rachel concordou e falou:

— É assim mesmo, fi quei mais estressada preenchendo as inscrições para Julia e Sarah do que quando fi z a inscrição para o curso de direito. Uma coisa é se gabar sobre suas próprias qualif i cações e referências, outra é se gabar de sua fi lha de 5 anos. Parece tão estúpido… Dex achou mais fácil. Para a nossa carta para a escola Spence, ele teve a coragem de descrever Júlia como uma “preciosidade vivaz de olhos castanhos”.

— Ele escreveu isso mesmo? — soltei uma risada.

— Escreveu.

— Que previsível — eu disse, balançando a cabeça em sinal de reprovação, extremamente surpresa que meu irmão gerente, que parece ser tão descolado e elegante, pudesse ser tão bobo quando ninguém está olhando. Mas, ao mesmo tempo, acho que isso em parte explica por que seu casamento funciona tão bem. No fundo, ele é previsível, o que é visivelmente diferente de ser esperto, e, tendo observado vários relacionamentos ao longo dos anos, descobri que os espertos não viram bons maridos. Af i nal, tenho meu próprio pai como prova dessa acusação.

— Sim. Não é à toa que nos re?eitaram, não é? — disse Rachel com um sorriso sarcástico. Para uma perfeccionista, ela parece usar essa re?eição como um sinal de honra singular, como se a escola tivesse saído perdendo, e acho que, embora não admita, e às vezes se?a até muito tímida, ela é na verdade uma das pessoas mais conf i antes que conheço, ao contrário de April e muitas outras mães, que parecem lutar em busca da perfeição como uma maneira de lidar com suas inseguranças ocultas. — Eu sabia que devia ter editado as cartas de Dex… Mas, lá no fundo, sabia que a Spence não era a escola certa para nós mesmo. Então não me incomodei.

Perguntei a ela “por que”, sempre curiosa para saber de todos os detalhes da vida deles na cidade, tão diferente das minhas próprias lembranças de Manhattan, antes de ter f i lhos.

— Ah, eu não sei — fazendo uma pausa antes de pegar um suéter de caxemira rosa com pompons minúsculos ao longo da gola. T odas as coisas de Julia e Sarah são lindas e femininas, o que não condiz com o guarda-roupa de Rachel, repleto de calças ?eans, abrigos confortáveis em tons de terra e cachecóis longos e em estilo boho que ela enrola com duas voltas ao redor de seu pescoço até mesmo no verão. — Você simplesmente ouve falar de todos os estereótipos relacionados a todas as escolas… A Chapin é para loiras, ref i nadas e riquinhas… A Spence é cheia de garotas de sociedade antenadas e abastadas, ou vadias mimadas e materialistas, de acordo com quem odeia a escola… E, de acordo com Dex, quando fomos re?eitados.

Ela riu e então imitou sua voz grave:

— Como ousam recusar nossa preciosidade de olhos castanhos?

Eu dei uma risada à custa de meu irmão e, então, perguntei sobre a reputação da Brearley, que é uma escola só para meninas de Upper East Side que Sarah e Júlia frequentam.

— Hummm… deixe-me pensar… Eu diria que é a de intelectuais desarrumadas — disse Rachel.

— Você está longe de ser desarrumada — eu retruquei, apontando para a pilha perfeita de roupas que ela estava guardando nas malas de lona com monogramas das meninas.

Ela riu e falou:

— Então a Longmere ainda está no topo da lista das opções de escola para Ruby?

Fiz que sim, impressionada com sua memória para os nomes das escolas de Boston, e fi quei ainda mais surpresa quando perguntou:

— É nessa escola que a fi lha de April estuda, não é?

— Sim, o que no momento não está ganhando pontos com Nick — res-pondi, contando toda a história do paciente de Nick. — Ele quer evitar o drama todo… Ou evitar os tipos que ele considera dramáticas enxeridas e desocupadas.

— Dramáticas enxeridas e desocupadas existem em todo lugar — Rachel desabafou. — Em escolas públicas ou privadas, em Manhattan ou em qualquer outro lugar, elas são inevitáveis.

— Pois é — concordei. — Mas diga isso para o Nick, ele está todo revoltado ultimamente.

Assim que as palavras saíram, fi quei arrependida, tanto porque me senti desleal ao dizê-las a Rachel, que nunca diz uma palavra negativa sobre seu marido, quanto porque senti que fi nalmente havia materializado minhas críticas em relação a meu marido.

Ela me deu um olhar de compaixão que apenas acentuou minha culpa.

— Revoltado com o quê? — Rachel perguntou.

— Ah, eu sei lá — falei tentando voltar atrás um pouco.

— Entendo o ponto de vista dele. Entendo perfeitamente que April e Romy, e todos desse grupinho, devam recuar e dar um pouco de espaço a essa mulher e a seu fi lho. Eu inclusive disse isso a April, o que não foi algo fácil de dizer para uma amiga.

— Posso imaginar — disse Rachel, concordando com a cabeça.

— Mas o Nick leva tudo ao extremo. Você sabe como ele é. Moralista não é a palavra certa… — Áspero? Direto? — ela tenta adivinhar.

— Bem, sim, tem isso. Ele sempre foi muito sério — eu disse, percebendo quanto é difícil descrever as pessoas mais próximas, talvez porque conhecemos todas as suas nuances. — A questão é que ele tem tolerância zero para qualquer coisa que considere frívola: fazer uma fofoca, ler uma revista sobre celebridades, beber ou consumir em excesso.

Ela concordou hesitante, andando sobre a linha tênue entre me apoiar e denegrir Nick.

— Eu sei que estou exagerando no fato de ele não ter senso de humor… — Não, não. Você não está. Escute, eu conheço o Nick, e o entendo. Ele tem um ótimo senso de humor — ela falou.

— Certo. Ele só está mais calado ultimamente, nunca quer se encontrar com os amigos, e, quanto a cuidar das crianças, ele pode ser tanto o pai liberal quanto o advogado do diabo… Ou talvez eu este?a percebendo isso melhor ultimamente… — disse pensativa. Então tentei contar a Rachel sobre as piores partes da minha última conversa com minha mãe.

— Bem, a Barbie é uma cínica — ela disparou. — Você não pode considerar tudo o que ela diz. Você sabe o que ela me disse há pouco tempo? Bem na frente das meninas?

— O quê? — perguntei, ?á balançando a cabeça em sinal de reprovação.

— Ela falou que se casar é como ir ao restaurante com os amigos. Você pede o que quer, mas, quando vê o prato do seu amigo, se arrepende de não ter pedido um daquele.

Segurei minha cabeça com as mãos e dei uma risada.

— Brutal.

— Eu sei. Ela me fez sentir como uma grande costeleta de porco que Dex poderia mandar de volta para a cozinha se não gostasse.

— E essa? Depois que viu Nick abrir a porta do carro para mim, soltou essa pérola: “Quando um homem abre a porta de seu carro para sua esposa, você pode ter certeza de uma coisa: ou o carro é novo ou a esposa é nova”.

Rachel riu e falou:

— Bem, o carro era novo?

— Infelizmente, sim — respondi. — Novinho em folha.

Mas, enf i m, eu nunca admitiria isso à minha mãe, mas abandonar meu trabalho não tem sido a panaceia que eu esperava que fosse. Sinto-me tão quebrada e exausta quanto antes, e ainda assim parece que não há tempo suf i ciente para as crianças… Para nada, na verdade.

— Pois é. Quase te faz sentir mais culpada, não é? Por não ser uma mãe habilidosa no campo das artes e dos trabalhos manuais?

— Mas você é — eu disse, dando-lhe um olhar acusador.

— Não sou não. Nem sei quando foi a última vez em que peguei os materiais de artes para brincar com as meninas.

Em tese, temos muito mais tempo em casa, mas o preenchemos com pormenores que, de alguma maneira, conseguíamos evitar quando trabalhávamos.

— Isso mesmo? — exclamei mais uma vez, sentindo um alívio intenso, ?á que nada é tão desesperador do que achar que você é a única pessoa no mundo que se sente de determinada maneira, principalmente em se tratando de questões relativas à maternidade e, proporcionalmente, nada é mais consolador que saber que você não está sozinha. — É exatamente isso, sinto que preciso de uma esposa… Alguém para cuidar dos trabalhos da escola e… — Ir ao banco, ao supermercado — Rachel completou.

— E comprar presentes.

— E embrulhá-los.

— E escrever os cartões de agradecimento.

— E montar os álbuns de fotograf i a — ela disse revirando os olhos. — Estou dois anos atrasada e só cheguei até a metade do primeiro álbum de Júlia.

— Por Deus, esqueça os álbuns. Eu ?á me contentaria com alguma a?uda para tirar as fotos — eu falei, pensando em quando, pouco tempo atrás, dissera a Nick que, se algo acontecesse comigo, as crianças não teriam fotos de sua mãe. Ele me disse para não ser tão mórbida, pegou a câmera e tirou uma foto minha, registrando minhas olheiras e uma espinha enorme no queixo que eu havia coberto com uma pomada secante, uma foto que obviamente apaguei depois, arrepiando-me só de pensar que pudesse ser lembrada por uma imagem tão horrorosa. Ou, pior, vista daquela maneira por outra mulher, a segunda esposa de Nick, a única mãe que meus fi lhos conheceriam.

Então, assim que senti que nossa sessão de reclamação estava se transformando em uma onda de reclamações sem limite, Rachel sorriu e disse:

— Ah, sim. Mas sorte deles que são tão fofos, porém incompetentes.

Eu sorri, confusa quanto à ideia de chamar crianças de incompetentes, mas então percebi que não estava falando das crianças, mas sim de Dex e Nick.

— É — disse alargando o sorriso. — Sorte deles.

Naquela noite, bem depois que todos foram embora e as crianças estavam dormindo, Nick e eu estávamos em nosso quarto, preparando-nos para dormir.

— Foi um ótimo fi m de semana — eu disse, enquanto enxaguava meu rosto, enxugava-o delicadamente com a toalha e aplicava uma quantidade generosa de hidratante sobre o rosto e o pescoço. — Adoro ver as quatro crianças ?untas.

— É, foi divertido — concordou Nick, enquanto mexia em sua gaveta para pegar uma calça de pi?ama de cambraia. — E sua mãe conseguiu se comportar razoavelmente bem.

Dei um sorriso, indo até a minha c?moda e escolhendo uma camisola preta, feita de uma mistura de algodão e elastano, que não era descaradamente sexy, mas o corte caía bem no corpo e esperava que fosse despertar algo entre mim e Nick. Não é bem no sexo que estou interessada, mas sim no momento de intimidade que o segue.

— Pois é — eu falei. — Mas ela me deu um sermão ontem pela manhã.

— Sobre o quê?

— Ah, sei lá. Ela ainda se preocupa… — Ainda se preocupa com o quê desta vez?

— Com o de sempre. Acha que o casamento é difícil quando se tem fi lhos pequenos. Que eu não deveria ter parado de trabalhar — disse pensando que suas preocupações estavam consolidadas em minha mente, tornando-se minhas preocupações também. Ou se ?á estavam se formando lá dentro e foram simplesmente trazidas à tona pela intuição de uma mãe.

— Você falou a ela que estamos bem? — ele perguntou, porém parecendo distraído enquanto checava seu BlackBerry e digitava uma resposta com seus polegares ágeis trabalhando alternadamente. Sempre que ve?o suas mãos se movendo desse ?eito, lembro-me de que ele é um cirurgião com as habilidades motoras mais ref i nadas e sinto uma onda de atração tranquilizadora. Mesmo assim, não gostei de como ele usou a palavra “bem”. Quero estar melhor que bem.

— Sim, eu disse.

Nick ainda estava digitando, com a sobrancelha franzida, e pude perceber que era um assunto relacionado ao trabalho. Ele terminou subitamente e então vestiu sua calça de pi?ama, apertando o cordão da cintura. “Você sempre dorme com o peito de fora?”, perguntei uma vez quando começamos a namorar, e ele riu e me corrigiu: “Garotas f i cam com o peito de fora. Homens fi cam sem camisa.

Portanto, com o peito de fora e sem camisa”. Observei-o arremessando suas roupas na direção do cesto de roupa su?a, mas deixou-as cair tão longe que me pareceu que nem estava tentando acertá-lo. Ele não costumava ser tão descuidado assim, e, enquanto eu olhava fi xamente para a pilha de roupas no chão, seu boné de beisebol da Harvard invertido sobre o monte, senti-me confusa. Contei até dez em silêncio, esperando que ele dissesse algo, qualquer coisa, e, quando ele não disse, eu soltei:

— Então, imprimi a fi cha de inscrição para Longmere.

Essa declaração soou como arquitetada inteiramente para pisar em seu calo ou, no mínimo, para tentar travar uma conversa. Senti uma pontinha de vergonha por ser tão manipuladora, mas, ao mesmo tempo, senti que estava com a razão.

— Ah é? — ele perguntou indo até a pia do banheiro.

Sentei-me na beirada da banheira e assisti aos músculos de suas costas fl exionarem-se enquanto escovava os dentes com o que sempre acreditei ser uma força exagerada.

Costumava lembrá-lo de suas gengivas, quanto essa técnica fazia mal para elas, mas desisti com o passar dos anos.

— Acho que deveríamos seguir com o processo todo — expliquei.

— Acha? — ele disse, com o tom de voz entediado, como se quisesse me dizer que isso estava na longa lista de coisas com as quais ele não se preocupava, ao lado dos lanches da escola e das fantasias para o Dia das Bruxas.

“Droga”, pensei. “Minha mãe está certa.”

— Sim. Vou colocá-la em sua mala. Você acha que poderia tentar fazer as cartas? T alvez esta semana? Rachel disse que foi o Dex quem escreveu as das meninas… Nick me olhou pelo espelho e então falou com a boca cheia de pasta de dente:

— Sério?

Olhei-o pasma esperando-o cuspir na pia, enxaguar a boca e dizer:

— T udo bem. Mas terei uma semana agitada. O enxerto de Charlie é amanhã.

— Claro — eu disse, meu aborrecimento subindo um ponto a mais na escala quando ele chamou o seu paciente pelo primeiro nome.

Pouco depois, seguiu-me até a cama.

— Então é isso que estamos fazendo? — Nick perguntou com um suspiro. — Nos candidatando à Longmere?

— É uma ótima escola. É onde o Charlie estuda.

Assim que essas palavras saíram, soube que tinha ido longe demais.

— O que isso quer dizer? — ele perguntou.

— Nada — respondi inocentemente, enquanto arrumava as cobertas ao meu redor.

— T udo bem. O que foi, T ess? Está brava com alguma coisa?

— Não — respondi da maneira menos convincente possível, dese?ando que ele desse um passo adiante, para que eu pudesse lhe dizer tudo o que estava sentindo, a frustração que estava muito próxima de se transformar em raiva. A raiva que parecia metade das vezes ?usta e a outra metade paranoica e egoísta.

Mas ele não foi adiante, não me deu a oportunidade, não me fez nenhuma pergunta sequer. Em vez disso, simplesmente falou:

— Que bom. Agora vamos descansar um pouco.

— Claro, eu sei. Você tem uma cirurgia amanhã.

Nick me olhou, fez que sim e sorriu minimamente. Então, absorto, checou seu BlackBerry uma última vez, desligou o aba?ur ao lado da cama, obviamente ignorando tanto meu sarcasmo quanto minha camisola preta.

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Comments

Divina Santos

Divina Santos

nossa!!eles estão muito frio um com o outro,isto da brecha pr traição

2024-04-04

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