16

[ VALERIE ]

— Você também é médica? — uma voz alta interrompe os pensamentos de Valerie, lembrando-a de que ainda estava no Antonio’s, aguardando pela lasanha de Jason, que ela teria se esquecido de pedir não fosse o lembrete de Nick, logo depois que terminaram de ?antar e ele foi para casa.

Ela levantou os olhos e sorriu para T ony, que estava rodeando ali por perto.

— Médica? Não — ela respondeu como se a ideia fosse ridícula. Na verdade era de fato ridícula, considerando o fato de que sua única nota ruim na vida tenha sido em uma aula de Biologia do colegial, quando simplesmente se recusou a dissecar o feto de porco que seu parceiro de laboratório e ?ogador de futebol americano insistia em chamar de Wilbur.

Ela ainda se lembrava do cheiro vertiginoso do formol e da imagem das papilas gustativas molengas sobre a língua rosa pálida do porco.

T ony tentou mais uma vez:

— Uma enfermeira?

Ocorreu-lhe acabar com a linha de questionamentos de T ony ao simplesmente dizer “Advogada”, mas sabia que ele estava curioso para saber sobre sua relação com Nick e o vinho havia feito com que ela baixasse um pouco sua guarda. Além disso, havia algo no ?eito afável e aberto de T ony que a fez pensar que ele daria conta da verdade.

Então ela acenou com a cabeça na direção do hospital e disse:

— Meu fi lho é um paciente no Shriners.

— Oh — T ony disse suavemente e balançou a cabeça, arrependido, enquanto Valerie se perguntava se parte daquele arrependimento não era por causa de sua resposta, mas sim por causa da pergunta de T ony, por sua tentativa de iniciar uma conversa ter se descarrilado e entrado em um terreno sombrio. — E como ele está?

Valerie sorriu, fazendo o máximo para acalmá-lo, treinando para uma conversa que terá muitas e muitas vezes nos meses seguintes.

— Ele está fi rme. Fez duas cirurgias até agora… — e pausou constrangida, forçando outro sorriso, sem saber ao certo o que dizer além disso.

T ony transferiu o peso de seu corpo de um pé para o outro e se inclinou sobre a mesa ao lado para arrumar o saleiro e o pimenteiro.

— O Dr. Russo que fez a cirurgia?

— Sim — ela respondeu sentindo-se, de alguma forma, orgulhosa desse fato, como se a associação entre eles ref l etisse em sua capacidade como mãe. “Só o melhor para o Charlie”, ela pensou.

T ony olhou cheio de expectativa enquanto ela continuava, dando-lhe mais detalhes:

— Uma cirurgia em sua mão e uma em seu rosto. Essa última ho?e de manhã — e ela tocou seu próprio rosto, sentindo o primeiro golpe de ansiedade desde que deixara Charlie com Jason, duas horas antes. Então olhou para seu celular, com as teclas viradas para cima, o toque a?ustado no volume máximo, perguntando-se se poderia ter perdido alguma ligação de Jason. Mas a tela permanecia em branco, uma imagem de uma estrada de duas vias, serpenteando sob um céu azul cheio de nuvens brancas e leves, desaparecendo no horizonte.

— Bem, então você ?á deve saber: o Dr. Russo é o melhor. Você e seu fi lho estão com o melhor — disse T ony tão entusiasmado, que Valerie se perguntou se ele ?á havia tido experiências de primeira mão com outros pacientes ou seus pais. Ele continuou em tom de reverência. — E ele é tão modesto. Mas as enfermeiras que vêm aqui… todas me contaram dos prêmios que ?á ganhou… das crianças que ?á salvou… Você ouviu falar daquela garotinha… a que sofreu um acidente de avião em Maine? O pai dela era um importante executivo de TV? Apareceu no ?ornal cerca de uns dois anos atrás?

Valerie fez que não, percebendo que ela nunca mais poderia se dar ao luxo de ignorar uma história como essa.

— Sim, era um daqueles aviões pequenos, com apenas um motor. Eles estavam indo para um casamento… a família toda… e o avião caiu a cerca de 400 metros da pista, logo depois da decolagem, bateu em uma barragem e todos, com exceção da garotinha, morreram imediatamente por causa da fumaça e das queimaduras. O piloto, os pais e os três irmãos mais velhos. Foi uma tragédia — ele contou pesaroso.

— E a garotinha? — Valerie perguntou.

— Ficou órfã e sozinha, mas sobreviveu. Ela conseguiu.

As enfermeiras a chamavam de “garota milagrosa”.

— Qual era a gravidade de seus ferimentos? — Valerie perguntou, com a perna sacudindo ansiosamente.

— Graves — T ony respondeu —, bem graves. Oitenta por cento de seu corpo, algo assim.

Ela engoliu em seco enquanto pensava em 80%, em quanto poderia ter sido pior para o Charlie.

— Quanto tempo ela fi cou no hospital? — ela perguntou com a garganta ?á seca.

— Ah, nossa — T ony disse dando de ombros. — Muito, muito tempo. Meses e mais meses. T alvez até um ano inteiro.

Valerie fez que entendeu, sentindo uma onda de pura dor ao pensar no acidente, no horror imensurável naquela barragem. E, quando começou a imaginar as chamas consumindo o avião e todas aquelas pessoas lá dentro, fechou os olhos para impedir que as imagens lhe viessem à cabeça.

— Você está bem? — T ony perguntou.

Ela olhou para cima e o viu em pé próximo a ela, com as mãos unidas, a cabeça curvada para a frente, olhando de uma maneira estranhamente graciosa para um homem tão robusto e corpulento.

— Eu não devia ter contado… Fui um insensível — T ony desculpou-se.

— Não se preocupe. Tivemos muita sorte em comparação a ela — Valerie disse e, então, tomou seu último gole de vinho, de repente afoita para voltar ao hospital, ?usto quando um cozinheiro surgiu do fundo do restaurante com uma embalagem para viagem.

— Lasanha e salada da casa? — ele perguntou.

— Obrigada — disse Valerie, pegando sua bolsa.

T ony levantou as mãos e disse:

— Não, não. Por favor. Essa é por conta da casa.

Contanto que volte outra vez para nos visitar, tudo bem?

Valerie começou a protestar, mas então concordou agradecendo e prometeu voltar.

— Como ele está? — ela perguntou a Jason enquanto passava pela porta e se deparava com Charlie ainda na mesma posição em que o deixara.

— Ainda dormindo. Ele não acordou nem durante a troca de curativos — disse Jason.

— Que bom — ela falou. Porque ele precisava descansar e cada minuto de sono era um minuto sem dor, embora às vezes acreditasse que os pesadelos de Charlie fossem piores que tudo. Ela então tirou os sapatos com um chute e colocou os chinelos, parte de seu ritual noturno.

— E então? — Jason perguntou. — Como foi o ?antar?

— Foi bom — ela respondeu calmamente, pensando em como o tempo passara rápido enquanto estava sentada com Nick, em como tinha sido natural e agradável. — Conversamos bastante.

— Eu quis dizer a comida — Jason explicou, levantando as sobrancelhas. — Não a companhia.

— A comida estava ótima. Aqui está — e ?ogou a embalagem em sua direção enquanto ele murmurava algo.

— O quê? — ela perguntou.

E ele repetiu, mas desta vez mais devagar e mais alto:

— Eu disse que acho que alguém está a fi m do Dr.

Bofescândalo.

— Dr. Bofescândalo? — ela perguntou, fechando as persianas. — É alguma gíria nova que eu não conheço?

— Sim. Dr. Bofescândalo. Dr. Delícia.

Ela riu exaltada e repetiu:

— Delícia?

— Carne de primeira — Jason brincou, piscando para ela.

Valerie revirou os olhos e devolveu:

— Acho que é você que está a fi m dele, viu?

Jason deu de ombros e disse:

— Sim. Ele é um gato. Mas não sou eu que estou tão preocupado em provar o contrário.

— Não dou em cima de homem casado — ela se defendeu enfaticamente.

— Eu não disse que você estava dando em cima dele — Jason explicou. — Só disse que você está a fi m dele.

— Não estou — ela respondeu, imaginando os olhos escuros de Nick, a maneira como aperta os olhos fazendo uma leve careta sempre que está af i rmando algo ou sendo enfático. Ocorreu-lhe que poderia estar soando muito na defensiva, que não deveria estar protestando tanto assim.

Principalmente considerando que Jason e ela sempre faziam brincadeiras sobre homens que achavam atraentes — como o solteiro que morava do outro lado da rua e, às vezes, cortava a grama sem camisa — e que, alguns deles, eram por ventura casados.

Jason abriu a embalagem, inspirou o aroma e aprovou com um aceno de cabeça.

— Então, sobre o que conversaram esse tempo todo?

— Sobre várias coisas — ela respondeu, percebendo que ainda não havia contado a Jason sobre a cesta de Romy.

Pensou em contar naquele momento, mas de repente se sentiu exausta e decidiu que aquilo poderia esperar até a manhã seguinte. — Trabalho, os fi lhos dele, a escola de Charlie. Várias coisas.

— Você chegou a falar que acha que Charlie anda fumando escondido?

— Não comece — ela avisou.

— Você que não comece — ele disse. — É um caminho perigoso, se apaixonar por um Bald?in como ele.

— Que seja — ela falou, rindo da menção aos Baldjin e lembrando-se de que uma vez se apaixonou por Billy — ou qualquer um dos irmãos que tenha atuado no fi lme Linha Mortal — e que Nick tinha de fato alguma semelhança com ele. Mas, infelizmente para ela, pensou enquanto observava seu irmão devorar a lasanha, os olhos de Nick eram bem mais bonitos.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!