12

[ VALERIE ]

Na manhã de segunda-feira, enquanto o Dr. Russo e uma equipe de cinco médicos e enfermeiras operavam Charlie, Valerie sentou-se na sala de espera, esperando, e nada mais. Ela aguardou sozinha, insistindo para que sua mãe e seu irmão fossem mais tarde, depois que tudo tivesse terminado. Valerie nunca gostou de conversar em momentos de nervosismo, e não conseguia entender a psicologia das pessoas que procuravam ansiosamente por distrações, como sua mãe, que tricota quando está chateada ou preocupada. Por isso, não se virou nem uma vez para olhar a televisão de tela plana que anunciava notícias no canto da sala, nem mesmo olhou de relance para as várias revistas femininas espalhadas sobre as mesas por toda a sala. Ela também não ouviu músicas no iPod de Charlie, que prometeu guardar enquanto ele estivesse na sala de cirurgia. Ela não queria nenhum tipo de fuga, ao contrário, queria permanecer alerta, simplesmente resistindo aos minutos angustiantes, aguardando que alguém surgisse na porta da sala e a levasse até seu fi lho.

Na verdade, esperava que esse alguém fosse Nick, por nenhuma outra razão a não ser a que, quando visse seu rosto, saberia imediatamente que tudo havia corrido bem.

Neste momento ?á sabia que ele era direto na hora de dar notícias e gastava sua energia mental visualizando o instante em que veria seu sorriso tranquilizador, quase dese?ando que tudo acontecesse exatamente do ?eito que imaginara.

Só depois de certo tempo, cerca de duas horas após o início da cirurgia, Valerie se desconcentrou e deixou sua mente vagar até aquela sensação ?uvenil de sábado à noite.

Sentiu seu rosto queimar de vergonha, mesmo sabendo que havia passado despercebida, que ninguém nunca saberia o que havia feito e que nunca aconteceria outra vez. Mesmo assim, perguntou-se o que esperava ganhar com isso. E, Deus, e se Nick a tivesse visto? Ou, pior, e se ele e sua esposa a tivessem avistado? E aí? Eles achariam que suas ações se ?ustif i cariam pelo fato de ser uma mãe perturbada que perdera as amarras, sentindo pena dela por vários motivos? Ou a explicação que dariam seria menos bondosa, acusando-a de perseguição, e Nick fi caria tão incomodado que se recusaria a tratar seu fi lho e o encaminharia a outro médico, menos capaz? Esse pensamento fez com que literalmente estremecesse enquanto se envolvia um pouco mais em seu cardigã.

Mais uma vez, perguntou-se por quê. O que a fi zera ir até lá? E fez o que p?de para ignorar a resposta perturbadora que se formava em sua mente. Que houvesse algo entre eles, uma atração, ou ao menos uma ligação. Balançou a cabeça em reprovação, dispensando sua conclusão, considerando-a errada, absurda. Ela não podia estar apaixonada por um homem que mal conhecia. E ele com certeza não sentia nada por ela, a não ser mera compaixão, ela estava vulnerável, só isso, e ele era sua salvação. E disse a si mesma que isso deveria ser comum. Pacientes se apaixonando por seus médicos, confundindo gratidão com algo mais. Na verdade, lembrou-se de ter lido algo sobre isso quando estava grávida, como algumas mulheres passam a se sentir atraídas por seus obstetras, mas na época achara inconcebível. Contudo, pensando bem, talvez estivesse preocupada demais pensando em Lion para que uma atração de qualquer tipo, por mais fugaz que fosse, se materializasse.

Então era isso, Valerie decidiu, ela é um caso típico, nada mais. De repente fez todo o sentido para ela, principalmente por Nick ser tão bonito de se ver. Era muito fácil perceber sua beleza, seus olhos, aquele cabelo, aqueles ombros. Por isso que as enfermeiras solteiras fi cavam extasiadas e soltavam risadinhas quando ele estava por perto. Até mesmo as casadas, aqueles tipos que carregam pastas cheias de fotos de seus maridos e fi lhos para todo lado, pareciam apaixonadas.

Valerie cruzou as pernas e transferiu o peso de seu corpo para o outro lado na poltrona, sentido-se aliviada em encontrar uma explicação tão lógica para seu comportamento insólito. Nick era um cirurgião brilhante e atraente, e ela, além de solteira, estava agora completamente isolada do resto do mundo. Olhou para cima, assistindo ao ponteiro dos segundos atravessarem os números do relógio acima dela, convencendo-se de que essa paixão logo passaria, até avistar uma silhueta se movimentando por trás da porta de vidro fosco da sala de espera. Endireitou-se na poltrona, torcendo para que fosse alguém destinado a falar com ela, alguém com algum tipo de novidade ou atualização. T orcendo para que fosse Nick.

Mas, em vez disso, Valerie viu duas mulheres entrando lentamente pela porta. Reconheceu uma delas, mas demorou a identif i car ao certo quem era. Quando f i nalmente descobriu, enri?eceu-se ao ouvir a mulher chamar seu nome.

— Romy — disse Valerie. — O que está fazendo aqui?

Romy levantou uma grande cesta de vime que continha um buquê de fl ores brancas e amarelas, que pareciam ter sido colhidas de algum ?ardim e arrumadas com capricho, e frutas tão perfeitas que pareciam falsas.

— Eu trouxe isso para você — falou Romy, colocando delicadamente a cesta a seus pés. Valerie olhou para baixo, reparando em uma garrafa de vinho que estava em um ângulo oposto ao das fl ores com uma ráf i a amarrada no gargalo. Examinou o rótulo francês, registrou que a garrafa viera de uma vinícola em Provença e sentiu uma onda de ódio ao pensar em como uma garrafa de vinho era inadequada em um momento como aquele. Olhou ao redor da sala, sentindo-se encurralada, percebendo que não tinha para onde ir, não havia nenhuma outra rota de fuga a não ser que empurrasse as duas e corresse pela porta de entrada. E, é claro, havia o fato de não poder sair. Ela dissera a Nick que estaria lá.

Valerie demonstrou com um aceno de cabeça que percebera a cesta, mas recusou-se a agradecer a Romy a oferta. Em vez disso, virou os olhos para a outra mulher.

— Olá, Valerie — ela disse lentamente, como se estivesse se comunicando com um estrangeiro. Meu nome é April, minha fi lha, Olivia, está na sala de Charlie.

Gostaríamos de te dizer que toda a sala está te apoiando, toda a escola. T ambém sentimos muito por você e pelo Charlie. Como ele está?

— Ele está bem — Valerie respondeu, arrependendo-se instantaneamente dessa resposta, principalmente enquanto estudava a expressão facial de April. Não havia nada nela que Valerie achasse desagradável. Era condescendente e agressiva ao mesmo tempo. Além disso, o Charlie não estava bem. Não estava nem um pouco bem. Então lhes disse:

— Ele está em uma cirurgia agora.

As duas trocaram um olhar inquieto de surpresa, consolidando o ceticismo de Valerie e conf i rmando a suspeita de que Romy estava mesmo preocupada com um processo contra ela, com a possibilidade de ter de abrir mão de uma parte de sua fortuna. Ela de repente se lembrou dos brincos de Romy, enormes e de diamantes que ela usou naquela noite na escola, e percebeu que, no lugar deles, havia pequenas argolas de prata. T ambém não estava usando seu pesado anel de noivado. T udo em sua aparência era minimalista, o retrato de uma mulher tentando mostrar, a todo custo, que não tinha uma conta polpuda.

— Cirurgia? — Romy perguntou.

— Sim. Um enxerto de pele.

A mão de Romy foi até seu próprio queixo.

— E como está… o rosto dele?

A resposta de Valerie foi ponderada e sucinta:

— Pref i ro não falar sobre isso.

As amigas trocaram outro olhar, esse mais visivelmente preocupado, mais egoísta. O lábio inferior de Romy estremeceu quando disse:

— Só estávamos preocupadas.

— Com quem? — Valerie perguntou ríspida.

— Com o Charlie — respondeu April, tomando a frente para defender sua amiga.

Valerie fi cou arrepiada ao ouvir o som do nome de seu f i lho, dito por essa desconhecida que, em primeiro lugar, não tinha nada que estar lá.

— Olha aqui. Não vou processar ninguém, se é com isso que se preocupa. Não importa quanto você tenha sido negligente.

Romy parecia prestes a chorar, enquanto April dizia:

— Ela não foi negligente.

— O quê? — perguntou Valerie. — Então você acha que foi uma boa ideia assar marshmallow em uma festa de aniversário cheia de meninos pequenos?

— Acidentes acontecem, mesmo quando tomamos cuidado. — Romy insistiu, com os olhos se enchendo de lágrimas.

— Bem, então você pode me dizer o que aconteceu? — pressionou Valerie, com o volume de sua voz aumentando.

Percebeu um homem no canto da sala, que antes estava concentrado em um livro, olhar para elas, percebendo que uma discussão estava prestes a acontecer. — Porque seu marido disse que não sabia ao certo. Você sabe? Alguém sabe?

Romy parou de chorar imediatamente, outra prova de que suas lágrimas eram falsas.

— Os meninos estavam fazendo algazarra.

— Meninos de 6 anos fazem isso — April acrescentou.

— Certo. — Então mais uma vez, Valerie disse, como f i zesse um interrogatório. — E desde quando é uma boa ideia assar marshmallow sem supervisão com um bando de meninos de 6 anos que são propensos a fazer algazarra?

— Eu não sei. Eu… eu sinto muito — Romy disse, com suas palavras vazias e falsas.

— Você deveria ter começado por aí — Valerie alf i netou.

— Ela tentou começar por aí — April tentou explicar. — Mas você não atende seus telefonemas.

— T enho estado meio ocupada, sabe? Perdoe-me.

— Olha — Romy tentou mais uma vez. — Sabemos que seu fi lho está ferido e que você… — Vocês não sabem de nada sobre mim — Valerie interrompeu levantando-se, com a voz mais alta. — Vocês acham que me conhecem, mas não têm a menor ideia.

Nenhuma ideia, na verdade.

April bateu no ombro de Romy e com a cabeça indicou a direção da porta.

— Vamos embora — disse.

— Ótima ideia. Por favor. Vão embora — Valerie disse. — E levem suas fl ores e esse vinho com vocês. T alvez possam usá-los na próxima festa.

Pouco depois que as duas mulheres foram embora, Nick chegou à sala de espera. Ele não estava sorrindo, mas bem que poderia estar. Valerie aprendeu que essa era sua expressão de felicidade, relaxada e, ao mesmo tempo, destemida, e soube imediatamente que Charlie estava bem.

Levantou-se esperançosa, aguardando a conf i rmação.

— Ele se saiu muito bem — Nick disse, o que, é claro, queria dizer que Nick havia se saído muito bem.

Essa nuance não passou despercebida para Valerie, que se sentiu dominada pela emoção enquanto dizia:

— Muito obrigada.

Nick acenou positivamente com a cabeça e disse:

— Estou muito satisfeito com os resultados.

Valerie agradeceu mais uma vez, enquanto Nick a prevenia dizendo-lhe que ela não conseguiria perceber imediatamente, que o enxerto ainda precisava de tempo para cicatrizar e que os novos vasos ainda iam se desenvolver.

— Em outras palavras, pode não parecer bonito para você. Mas para mim, parece.

— Bem, é isso que importa — ela exclamou, lembrando-se das imagens de antes e depois que ela havia pesquisado na internet durante o fi m de semana, dos textos que relatavam tudo o que poderia dar errado, tudo contra os avisos de Nick para que fi casse longe da internet. — Posso… vê-lo?

— É claro. Ele ainda está dormindo, mas deve acordar em breve.

Nick olhou curiosamente para a cesta que as duas deixaram na sala e perguntou:

— É sua?

— Não.

Valerie respondeu, passando intencionalmente sobre ela, enquanto seguia os olhos de Nick, que iam até o grande envelope claramente destinado a “Valerie e Charlie”.

Valerie tirou o cartão da cesta sem ?eito, ?ogou-o em sua bolsa e gague?ou:

— Quero dizer, sim… é minha. Mas acho que vou deixar aqui. Para que outras famílias… possam desfrutá-la. Não estou muito no clima de vinho estes dias.

Nick lançou-lhe um olhar, como se suspeitasse que a história fosse outra, mas não disse nada enquanto a levava até o quarto de Charlie. Durante o caminho, ele estava a todo o vapor, falando mais rapidamente que de costume, dando detalhes sobre a cirurgia, explicando como tudo havia corrido bem. Quando chegaram à porta da sala de recuperação, Nick indicou que ela entrasse primeiro. Valerie se preparou, mas não o suf i ciente para sua primeira visão de Charlie na cama, parecendo menor do que nunca. Seu corpo estava protegido por cobertores, seu couro cabeludo e seu rosto estavam com curativos, só era possível ver seu nariz, seus olhos e seus lábios. À medida que Valerie observava uma enfermeira desconhecida checar os sinais vitais de seu fi lho, teve o ímpeto repentino de ir até ele, tocar o rosa de seu pescoço, mas se segurou, com medo de infectá-lo de alguma forma.

— Como ele está? — Nick perguntou à enfermeira, que respondeu com uma voz áspera, informando-o sobre números que não signif i cavam nada para Valerie.

Nick fez que entendeu enquanto ela fazia anotações em seu prontuário e saía pela porta.

— Venha aqui — Nick disse, levando-a até a cama de seu f i lho.

À medida que as pálpebras de Charlie tremulavam e se abriam, sentiu-se envergonhada por sua hesitação, por não ser mais forte naquele momento. Era ele quem acabara de passar por quatro horas de cirurgia. Era ele quem tinha uma máscara sobre seu rosto, um cateter intravenoso, gota a gota, administrando medicamentos para dentro de seu corpo. T udo o que ela teve de fazer foi esperar.

— Oi, querido — ela disse, forçando um sorriso, fi ngindo coragem.

— Mama, ele disse, o primeiro nome que lhe deu, quando era apenas um bebê, mas que depois deixou de usar quando aprendeu a falar e andar.

Sentiu-se aliviada ao ouvir sua voz, ver o azul de seus olhos.

— Você se saiu muito bem — ela disse, com as lágrimas enchendo seus olhos enquanto se sentava ao lado dele na cama. Esfregou suas pernas através de várias camadas de cobertores, vendo-o lutar para manter os olhos abertos.

Depois de vários segundos, suas pálpebras fi caram pesadas e se fecharam novamente.

— Aqui. Deixe-me te mostrar — Nick sussurrou, virando-se para vestir um par de luvas de látex. Ele foi até Charlie e, com sua mão mais estável, removeu a máscara e retirou um canto do curativo para mostrar seu trabalho.

Um susto escapou de Valerie quando olhou o rosto de seu fi lho. Folhas de pele pálida e transparente cobriam a sua bochecha, todas cheias de pequenos furos que drenavam sangue e líquidos. Uma máscara assustadora sob sua máscara. Uma cena de fi lme de terror, daquelas que Valerie evitava ver, sempre escondendo o próprio rosto com as mãos. Sentiu que começava a tremer, mas não deixou que as lágrimas caíssem.

— Você está bem? — Nick perguntou.

Ela fez que sim, inspirando e forçando-se a soltar o ar a f i m de se recompor.

— Lembre-se. A ferida precisa de tempo para cicatrizar — Nick explicou enquanto arrumava o curativo e a máscara.

Ela sabia que deveria dizer algo, mas não conseguia soltar nenhuma palavra.

— Não vai parecer nada com isso dentro de alguns dias.

Você fi cará impressionada.

Ela fez que sim mais uma vez, sentindo-se tonta e fraca.

Disse a si mesma que não podia desmaiar, que nunca se perdoaria se desmaiasse depois de ver o rosto de seu fi lho.

— Vai voltar a ter a cor de uma pele normal quando recobrar a vascularidade, e vai ter um movimento normal, também, depois que a pele cicatrizar e aderir ao tecido e ao músculo facial sub?acente.

“Diga algo”, disse Valerie a si mesma enquanto se sentava ao lado de Charlie.

— É por isso que precisaremos da máscara, que deve chegar ho?e ou amanhã. Para manter uma pressão constante, para manter tudo em seu lugar quando ele começar a comer alimentos sólidos, falar, esse tipo de coisa. T ambém a?udará a controlar sua dor.

Valerie levantou os olhos para ele, alarmada, e f i nalmente disse-lhe:

— Ele vai sentir dor? Achei que ouvi você dizer que existiam muitos remédios para dor?

Nick apontou para o cateter e disse:

— Existem. Mas ainda assim haverá um pouco de desconforto e a pressão a?udará nessa hora.

— T udo bem — ela disse, com a tontura e o terror se dissipando à medida que percebia que precisaria a?udar seu f i lho. — Então agora ele pode beber?

Nick conf i rmou:

— Sim. Ele pode tomar líquidos e iniciaremos os alimentos macios amanhã, provavelmente. E, fora isso, ele só precisa descansar. Descansar muito.

— Certo, garotão? — Nick perguntou quando Charlie abriu os olhos outra vez.

E o garoto piscou, ainda sonolento demais para falar.

— Certo — Valerie respondeu por ele.

— T udo bem, então — Nick disse removendo as luvas e arremessando-as em uma lixeira no canto do quarto, como se estivesse ?ogando beisebol. Ele acertou o alvo e pareceu satisfeito.

— Eu volto — ele disse.

Ela sentiu uma dor aguda, dese?ando que ele ainda não a deixasse.

— Quando? — ela perguntou, arrependendo-se instantaneamente.

— Logo — ele respondeu. Então alcançou sua mão, apertando-a, como se estivesse dizendo mais uma vez que tudo estava correndo exatamente como ele esperava, exatamente como deveria ocorrer.

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Comments

Divina Santos

Divina Santos

tadinho desta criança,goi muita inresponsabilidade mesmo o q aconteceu cm ele

2024-04-04

0

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