14

[ VALERIE ]

Nick voltou para dar uma olhada em Charlie de hora em hora, a cada hora exata, até sua última visita do dia, quando apareceu vestindo uma calça ?eans da Levi’s e um suéter cinza de gola rulê, uma bolsa preta e um casaco de lã pendurado em seus ombros, evidentemente indo para casa.

— Como estão todos? — ele perguntou com uma voz suave, olhando de relance para Charlie, que estava dormindo, Jason e então, fi nalmente, para Valerie.

— Estamos bem — ela sussurrou quando Jason interrompeu e disse:

— Ei, doutor, eu estava agora mesmo falando para a Val que ela precisava sair e tomar um pouco de ar fresco. Você não concorda?

Nick encolheu os ombros, fi ngindo-se impotente, e então disse:

— Sim, mas ela nunca me escuta.

— Escuto sim — Valerie disse em um tom que saiu mais infantil do que queria que tivesse saído. E então olhou para o outro lado, sentindo-se aberta e exposta, enquanto imaginava a casa de Nick e a luz dourada na ?anela do quarto do andar de cima.

— Ah é? — perguntou Nick com um sorriso modesto. — Então você está dormindo bem? E faz três refeições por dia?

E evita ler na internet sobre tudo o que pode dar errado?

Ela fi cou corada e resmungou:

— T udo bem, eu vou, eu vou — então se levantou, colocou o casaco e pegou sua bolsa na cadeira de balanço.

— Aonde você vai? — Jason perguntou.

— Não sei — ela respondeu pouco à vontade, sabendo que Nick estava lá ouvindo e a observando. — Provavelmente só vou pegar algo para comer em algum restaurante. Você quer alguma coisa? Mexicana? — ela perguntou a seu irmão.

Jason fez uma careta e disse:

— Não. Nunca pensei que diria isso, mas estou en?oado de burritos.

— Vocês ?á experimentaram a comida do Antonio’s? — Nick perguntou.

Valerie fez que não e perguntou:

— É perto daqui?

— Sim, atravessando a rua. Na Rua Cambridge, é um cantinho despretensioso, mas a comida é incrível. Melhor que qualquer restaurante de Rua North End. O melhor frango com brócolis que ?á comi na vida, incluindo o da minha mãe — disse Nick, apalpando o bolso da frente de sua calça ?eans como se estivesse procurando por suas chaves.

— Parece uma boa ideia — Jason falou, apontando para Nick de maneira decisiva. Ele então se voltou para Valerie e disse:

— Você pode pegar um pedaço de lasanha?

— Claro — ela respondeu.

— Mas não precisa se apressar — ele disse. — Coma lá mesmo, não estou com muita fome.

— Essa é nova — Valerie provocou, percebendo que ela, desta vez, estava faminta. Bei?ou Charlie, que neste momento ?á estava roncando, no lado do rosto que não estava machucado, e então saiu pela porta, sentindo Nick seguir vários passos atrás dela.

— T ambém estou de saída ele disse quando estavam a sós no corredor. — Posso te acompanhar até lá?

Era uma oferta tentadora e Valerie abriu a boca para recusá-la, pois não queria ser um inc?modo. Mas, no último segundo, mudou de ideia e disse:

— Seria um prazer.

Alguns minutos depois, saíram do hospital ?untos e enfrentaram uma noite tão fria e cortante que logo virou motivo de conversa.

— Meu Deus — disse Valerie, puxando seu cachecol para cobrir seu rosto enquanto aceleravam o passo. — Está um gelo.

— Está mesmo, quase não tivemos outono este ano — ele comentou.

— Eu sei, não me lembro de ver as folhas caírem nenhuma vez — Valerie disse, pensando que não teria apreciado a estação de qualquer ?eito.

Eles olharam para os dois lados, esperando alguns segundos para que os carros parassem de surgir antes de atravessarem a Rua Cambridge rapidamente, indo até o toldo branco e preto que Valerie ?á havia visto tantas vezes ao passar por lá, mas que nunca tinha de fato reparado.

Quando Nick abriu a porta, um homem robusto e de bigode, exatamente o tipo que se espera encontrar em um restaurante chamado Antonio’s, gritou:

— Dr. Russo, por onde esteve, bom homem?

Nick riu:

— Por onde estive? Eu vim aqui na semana passada.

— Ah, é. Acho que veio mesmo — ele disse, olhando cautelosamente para Valerie.

Ela sentiu uma onda de nervosismo com um toque de culpa, que se dissipou quando Nick disse:

— Essa é Valerie, minha amiga. Valerie, esse é o T ony.

Ela gostou da apresentação simples, da maneira sincera como soou, e disse a si mesma que era, sim, sincera. Eles eram amigos, ou quase isso.

Nick continuou:

— Eu só queria que ela fosse apresentada adequadamente ao melhor restaurante italiano da cidade.

— Da cidade?

— Do mundo — Nick corrigiu.

— T udo bem, então. Mesa para dois? — T ony perguntou, esfregando suas mãos musculosas uma na outra.

Nick fez que não.

— Não, não posso fi car, ho?e não.

E T ony disse o que Valerie estava pensando:

— Ah, vai. Uma taça de vinho? Uma bruschetta?

Nick hesitou, puxando a manga de sua ?aqueta para cima para ver a hora em seu relógio, do tipo digital e grande com vários botões na lateral. Valerie ?á o havia visto no hospital e tinha imaginado Nick a?ustando-o antes da corrida matinal que ela tinha certeza de que ele fazia, mesmo no auge do inverno.

— Se você insiste — disse Nick, espreitando a área das mesas que estavam sob luz baixa. — E olhe, minha mesa está livre.

— Mas é claro? Guardamos para você? — T ony falou alto e piscou para Valerie, como se ela ?á fosse íntima também, levando-os até uma mesa no canto. Ele puxou uma cadeira para Valerie, entregou-lhe um cardápio grande e plastif i cado e se ofereceu para guardar seu casaco.

— Obrigada, mas acho que vou fi car com ele — ela disse, ainda arrepiada de frio.

Viu os lábios de T ony se mexerem enquanto recitava os pratos do dia, mas teve dif i culdades em se concentrar em qualquer outra coisa que não fosse Nick, que estava checando discretamente seu BlackBerry. Ela imaginava as palavras escritas na tela: “Onde você está?” ou talvez “Que horas volta para casa?”. Mas disse a si mesma que não tinha nada a ver com isso, uma conclusão conveniente, enquanto pedia uma taça de vinho Chianti sob a recomendação de T ony.

— E o senhor? — T ony perguntou, aguardando o pedido de Nick.

— O mesmo.

T ony saiu e Valerie apoiou os antebraços sobre a mesa de tampo de vidro, enquanto se lembrava do aviso pomposo do único advogado com o qual saíra na vida: nunca pedir vinho em um restaurante com toalhas xadrez, guardanapos de papel ou cardápios plastif i cados. Vinte minutos depois, ela determinou que não haveria um segundo encontro.

— Viu? No fi nal das contas você estava a fi m de um drinque — Nick disse.

Valerie olhou para ele confusa.

— Você disse que não estava a fi m de vinho — Nick sorriu sugestivamente — quando deixou a cesta no chão da sala de espera.

— Ah, é — ela entendeu tentando relaxar, ou ao menos parecer relaxada. — Bem, acho que agora estou.

Ele pareceu levar isso em consideração, virando-se um pouco em sua cadeira e olhando para ela em um ângulo diferente. Então ele limpou a garganta e disse:

— Por que não queria antes?

— Não queria o quê?

— Pegar a cesta — ele disse.

Ela engoliu em seco, escolhendo suas palavras cuidadosamente:

— Eu não… conf i o muito… nas mulheres que a trouxeram.

Ele fez que entendeu, como se fi zesse muito sentido para ele e, então, a surpreendeu ainda mais quando disse:

— Eu também não conf i o nelas.

Ela olhou confusa para ele, que esclareceu:

— Elas estavam saindo da sala de espera quando eu estava entrando. Conversei rapidamente com as duas.

— Então você as conhece? — ela perguntou.

Ele batucou seus dedos na mesa e conf i rmou:

— Sim, conheço.

Ela ia perguntar como, mas se conteve, suspeitando que a ligação envolvesse sua esposa, e não queria ir por esse caminho, temendo que ele pudesse reagir de maneira estranha, quebrando o ritmo de sua relação ainda em fase de testes e indicando que, talvez, houvesse algo que não fosse puro nessa amizade. Valerie queria acreditar que era possível ter uma amizade verdadeira, que fosse além da estada de Charlie no hospital. Havia muito tempo que não criava uma ligação genuína com outra pessoa, ?á fazia muito tempo que havia desistido da ideia. Jason a acusava constantemente de não se esforçar mais, mas ela acreditava que não era uma questão de esforço, era mais pela questão de ser uma mãe solteira presa em uma terra de ninguém. Ela nunca se enturmaria com as mães em tempo integral que habitam Wellesley, e também não tinha tempo de criar um vínculo com os advogados sem fi lhos que trabalhavam na fi rma. E, no geral, isso nunca foi um problema para ela, assim como aceitara o rompimento com Laurel e suas velhas amigas do colegial. O dia a dia a mantinha distraída, sem se preocupar com essas questões, com o que estava perdendo. Mas, neste momento, olhando para trás, o sentimento de verdadeiro companheirismo, a tensão revigorante entre o familiar e o desconhecido, a preencheu com uma ânsia tão intensa que teve de retomar o f?lego.

Felizmente, Nick pareceu não perceber tudo isso e, em vez disso, deu-lhe um sorriso malicioso, como se houvessem acabado de compartilhar uma piada interna. Então ele continuou com sua revelação dizendo:

— E, mesmo se eu não as conhecesse, eu conheço o tipo.

— E que tipo é esse? — ela perguntou inclinando-se para frente, ansiosa pela conf i rmação de que ele a entendia, de que tinham a mesma opinião em relação aos outros e que viam o mundo com a mesma cautela.

— Bem, ve?amos — ele passou a mão no maxilar. — Superf i ciais, artif i ciais, simplórias. Preocupam-se mais com a opinião dos outros do que com quem realmente são. São incansáveis em sua busca por coisas que não importam.

— Exatamente — ela concordou, rindo da maneira como ele havia capturado de forma perfeita a ideia que fazia de Romy e April. Então ela deixou escapar exatamente o que pensava:

— Acho que estão preocupadas, achando que vou processar a Romy — ela disse —, principalmente se souberem que sou advogada.

— Ah, tenho certeza de que ?á pesquisaram tudo sobre você.

— Sério? — ela perguntou.

— O que mais elas têm para fazer? — ele disse olhando em seus olhos.

— Então você sabe de toda a história?

— Sim — ele conf i rmou. — Sei.

Ela sabia que ele não estava falando das informações básicas que sabia por ser o médico de seu fi lho, dos fatos que precisava saber na noite em que Charlie fora internado.

Sabia da negligência de Romy, dos rumores que, com certeza, estavam circulando entre a elite.

Como era de esperar, Nick disse:

— Boston pode ser uma cidade tão pequena, sabe?

Ela concordou, enchendo-se de puro afeto diante da sinceridade de Nick, de sua completa falta de enrolação.

— Então, você vai?

— Vou o quê?

— Processá-la?

Ela negou enquanto T ony voltava com o vinho e as bruschettas e saía rapidamente, parecendo perceber que a conversa era séria e conf i dencial. Eles tocaram os copos e f i zeram contato visual enquanto davam o primeiro gole, mas não brindaram a nada superf i cial.

Em vez disso, Nick voltou seu copo à mesa e disse:

— Sabe, talvez eu processasse se fosse você. Eles merecem, af i nal que tipo de idiota deixa crianças pequenas brincarem com fogo daquele ?eito?

— Pode acreditar, eu sei. E pensei a respeito — ela disse, cerrando os dentes e fazendo o possível para reprimir a onda de ódio inebriante que ela permitira vir à tona naquela manhã. — Mas isso não a?udaria o Charlie em nada. Não mudaria nada.

— Eu sei — ele concordou. E os dois tomaram outro gole de vinho.

— E, além disso, não faz meu estilo.

— T ambém sei disso — ele falou como se fossem amigos há muito tempo. Então ele deu um sorriso largo e pleno que, aliado ao vinho consumido com o est?mago vazio, deixou-a zonza.

Com os olhos ainda voltados para ela, ele apontou para o prato de bruschettas e disse:

— Manda ver.

Ela sorriu e, então, transferiu duas fatias para seu prato, grata pela distração, esperando que ele não conseguisse perceber o efeito que tinha sobre ela.

— Acho — ela disse, passando o prato de bruschettas para Nick e continuando sua linha de pensamento anterior — que esse negócio de ser mãe solteira não está me a?udando com elas.

— O que quer dizer? — Nick perguntou.

Ela encolheu os ombros, procurando palavras para descrever sua opinião de que ser solteira, ou simplesmente ser diferente, se?a um obstáculo à amizades, pelo menos a amizades femininas. Desde o ensino fundamental ?á sabia muito bem que garotas procuram por amigas que se?am exatamente como elas ou que, no mínimo, idolatrem. — Eu não sei — ela disse, admirando a combinação artística de tomate, man?ericão, alho e cebola assados até chegarem ao tom dourado perfeito. — Creio que as pessoas tiram conclusões, você sabe, de que mães solteiras precisam de dinheiro, ou que podem ser mais… oportunistas.

Ela olhou para cima e viu que Nick tinha uma expressão no rosto que indicava que não concordava com sua teoria, ou ao menos não compartilhava dessa opinião. E então ele disse:

— Você chegou a se casar?

Ela fez que não enquanto engolia seu primeiro pedaço de bruschetta, comentando sobre o sabor perfeito e os ingredientes frescos.

Ele olhou arrependido:

— Sinto muito, eu não devia ter perguntado isso. Não é da minha conta — ele se desculpou.

Então ele baixou os olhos até seu prato como se assegurasse a ela que não perguntaria mais nada. Ela sabia que seu segredo ?á havia sido revelado e, por um segundo, seguiu seu instinto de não falar sobre sua vida pessoal. Mas então tomou um longo gole de vinho e escolheu cuidadosamente suas palavras:

— Não, nunca cheguei a me casar. O pai de Charlie nunca esteve presente. Seu nome era Lion, o que ?á diz muita coisa — e sorriu, dando a Nick a permissão para fazer o mesmo. — Ele era um artista, um artista talentoso — ela continuou. — Achei que estivesse apaixonada e ele me disse que também estava e acreditei. E então… bem, não deu certo — ela riu nervosa. — Para ser mais exata, ele desapareceu logo depois que eu engravidei, sendo assim nunca viu o fi lho e, até onde sei, nem sabe que tem um f i lho. Embora algumas vezes ache difícil de acreditar em algo assim, que nenhum de seus amigos tenha me visto com um fi lho. Um fi lho que tem o cabelo encaracolado e o rosto hexagonal iguais aos dele.

Foi mais do que havia falado sobre o assunto em toda a sua vida e sentiu-se esgotada por ter revelado tanta coisa, mas, ao mesmo tempo, estava aliviada. Ela conseguia sentir os olhos de Nick voltados para ela e, de alguma forma, encontrou coragem para olhar para cima e fi tá-lo.

— Você sabe por onde ele anda? — ele perguntou.

Ela tomou outro gole de vinho e disse:

— Ouvi dizer que se mudou para o oeste, mas nunca tentei encontrá-lo. Embora saiba que poderia. T enho certeza de que deve ter suas exposições de arte, mas simplesmente não ve?o por quê. Sempre acreditei que assim fosse melhor para o Charlie.

— Deve ter sido difícil — ele disse suavemente. Havia ternura e compreensão em seus olhos, mas nenhum indício de pena.

— Foi mesmo — ela admitiu.

— E ainda é difícil? — ele perguntou.

— Às vezes — ela disse, olhando fi xamente para Nick, pensando na noite do acidente, de quanto se sentira assustada e sozinha, mesmo com Jason ao seu lado. — Mas agora não.

Ele deu outro sorriso amplo e glorioso, que fez o coração de Valerie se acelerar, e falou:

— Fico feliz em saber disso — e, olhando de relance em seu relógio, sugeriu que pedissem o prato principal.

— Você não tem de ir? — ela protestou um pouco.

— Ainda não — ele respondeu acenando para T ony e dizendo:

— Você vai adorar o ravióli de espinafre.

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Comments

Divina Santos

Divina Santos

ñ esta serto,coitada da esposa,ele nunca tem tempo pr ela,ñ estou gostando

2024-04-04

0

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